Entrevista: Gabriel Rojas e Luan Carbonari,multi-instrumentistas e cantores
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1. Como foi o processo de escolha do repertório para o álbum “Uma Canção para Tom Zé”?
A Ana Beatriz Nogueira, idealizadora e diretora do projeto, nos apresentou uma lista de músicas que ela já havia selecionado com base no conceito que imaginava para essa homenagem. A partir dessa curadoria inicial, ouvimos e escolhemos as canções que mais nos inspiraram e que sentimos vontade de interpretar dentro dessa proposta mais acústica. Algumas faixas, desde o primeiro momento, nos motivaram a criar nossos próprios arranjos. Além das músicas sugeridas por ela, também trouxemos algumas de fora, como “Augusta, Angélica e Consolação” e “Silêncio de Nós Dois”, que foram prontamente acolhidas pela Ana. (Luan)
2. Como vocês se conheceram e como surgiu a parceria musical entre vocês?
Nossa história começa literalmente desde o berçário! Ambos somos de Botucatu, no interior de São Paulo, e crescemos na mesma cidade. No entanto, foi por volta dos 14 anos que realmente nos unimos musicalmente, na escola de artes fundada pelos meus pais. A partir desse momento, não paramos de fazer som. Durante a adolescência, formamos várias bandas, nos apresentamos em bares e casas de show da região e fomos construindo nossa parceria. Mais tarde, começamos a gravar vídeos para a internet em dupla, o que ampliou ainda mais nosso alcance e nos trouxe até aqui. (Luan)
3. Qual foi a maior inspiração por trás de reimaginar as canções de Tom Zé neste projeto?
O grande desafio desse projeto foi condensar a riqueza e a complexidade da obra de Tom Zé em um formato mais intimista, com apenas dois instrumentos. Desde o início, nossa proposta não era replicar as versões originais, mas sim explorar uma nova sonoridade, valorizando mais a letra e a melodia.
Falando especificamente da harmonia, encontrar um equilíbrio entre piano e violão exigiu bastante cuidado, pois podem competir em frequência. Por isso, buscamos referências de álbuns de mesma configuração, como “Duo”, de César Camargo Mariano e Romero Lubambo. (Luan)
4. Como foi o processo de pesquisa para mergulhar na obra de Tom Zé?
Mais do que simplesmente aprender as músicas, mergulhar na obra de um compositor como Tom Zé exige entender sua mente criativa e o contexto por trás de cada canção. Nosso processo de pesquisa foi basicamente ouvir e analisar sua discografia, ler biografias, assistir a entrevistas e consumir todo o material disponível que pudesse nos aproximar do universo dele. (Luan)
5. Como foi trabalhar com Ana Beatriz Nogueira na idealização e direção do projeto?
Trabalhar com a Ana Beatriz Nogueira foi uma experiência incrível. Desde o início, ela nos deu espaço para expressar nossas ideias e sempre nos ouviu com muita atenção, o que nos permitiu ficar à vontade durante todo o processo. Suas intervenções foram sempre muito precisas, trazendo percepções que, muitas vezes, não conseguimos enxergar enquanto estamos em cena. Além disso, por ser uma atriz extraordinária, sinto que evoluí muito em presença de palco depois de trabalhar com ela. Foi realmente uma experiência enriquecedora. (Luan)
6. O que a presença de Tom Zé na estreia do show trouxe de especial para vocês?
Foi uma experiência única e inesquecível. Nunca tínhamos vivido algo assim: apresentar um show inteiro na presença do próprio compositor de todas as canções. Isso nos deu um frio na barriga a mais, com toda certeza. A realização foi imensa ao ver que Tom Zé gostou do show e da nova roupagem que demos às suas músicas. E, claro, o momento mais especial foi quando ele subiu ao palco com a gente no bis. Sem dúvida, foi um dos momentos mais marcantes de nossas carreiras. (Luan)
7. Como foi o processo de gravação do álbum? Quais foram os desafios e momentos mais marcantes?
A gravação do álbum foi intensa e desafiadora. Basicamente, registramos tudo em um único dia, com mais um para pequenos ajustes, o que exigiu muita concentração e entrega. Foram 12 faixas gravadas ao vivo, exatamente como no show, sem metrônomo e com todos os instrumentos soando juntos no estúdio. Diferentemente do ao vivo, cada detalhe ficava evidente—desde pequenas imperfeições até nuances de interpretação—e não havia muita margem para correções na pós-produção, já que o formato escolhido gerava vazamentos nos microfones.
Apesar do desafio, essa abordagem também tornou o disco mais orgânico e autêntico, capturando a essência da nossa interpretação naquele momento. O instante mais marcante, sem dúvida, foi quando ouvimos o resultado pela primeira vez, mesmo sem mixagem. Ali, tivemos a certeza de que todo o esforço valeu a pena. (Luan)
8. Como a música acústica contribuiu para a interpretação das canções de Tom Zé?
A utilização de piano e violão acústico foi essencial para criar uma atmosfera mais intimista e introspectiva na execução das músicas, assim como para reforçar o caráter sentimental que elas já tinham. O repertório escolhido continha uma parte pouco explorada da obra de Tom Zé, de caráter mais romântico, o que destoa do que geralmente se associa ao compositor baiano: pautas sociais, ironias e seu senso humor único. Dessa forma, não havia a necessidade de se usar uma instrumentação mirabolante ou excessivamente inventiva para que conseguíssemos expressar nossos sentimentos com as letras e melodias selecionadas. (Gabriel)
9. Como vocês veem a influência do Tropicalismo na música de Tom Zé e como ela se reflete nas interpretações de vocês?
Boa parte da obra de Tom Zé reflete as influências do Tropicalismo tanto em letras críticas e sarcásticas quanto em arranjos que extrapolam o óbvio com o uso de instrumentos e sonoridades incomuns à sociedade brasileira da época. Apesar disso, nosso trabalho procurou evidenciar um lado mais desconhecido e sensível do compositor. Para isso, propositalmente não nos ativemos à sonoridade tropicalista presente nos seus primeiros álbuns, mas isso não significou negar inventividade e inovação, coisas que são inerentes tanto ao nosso trabalho quanto ao de Tom Zé. Para isso, ao invés de buscar influências diretamente nas sonoridades exploradas pelo movimento artístico do século XX, optamos por trabalhar outras vertentes musicais, como música erudita, Beatles, chorinho, etc. (Gabriel)
10. Quais foram os maiores aprendizados ao trabalhar juntos neste projeto?
Trabalhos em equipe sempre nos trazem ensinamentos sobre estar aberto a opiniões e interpretações diferentes. Acredito que o principal ensinamento foi ver a riqueza de ideias que é possível ser acessada quando se há liberdade de pensamento de todos os envolvidos, assim como a liberdade de discordar de sugestões que porventura não venham a condizer com os conceitos objetivados pelo projeto. (Gabriel)
11. O que mais os inspirou a fazer uma homenagem a Tom Zé?
A principal idealizadora da homenagem foi Ana Beatriz Nogueira, que já tinha o projeto em mente há alguns anos. A ideia, segundo ela, era a de celebrar a obra única de um ícone da nossa música pessoalmente para o próprio Tom Zé, e não deixar que acontecesse como ocorre com outros que só recebem seu reconhecimento postumamente. Nós, além de compartilharmos dessa visão, sempre tivemos Tom Zé em nosso panteão de artistas brasileiros, e não poderíamos negar a honra de sermos parte de um projeto tão especial como este. (Gabriel)
12. Quais são os próximos planos para a carreira de vocês após este projeto?
Primeiramente, temos muito o desejo de performar o álbum para novos públicos, além do que foi feito no show de estreia, em 02 de março de 2024 no Rio de Janeiro. Isso inclui apresentações em várias cidades ao redor do Brasil ao longo do ano de 2025. Além disso, também queremos seguir em frente tanto em parceria como separados. Luan já tem previamente uma carreira solo, e eu mesmo tenho convites para me apresentar com outros artistas que gostaram muito do trabalho feito no álbum. Acredito que o futuro para nós dois é promissor, principalmente após um trabalho feito com tanto esmero. (Gabriel)
13. Qual a expectativa em relação ao lançamento nas plataformas digitais e como esperam alcançar novos públicos?
As plataformas digitais são a principal via de acesso a música atualmente, e consequentemente ao nosso trabalho. Esperamos conseguirmos alcançar com elas tanto pessoas já admiradoras do trabalho de Tom Zé, quanto pessoas, mais novas ou mais velhas, que por qualquer motivo não tenham tido contato com este artista tão emblemático. As redes sociais desempenham também papel fundamental nesses objetivos, nos ajudando a atingir o maior público possível de um modo acessível e eficiente. (Gabriel)
14. Qual o significado de poder lançar um projeto com canções tão icônicas e cheias de história?
Dar continuidade ao trabalho de alguém tão significativo para a nossa história é como poder ser o autor de mais um capítulo de um livro da nossa cultura, junto a grandes nomes do nosso tempo e país. Fazer parte dessa narrativa é algo indescritivelmente bom. (Gabriel)