Entrevista: Rachel Galiza, engenheira civil

- Rachel, o que a inspirou a escrever “Tudo vai bem aqui no peito”?
Na época que tive o câncer, criei um blog no qual eu escrevia sobre meu dia a dia, minhas emoções, dicas, entre outras conversas. A escrita me ajudava a descomprimir e me comunicar com as pessoas.
Depois de concluído o tratamento, me dei conta do quanto era denso tudo que havia vivido e entendi que aquela experiência precisava ser compartilhada, com o objetivo de ajudar outras pessoas. Passei anos pensando no que fazer, idealizei alguns projetos que não foram à frente, mas tinha certeza de que um dia eu encontraria um caminho.
Em 2022, conheci o meu marido e pedi para ele ver o blog. Após passar horas lendo os posts, ele falou: “Tem um livro aqui”. Foi daí que o projeto começou.
- Como foi o processo de transformar suas experiências em um livro?
Eu não sabia por onde começar. Tinha mais de 200 textos, mas precisava criar uma narrativa, para que fizessem sentido em formato de livro.
Até que a vida se encarregou de promover um belíssimo reencontro com a Silvana Cardoso, que foi minha vizinha de infância e quem não via há quase 25 anos. Silvana me ajudou na coordenação do projeto e, ao longo do caminho, se juntaram a nós outras mulheres incríveis. O livro tem o trabalho de muitas mulheres – no design, na diagramação, na orelha, na revisão, fotos.
- Você menciona em seu livro que começou um blog para relatar sua jornada. Como isso ajudou na escrita do livro?
O livro é dividido em “Antes”, “Durante” e “Depois” (do câncer). O “Durante”, que compõe a maior parte do livro, foi todo o relato contido nos mais de 200 posts que tinha no blog. Precisei fazer alguns ajustes e complementos, mas estava tudo lá.
- Quais foram os principais desafios que você enfrentou ao escrever sobre uma experiência tão pessoal?
Primeiro, houve a difícil decisão de expor uma história tão particular e profunda, mas entendi que eu estava pronta para compartilhar essa jornada, sobretudo quando considerei o grande objetivo desta publicação, que é levar inspiração e esperança para quem precisa.
Além disso, algumas vezes, ao longo da escrita, foi doloso revisitar momentos desse passado. Pude, em certas situações, sentir as emoções daquele período. Levei nove meses “gestando” este livro e no quinto mês de trabalho precisei parar, respirar, me recompor, para então, retomar.
- Pode nos contar um pouco sobre o momento em que recebeu o diagnóstico de câncer de mama? Qual foi sua reação inicial?
O diagnóstico foi gradativo.
Eu tinha o hábito de fazer autoexame das mamas e foi assim que pude sentir um nódulo na mama esquerda, que parecia um carocinho de azeitona. Como conheço meu corpo, sabia que ele não estava lá alguns meses antes.
Imediatamente, fui a uma consulta com minha ginecologista e ela, ao me examinar, disse: “precisamos investigar”. Ali, entendi que algo importante estava acontecendo. Procurei manter a calma, até termos uma conclusão, mas as avaliações anunciavam que teria dias difíceis pela frente.
Saí do consultório e fui direto fazer uma biópsia. Quando recebi o resultado, alguns dias depois, o corpo ficou dormente, o coração acelerou. Chorei até não haver mais lágrimas. Chorei por toda a angústia que estava reprimida desde o dia que apalpei o nódulo. Chorei pelo desconhecido, que ainda estaria por vir.
Mas, apesar de toda a dor, de todo o medo e incertezas, eu precisava seguir, me tratar, me curar.
- Quais foram as principais lições que você aprendeu durante o tratamento?
Acho que a primeira lição foi entender que a gente não tem controle da vida. Aos 32 anos eu não imaginava que poderia ter um câncer. Não achava que, naquela idade, aconteceria comigo. E lidar com essa realidade foi muito desafiador.
Mas aí veio a segunda lição, quando entendi que a falta de controle não significa falta de ação. Que eu não estava à deriva, deixando a vida me levar, como diz a música. Não precisava apenas esperar que alguém fizesse algo por mim ou me dissesse o que fazer.
Foi aí que resolvi ser também protagonista da solução, além dos médicos. Coloquei minha cabeça para funcionar, para me manter criativa e ativa.
A terceira grande lição foi entender a importância do autocuidado e da prevenção. Ter uma vida saudável, fazer exames preventivos, conhecer nosso corpo, viver mais leve.
- Como você lidou com os momentos difíceis e quais estratégias ajudaram a manter seu bom humor?
Eu me acolhi. Embora me considere uma pessoa forte e objetiva, a falta de certeza em relação a continuidade da vida é assustadora. Fiz terapia desde o início, para me ajudar a lidar com toda aquela situação.
Além disso, sou uma pessoa inquieta, criativa. Usei estas potencialidades a meu favor. Fui fazer curso de fotografia, fiz ensaio sensual, almoços temáticos, criei o blog. Me mantinha ocupada, em movimento, trouxe outros assuntos para minha vida.
- Em seu livro, você fala sobre a importância de celebrar as pequenas vitórias. Por que essa atitude é essencial durante um tratamento de câncer?
É preciso viver um dia de cada vez, dividir o problema em partes, vencer as batalhas para então vencer a guerra, senão fica muito pesado.
Tem dias que são frustrantes, difíceis, desanimadores, mas tem dias que vencemos, superamos, conquistamos. E estes dias precisam ser comemorados, para que tenhamos gás e energia para seguir em frente. Estes dias são uma espécie de oásis no meio de um turbilhão. Importante encontrar momentos de alegria, apesar da dor.
- Quais mensagens você espera que as leitoras e leitores tirem de sua história?
Em primeiro lugar: a importância da prevenção. Eu descobri o nódulo no meu seio esquerdo em um autoexame e fui imediatamente ao médico. Conhecer o meu corpo me salvou.
Além disso, quero levar esperança e inspiração para quem atravessa momentos difíceis, como um câncer. A gente cai, levanta, chora, tem medo, mas é preciso encontrar o nosso instinto de vida e lutar.
- Como você descreveria a evolução da sua mentalidade e hábitos desde o diagnóstico até o momento atual?
Eu era uma pessoa sedentária, não me alimentava bem, vivia sempre muito estressada. Uma amiga dizia que na minha casa a fruta era quadrada, fazendo referência aos sucos industrializados de caixinha. Me matriculava na academia e não frequentava. Não tinha tempo para cuidar da saúde.
A primeira mudança que fiz foi com a minha alimentação. Na internação, para a primeira cirurgia, disse para a nutricionista do hospital que eu não tinha restrições alimentares e ali comecei a experimentar alimentos novos. Além disso, faço exercícios físicos regularmente desde 2016 e revi minhas prioridades – a saúde está sempre em primeiro lugar.
Por fim, entendi que a cura não tem linha de chegada. É preciso estarmos sempre vigilantes, trabalhando para a prevenção e manutenção da nossa saúde.
- Como você enxerga a importância do Outubro Rosa na conscientização sobre o câncer de mama?
O mês de outubro, por conta do Outubro Rosa, se torna um marco no ano para intensificação das campanhas de prevenção ao câncer de mama e para chamar a atenção das mulheres em relação aos cuidados com a sua saúde.
Porém, toda essa mensagem precisa se reverter em ações individuais por parte de cada mulher. A gente só cuida do que a gente vê e, por isso, é preciso que possamos olhar para nosso corpo, tocá-lo, estranhar qualquer anormalidade e estar com nossos exames em dia.
- Que conselho você daria a outras mulheres que estão enfrentando um diagnóstico semelhante?
O caminho é dificílimo, mas é preciso lutar. Encontre suas forças, suas potencialidades e as utilize como ferramenta. Seja protagonista da cura e comece por um sorriso, apesar da dor. Se energize nas pequenas conquistas.
- Qual é a sua esperança em relação ao impacto que seu livro pode ter na vida das pessoas?
Meu livro apresenta uma história real, de uma pessoa real e comum.
Espero que as pessoas possam se reconhecer, estabelecer uma conexão e, com isso, acreditar que essa jornada dolorosa pode se tornar um pouco mais leve e que a cura é possível.
Desejo abraçar as pessoas com esse livro.
- Como você se sente ao ver seu relato sendo publicado e disponível para o público?
Honestamente, as vezes nem acredito que escrevi um livro (rs).
Estou com o coração quentinho, feliz e orgulhosa de ter encontrado a resposta que tanto me inquietou por anos. Minha história é maior que eu e precisava levá-la além de mim como forma de ajuda para as pessoas.