1. O que motivou vocês a escreverem este novo livro focado em leitura, inclusão e acessibilidade?
A motivação para escrever este livro veio da preocupação em garantir que as pessoas com deficiência tenham acesso não apenas à leitura, mas também ao reconhecimento de si mesmas nas histórias que leem. A partir da nossa experiência profissional percebemos que as discussões sobre inclusão ainda são insuficientes nos espaços acadêmicos e profissionais, especialmente quando se trata de pessoas com deficiência e neurodivergentes. Esse livro é nossa contribuição para a área. (Respondida por Cleide Fernandes)
2. Como a inclusão e acessibilidade são tratadas atualmente no campo da leitura infantil e juvenil no Brasil? Vocês identificam avanços significativos?
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) é um marco importante no avanço da inclusão e acessibilidade no Brasil. Promulgada em 2015, a LBI estabelece direitos fundamentais para as pessoas com deficiência, incluindo o acesso à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. No campo da leitura infantil e juvenil, a LBI reforça a importância de garantir recursos de acessibilidade, como livros em braille, audiolivros e outros formatos adaptados, promovendo a participação plena de crianças e adolescentes com deficiência nas atividades culturais e educacionais. A lei é um instrumento fundamental para a promoção da inclusão, assegurando que os direitos dessas crianças sejam respeitados em escolas, bibliotecas e outros espaços culturais. (Respondida por Cleide Fernandes)
3. Quais são os maiores desafios enfrentados pelas crianças com deficiência em relação ao acesso à leitura e aos materiais culturais?
Os maiores desafios enfrentados por crianças com deficiência em relação ao acesso à leitura incluem a falta de recursos acessíveis e adequados, como livros em braille, audiolivros e traduções em Libras. Além disso, há barreiras atitudinais e arquitetônicas nos espaços culturais e educacionais que impedem a participação plena dessas crianças. As editoras ainda produzem poucos materiais inclusivos, e o capacitismo, que permeia a sociedade, limita as expectativas em relação às crianças com deficiência, restringindo suas oportunidades de interação com o mundo cultural e artístico. (Respondida por Cleide Fernandes)
4. O livro menciona a criação de condições acolhedoras para pessoas com deficiência sem altos custos financeiros. Quais são algumas práticas eficazes para tornar bibliotecas e escolas mais inclusivas?
Para tornar bibliotecas e escolas mais inclusivas sem altos custos, é essencial investir em práticas como a formação de equipes para eliminar preconceitos e promover uma acessibilidade atitudinal, criando um ambiente acolhedor. Adaptações metodológicas também são fundamentais, como a implementação de sessões de leitura em voz alta, em Libras, e a disponibilização de materiais com recursos de acessibilidade, além de flexibilizações que atendam às necessidades específicas de pessoas com deficiência.
Uma observação importante é que a participação ativa das pessoas com deficiência na elaboração e avaliação dos recursos e espaços é fundamental. Ao incluir essas pessoas no processo, garantindo que suas vozes sejam ouvidas, os espaços se tornam mais eficazes e adequados às suas demandas. Isso reforça o princípio de que nada deve ser feito sobre elas sem sua participação, assegurando soluções mais inclusivas e assertivas. (Respondida por Cleide Fernandes)
5. Como vocês veem a representatividade de pessoas com deficiência nos livros infantojuvenis disponíveis no mercado editorial brasileiro? Há uma lacuna a ser preenchida?
A representação de pessoas com deficiência nos livros para crianças e adolescentes ainda é pequena e, lamentavelmente, estereotipada. As histórias, na maioria das vezes,tratam da deficiência, e não dos sujeitos e de suas experiências. Mas há bons livros, publicados mais recentemente, que rompem com esse modelo.
6. O que podem fazer pais e educadores para estimular a leitura entre crianças com deficiência, especialmente aquelas que têm autismo?
Em primeiro lugar, entender que a leitura, a literatura, o conhecimento científico e as Humanidades interessam às crianças, todas elas. E encontrar, a partir das características de cada uma, modos de ler e de conversar sobre as leituras, ouvindo e respeitando sua presença. Na maioria das vezes, basta o convite e um interesse genuíno para estar junto e partilhar histórias, personagens e, especialmente, o tempo para ler.
7. Vocês mencionam que o livro é um convite para novas perguntas e reflexões. Quais questões ainda precisam ser exploradas no campo da inclusão de pessoas com deficiência na leitura?
Sempre que nos colocamos em movimento, novos temas e abordagens surgem. Quando encontramos respostas a uma questão, novas perguntas se apresentam e nos fazem avançar algumas casas. Com tudo é assim. Mas entendemos que ainda é necessária a afirmação do direito das pessoas com deficiência a experiências culturais, para além da garantia dos direitos mais básicos. E, claro, a criação de condições para que elas sejam possíveis.
8. Como as famílias e profissionais da educação podem colaborar para garantir que a inclusão não seja apenas teórica, mas uma prática diária nas bibliotecas e salas de aula?
Ocupando os espaços e participando do debate público. Em nenhum lugar do mundo, os direitos nos foram dados espontaneamente. Precisamos propor, reivindicar e cobrar, intransigentemente, que a legislação brasileira, que é potente, seja cumprida. A participação social é muito importante nessa construção.
9. Qual é a importância de termos um livro como o de vocês, que promove discussões sobre inclusão, sendo distribuído gratuitamente? Qual o impacto esperado?
A intenção é que com a distribuição gratuita mais pessoas possam ter acesso ao conteúdo do livro, aos temas propostos nas reflexões que apresentamos, podendo ter a experiência da leitura pelo livro impresso, objeto tão caro para nós. Além da distribuição nos eventos de lançamento, as bibliotecas públicas municipais que integram a Fundação Municipal de Cultura e o Sistema Estadual Público de bibliotecas receberão exemplares, bem como as bibliotecas comunitárias da cidade de Belo Horizonte. Está previsto o envio de exemplares para as Escolas Municipais de Belo Horizonte que serão entregues por nós para a SMED-Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte. Ou seja, nosso intuito é que o livro chegue nas escolas, nos equipamentos culturais nos quais as discussões que propomos são fundamentais para o atendimento mais inclusivo e acessível ao público leitor no dia a dia.
Vale ressaltar que além da distribuição dos exemplares gratuitos, será disponibilizado também o PDF acessível para download gratuito.
10. Em termos de acessibilidade, como foi o processo de criação da versão digital acessível do livro, e quais são as principais características dessa versão?
No processo de criação da versão digital, o principal objetivo será garantir que ele seja acessível a pessoas com deficiência visual que utilizam leitores de tela. Isso envolverá uma série de ajustes técnicos no arquivo PDF, como a correta marcação do texto, estruturando títulos, parágrafos e listas de forma apropriada para que o leitor de tela possa identificar e navegar pelas seções de maneira lógica e fluida.
Além disso, todas as imagens e ilustrações receberão um texto alternativo a partir de um roteiro de audiodescrição, elaborado por dois especialistas: uma pessoa exergante e uma pessoa cega. Outro ajuste crucial será organizar o conteúdo para que a leitura ocorra na ordem correta, garantindo que a sequência de textos e imagens seja apresentada de forma compreensível, proporcionando uma experiência de leitura coerente e inclusiva. O livro digital com recursos de acessibilidade estará disponível gratuitamente em breve. (Respondida por Cleide Fernandes)
11. Como as práticas acessíveis de leitura que vocês mencionam no livro podem impactar positivamente o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças com deficiência?
A experiência leitora possibilita aos sujeitos ampliar seu repertório de conhecimento de mundo e também refletir sobre si mesmo e sua relação com o outro, com o mundo. A literatura, muito especialmente, propicia experiências estéticas importantes, o contato com o sensível, o contato com um universo simbólico, fundamental para que a vida concreta seja mais palatável.Assim é para adultos e para crianças. E no que tange às crianças é importante ressaltar: a arte não deve ser revestida de moralismos ou tomada como ferramenta pedagógica sempre no intuito de ensinar uma criança sobre determinado tema ou para se trabalhar uma determinada questão. É fundamental que as crianças tenham a possibilidade de apreciar livremente uma obra, a experiência da fruição.
12. Em sua opinião, quais políticas públicas ainda são necessárias para ampliar a inclusão de pessoas com deficiência no acesso à educação e à cultura no Brasil?
Políticas de formação continuada de professores, agentes educacionais e agentes culturais diversos, no intuito de desmistificar, desconstruir barreiras atitudinais e tornar esses profissionais mais sensíveis e abertos ao trabalho com um público cada vez mais diverso.
Políticas de investimento voltadas especialmente para os equipamentos educacionais e culturais do território nacional para a aquisição recursos de tecnologia assistiva, CAA (Comunicação alternativa e aumentada), garantia do profissional de apoio educacional especializado sempre que se fizer necessário, salas de AEE (Atendimento Educacional Especializado) bem equipadas e com profissionais qualificados para o atendimento, aquisição de livros em Braile, investimento em contratação de intérpretes de libras e audiodescritores e outras ações que viabilizem o acesso à informação e ao conhecimento por parte das pessoas com deficiência da forma mais autônoma possível.
Políticas de investimento que garantam a acessibilidade arquitetônica e natural, de modo que pessoas com deficiência e seus acompanhantes ,familiares, cuidadores, acessem equipamentos educacionais e culturais em segurança, sem constrangimentos, com a liberdade e autonomia que deve ser garantida a todos os cidadãos.
A legislação já prevê que muito do que foi citado seja cumprido, mas está longe de ser uma realidade. Que os municípios, estados, instituições que não cumprirem a lei sejam notificados, penalizados por meio de multas (cujo recurso seja revertido em ações que fortaleçam as ações de inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência) e obrigados a viabilizar a inclusão e acessibilidade de pessoas com deficiência conforme previsto pela lei.