Entrevista: Luis Fernando Baptistella, especialista em inteligência e contrainteligência

1. Seu livro “Contra & Inteligência 4.0” alcançou o status de best-seller e figura no top 10 da Amazon em categorias de Inteligência e Contrainteligência. A que você atribui esse sucesso?
R: Atribuo esse sucesso primeiramente ao apoio recebido da Literare Books, que me orientou sobre a importância de trabalhar a divulgação do livro tanto nas fases de pré-lançamento quanto pós lançamento, o que eu procurei fazer com o apoio de redes sociais, em especial o LinkedIn e o Instagram.
Atribuo também o sucesso alcançado pelo fato de o livro abordar um tema pouco discutido e compreendido no Brasil, o que deve ter despertado o interesse do público especializado no tema; bem como, devido à relevância para leitores que labutam na área da segurança corporativa e são tomadores de decisão, que encontram na Inteligência e na Contrainteligência conhecimentos que auxiliam o processo decisório.
2. Você pode nos contar mais sobre como sua experiência prática no Setor de Inteligência, especialmente sua atuação na Marinha do Brasil e em missões internacionais, influenciou a criação deste livro?
Em novembro de 1998, tive a oportunidade de embarcar em um navio da Marinha dos Estados Unidos para realizar um intercâmbio. Esse navio efetuou uma missão no Mar Mediterrâneo, durante exatos seis meses, e que em determinada altura tornou-se o capitânia de um grupo de navios de guerra que atuaram diretamente no então conflito da ex-Iugoslávia.
Naquele momento, ainda no posto intermediário da carreira, eu tive a chance de participar de reuniões com outras Marinhas e entender como se dariam as operações de patrulha no Mar Adriático e os planos de ataques com mísseis Tomahawk ao solo iugoslavo. Foi sem dúvida uma experiência ímpar acompanhar toda aquela dinâmica navegando em patrulha distante algumas dezenas de milhas (cerca de cem quilômetros) da costa da Croácia e Montenegro.
Em 2007, durante a realização do Curso de Estado-Maior, um curso de carreira, eu procurei concentrar meus estudos na área de geopolítica e foi ao término desse curso que fui convidado, leia-se no termo técnico, recrutado, para servir no Centro de Inteligência da Marinha, sediado em Brasília.
Começa daí minha jornada de cursos e estudos na área da Atividade de Inteligência que nunca mais se encerrou. Em 2009, fui designado para fazer um curso na Universidade de Defesa Nacional de Beijing, na China, que se revelou uma oportunidade ímpar para conhecer a história daquele país e, não obstante, compreender ainda mais as dinâmicas da importância da Atividade de Inteligência imbricadas na geopolítica.
Outros trabalhos executados ao longo da carreira, passando pelo Curso de Altos Estudos Marítimos, em 2015, sempre me incentivaram a me manter atualizado sobre temas da atualidade e da própria Atividade de Inteligência, até que, em 2016 e 2017, tive a grata satisfação, razão pela qual agradeço à Marinha do Brasil, de desempenhar o cargo diplomático de Adido de Defesa nos países Senegal, Benin e Togo, na África Ocidental.
Um dos desafios nesse período foi o de ter que aprender a falar e a escrever em francês. Foi nesse momento que eu aprofundei ainda mais os estudos na área de contrainteligência com a leitura de livros e artigos que me fizeram compreender com profundidade as questões de contraespionagem.
Já na reserva, após desempenhar a função de Superintendente da Segurança do Porto de Santos, de março de 2019 a julho de 2020, lancei a Bravus Consultoria, em novembro de 2020, uma consultoria pioneira especialmente na área de contrainteligência corporativa.
A ideia de escrever o livro surgiu no final de 2022, após eu ter estruturado um curso avançado na Atividade de Inteligência e com certeza todo esse turbilhão de boas memórias serviram de alicerce para o livro.
3. No livro, você aborda temas complexos como ameaças internas e guerra cibernética. Como você equilibrou a apresentação desses conceitos teóricos com exemplos práticos para torná-los acessíveis a diferentes públicos?
A intenção no livro foi despertar o interesse do leitor para conceitos como Insider Threat, que traduzido para o português seria “vulnerabilidades internas”, que podem ser causadas, em especial, pelo fator humano.
Busquei esse equilíbrio tentando mostrar que muitos dos problemas relacionados a ataques cibernéticos podem ter origem em falhas internas de segurança. Claro que, quando um hacker ou um grupo criminoso intenciona atacar uma empresa alvo ou uma pessoa, mesmo com fortes recursos de segurança cibernética, esses criminosos podem lograr sucesso.
Do tripé Pessoas – Processos – Tecnologias, eu procurei reforçar a importância dos investimentos no treinamento e na conscientização das pessoas.
4. A obra também discute a evolução das tecnologias e estratégias de enfrentamento em Inteligência e Contrainteligência. Quais são as maiores mudanças que você observou ao longo dos anos e como essas mudanças impactaram o setor?
A marcha da evolução tecnológica é inexorável. Creio que duas mudanças são relevantes de citação: a rapidez com a qual a informação passou a fluir entre as pessoas em escala global.
Com isso houve um enfraquecimento em determinados requisitos de compartimentação de informações sigilosas, leia-se segurança da informação, sejam elas de caráter pessoal ou corporativa, que saem de um celular para outro quase que instantaneamente.
A outra [r]evolução tecnológica significativa foi a proliferação de sistemas de monitoramento e de vigilância por imagens, associados a subsistemas de reconhecimento de imagens e facial, o que torna cada vez mais difícil o papel daquela pessoa (grey men) que tenta se disfarçar em meio à multidão.
5. Você menciona casos reais, como a tentativa de venda de segredos militares para o Brasil. Qual a importância de incluir esses exemplos práticos e o que eles revelam sobre a situação atual da segurança global?
O caso “A aventura de Alice” retrata a questão do Insider Threat, ou seja, aquele funcionário mal-intencionado que tem acesso a segredos e decide deliberadamente subtraí-los e vendê-los.
O caso da “quebra de um paradigma” aponta um exemplo da contraespionagem estatal com interesses em um determinado setor industrial, no contexto da Guerra Fria 2.0, entre EUA e China.
Os casos do banco Credit Suisse e da empresa brasileira Eldorado Celulose, cuja cifra de negociação atinge a casa de 15 bilhões de reais, demonstram que histórias de espionagem corporativa não existem só nos filmes de Hollywood.
As questões apontadas sobre o conflito na Ucrânia, das tensões em Israel e das rivalidades crescentes entre EUA e China direcionam o leitor para ampliar a situação da segurança global, sob a ótica de um profissional de inteligência e de contrainteligência.
6. “Contra & Inteligência 4.0” é descrito como um recurso indispensável para profissionais e acadêmicos. Qual foi o maior desafio ao escrever para ambos os públicos?
Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Sinceramente, o livro foi fluindo com naturalidade, sem uma preocupação de pensar exatamente para qual público escrever, seja o profissional ou o acadêmico.
Creio que isso se deu por conta da intenção de escrever com base em uma gama de bibliografia que eu havia pesquisado anteriormente e devido ao fato de que o mercado brasileiro seja carente de livros voltados para a Atividade de Inteligência.
Justamente por saber que há poucos autores brasileiros que se debrucem sobre os conceitos da Atividade de Inteligência, acredito que o livro tenha ganhado vida para servir de suporte ao setor acadêmico.
7. Sua trajetória inclui observação de conflitos internacionais e cursos no exterior, como na China. De que maneira essas experiências globais moldaram sua visão sobre as dinâmicas da Inteligência e Contrainteligência?
Primeiramente, eu diria que eu tive uma grande oportunidade na carreira, qual seja, a de ter trabalhado na Inteligência e depois na Contrainteligência. Em geral, isto não é muito comum. O fato de ter atuado nos dois setores, nos dois lados da mesma moeda, me possibilitou ampliar muito os horizontes.
Minha veia é de Analista de Inteligência com visão estratégica. Foi assim que eu comecei, em 2007, e que eu aprofundei depois de ter regressado da China.
Quando você trabalha na Contrainteligência você precisa centrar ainda mais sua lente de observação para evitar cair na paranoia de sair por aí acreditando em teoria da conspiração.
Trabalhar em contraespionagem requer muito tato. Não se deve dar passos muitos largos, nem adotar ações exageradas. A descrição é mandatória.
Sou grato a Deus pelas oportunidades que tive de tratar com interlocutores de diversos outros países, em inglês, espanhol e francês, fossem eles militares, empresários ou diplomatas, e ter, desde 2007, o conhecimento prévio de conceitos básicos da Atividade de Inteligência.
Essas experiências moldaram a minha visão de tal forma a compreender a importância de pensar estrategicamente, sob o viés da Inteligência, ou seja sempre me preparar para assessorar um decisor com enfoque estratégico e não ficar preso só ao ambiente operacional.
Pelo lado da contrainteligência, as experiências moldaram a minha percepção para reforçar as técnicas e medidas de segurança, ou seja, pensar segurança de maneira holística e integrada no conjunto de uma corporação.
8. O livro também reflete sobre desinformação, um tema bastante atual. Como você enxerga o papel da Contrainteligência no combate à desinformação na era digital?
Pergunta de extrema relevância. Enxergo que a Contrainteligência tem um papel fundamental em identificar “misinformation”, “disinformation” e “malinformation”, o que no livro eu aponto como sendo as três categorias de desordem informacional.
No Brasil, em geral, por conta da dificuldade de tradução, muitos conteúdos digitais sãos rotulados como desinformação e, não raro, tudo acaba virando “fake news”.
Um profissional de contrainteligência primeiramente deve compreender os conceitos de propaganda e de contrapropaganda, utilizados por serviços de inteligência para atingir algum objetivo político. A Guerra Fria é repleta de exemplos por conta das disputas ideológicas entre a CIA e a ex-KGB e podem ter certeza de que ocorrem até hoje, com outra roupagem.
Vejam o exemplo da CIA que divulgou um vídeo em russo convidando abertamente nacionais russos descontentes a entrarem em contato direto com a CIA. Isso representou uma ação bastante ousada dos norte-americanos.
Consequentemente, o profissional de Contrainteligência deve procurar entender também como se desenvolve uma operação de “deception” e, não obstante, como que agentes adversos, governamentais ou privados, podem empreender campanhas de desinformação como ferramentas para levar um oponente ou um grupo de pessoas ao engano.
9. A BRAVUS CONSULTORIA, que você lançou em 2020, é mencionada como uma inovação no mercado brasileiro. Como sua empresa aplica os conceitos de Inteligência e Contrainteligência que você detalha no livro?
Tratou-se de uma inovação porque no mercado brasileiro existem muitas empresas que atuam em inteligência e em investigação. Entretanto, até então, meados de 2020, quando fiz uma ampla pesquisa de mercado nas fontes abertas, praticamente não havia nenhuma empresa que se apresentasse como tendo atuação em contrainteligência. A partir de meados de 2022, muitas empresas passaram a citar o termo contrainteligência em seus portifólios de serviços.
Na Bravus Consultoria, a aplicação dos conceitos ocorre principalmente por conta de uma ferramenta de diagnóstico [assessment] que foi desenvolvida e serve para orientar o cliente nos seguintes temas:
» Ativos tangíveis/intangíveis e objetivos estratégicos de negócios;
» Segurança cibernética e tecnologia da informação;
» Segurança patrimonial;
» Segurança da documentação / informação;
» Segurança de pessoal;
» Controle / comunicações; e
» Compliance / LGPD / auditoria / investigação interna.
10. Para aqueles que estão iniciando suas carreiras em Inteligência ou Contrainteligência, qual seria o conselho mais importante que você daria com base em sua vasta experiência e no conteúdo de seu livro?
Eu agradeço a oportunidade dessa pergunta tão instigante.
O conselho mais importante é: haja com caráter, retidão, moralidade e ética. Não se deixe ser levado para o lado errado.
Tenha em mente a necessidade de agir com tato ao tratar dos assuntos sensíveis que são inevitáveis na atividade. Estude bastante, não pare nunca. Por fim:
“Confeccionar, elaborar, dar vida a um Documento de Inteligência é uma “arte”!
Requer cuidados, atenção e disposição para discorrer no papel ideias, raciocínios e pensamentos sobre algo que desejamos ser a verdade dos fatos.
Um Analista, quando fala, procura fazê-lo sem “achismo”.
Um “bom” Analista escreve melhor do que fala.
Um “excelente” Analista, antes de escrever, ouve e lê muito.” (pág. 63).
Muito obrigado