Entrevista: Marcelle Azeredo, escritora

1. Seu romance tem o mar como pano de fundo, que é símbolo de encontro, despedida e continuidade. Como você enxerga essa presença do mar na história de Carminha?

O Mar aparece com M maiúsculo todas as vezes.Ele é o grande protagonista da história. Acredito que ele  entrelaça a vida de todos os personagens, abraçando a verdade de cada um e revelando a coragem e o mistério que cada um carrega.A história de Carminha é cheia de imprevisibilidades e surpresas, como o mar.Em todos os personagem mora um mar.

2. Como foi o processo de criação de Carminha? Ela foi inspirada em alguém que você conhece ou em alguma figura da sua memória?

A Carminha foi um pedaço da história de uma amiga,a Marilene,que  nasceu no mar, perdeu parte da família em uma pesca e  migrou do Maranhão para o sudeste, porém a narrativa foi tomando outros rumos. Muitas outras histórias se cruzaram. Eu vivia um momento pessoal difícil, uma internação longa de minha mãe. Eu não falo de minha mãe no livro, não é minha história, mas ao mesmo tempo, tem muitos sentimentos vividos por mim. Eu costumo falar que o Morrer de sede tem um narrativa cheia de simbolismos e imagens, um livro que tem muitos não ditos. O texto foi escrito a mão em cinco meses e boa parte nas madrugadas quando acompanhava minha mãe no hospital.

3. A frase “uma ode às escolhas que marcam a existência humana” resume muito do que vemos em Carminha e nos personagens que a cercam. Como você buscou entrelaçar essas metáforas com o cotidiano e a realidade de cada personagem?

As metáforas usadas no texto, expressam sentimentos intensos e profundos.É como se as palavras pudessem ser escritas por dentro. Quis trazer uma história que é um grande quase. Não tem um fim óbvio. É uma insinuação e o leitor em vários momentos pode ser um cúmplice, parando nas fotos de Tetê Gasparian que integram a narrativa e que convidam a criar uma interpretação  própria  e singular da história.

4. Que autores ou livros influenciaram o desenvolvimento de “O Morrer de Sede em Pleno Mar”?

Clarice Lispector é sempre uma inspiração. Aline Bei e João Carrascoza são influências marcantes.A prosa poética exige mergulhos literais no mar, na natureza e nas outras artes. A música e a culinária estão muito presentes nos meus escritos. As fotos de Cananéia por Tetê Gasparian, impulsionam bastante a ambientação do livro.

5. Você ministra oficinas de escrita criativa e facilita um clube de escrita. Como essas experiências impactam sua própria produção literária?

As minhas oficinas e o clube de escrita me ajudam muito na minha produção textual. Para o Morrer de sede, usei textos já escritos que foram adaptados para a narrativa. Tenho um acervo de textos guardados, uma espécie de cofre e vou utilizando em meus trabalhos quando se encaixam. Desta forma, estou com um livro de poemas pronto para apresentar para uma chamada de originais.

6. Você é uma escritora que planeja a trama com antecedência, ou prefere deixar que as histórias se desenvolvam organicamente? Como foi especificamente para esse livro?

Planejo com antecedência, mas já aconteceu de mudar um projeto iniciado totalmente, pois não encontrei o narrador que queria, achei os personagens caricatos, enfim…
Pausei. Recomecei do zero e agora estou neste projeto. Devagar o texto vem acontecendo.

Com o Morrer de sede eu também contei com uma mentoria, pois foi meu primeiro romance. Foi crucial para o projeto sair em pouco tempo, encurtando etapas e de forma profissional. Senti segurança, afinal de contas o livro é um produto e tem que estar bem apresentado ao mercado editorial tão concorrido.

7. Como surgiu a ideia de criar o podcast? Quais são os maiores desafios e alegrias de apresentar e divulgar o trabalho de novas escritoras?

O podcast Escritoras mundialmente desconhecidas é um projeto com mais 3 escritoras: Eliz Brito, Georgia Annes e Tati Vidal. Nos juntamos, pois compartilhamos das mesmas dores. Queremos divulgar as escritoras independentes para que sejam lidas em vida, esse é o grande desafio. O nosso objetivo é contar histórias, fazer provocações e trazer informações sobre o universo literário. Para mim, pessoalmente tem sido um resgate à uma antiga paixão, o rádio. Sou jornalista e no meu início de carreira fui radialista, em uma rádio só de locutoras mulheres, a Fluminense FM, a Maldita.

8. Como tem sido a resposta do público a “O Morrer de Sede em Pleno Mar”? Alguma reação ou feedback te surpreendeu particularmente?

O Morrer de sede só me traz alegrias e a certeza que estou no caminho certo. Muitos depoimentos emocionantes e encorajantes. Participei de um clube de leitura(@ portodaleitura), lives, uma roda de conversa na Fli Araxá, vários lançamentos no Rio, São Paulo, Paraty  e Belo Horizonte. Uma leitora me tocou bastante, dizendo que deseja tatuar uma frase do meu livro: sem sonho a vida é miséria.

9. Quais conselhos você daria para quem está começando na escrita e deseja publicar seu primeiro livro?

Não tenha medo de críticas. Procure ajuda. Existem profissionais para apoiar e encurtar caminhos e evitar erros, frequente eventos literários, faça conexão com quem escreve, troque ideias, faça cursos, participe de lançamentos de livros , oficinas, clubes de escrita e leitura. O principal é se divertir, fazer com prazer.
Para quem escreve, ler é fundamental, então, não leia com moderação, devore livros.

10. Você já está trabalhando em novos projetos literários? Existe algum gênero ou tema específico que gostaria de explorar em um próximo livro?

Estou escrevendo um novo romance. É  a história de uma mulher que tem seu filho sequestrado na infância e nunca mais soube do paradeiro do menino, Uma narrativa que explora a dor e a angústia de uma mãe, que nunca velou o corpo do filho e imagina como seria a vida dele em todas as fases da vida. Como ela convive com essa ausência e a falta de respostas sobre o desaparecimento do filho.