Entrevista: Növa, banda piauense de indie rock
1. Vocês poderiam compartilhar a história de como a banda Növa foi formada e como chegaram à formação atual?
Fernando – Começou como um projeto, em 2004. Não tínhamos bem a intenção de tocar ao vivo, lançar coisas, ter fotos de divulgação. Vínhamos de outras bandas e sentíamos a necessidade de resgatar um certo “descompromisso” com o trabalho autoral. Acontece que gravamos uma demo de ensaio, e acabamos pegando gosto pelo repertório. De lá pra cá tivemos várias mudanças de formação, restando eu, que nunca saí, e o Rubens, que saiu uma época e depois voltou e está aí até hoje.
Rubens – E em 2018 convocamos a Raylanne, que topou de cara e nos ajudou a formatar o som do “HIGH”.
2. Qual foi a inspiração por trás do nome do novo álbum, “HIGH”?
Rubens – Bem, todo o processo de produção dele foi envolto no durante ou pós pandemia, e também já vínhamos antes lidando com questões políticas e sociais bem complexas, além de termos nossos monstros interiores ali sempre à espreita, de forma latente. E passar por todas essas questões foi bem complicado. Então daí veio a ideia de que estando “alto”, as coisas poderiam ser mais facilmente enfrentadas. Então o disco é meio que uma fuga, com os pés no chão e encarando de frente nossos medos.
3. Como foi o processo criativo e de gravação deste álbum durante a pandemia?
Fernando – Usando muita “baixa tecnologia”, que hoje está aí bastante democratizada, por assim dizer. Mais ou menos metade das músicas tínhamos já desde um pouco antes da pandemia. Como não tínhamos como ensaiar e fazer show, fomos fazendo trabalho de formiguinha, sem pressa.
Rubens – Gravamos a maior parte em casa mesmo. Mas as guitarras precisamos gravar algumas em um estúdio, porque eram muito barulhentas, e iríamos incomodar demais os vizinhos. Fomos terminando de ajeitar as músicas mais novas de forma bem artesanal, ajeitávamos uma coisa e aí compartilhávamos para saber se tava ok etc. Esse processo todo foi de janeiro/2021 a dezembro/2023. Aí entre janeiro e março de 2024 foi hora de dar uma forma a tudo que tínhamos gravado.
4. Quais são as principais influências musicais que moldaram o som de “HIGH”?
Fernando – Tem coisas escancaradamente shoegaze no “High”, mas consigo escutar coisas bem anos 90 nacionais também. Um Stooges, talvez, perdido em alguma linha de baixo.
Rubens – A gente escuta de tudo, então sempre pode ter influências das mais variadas. No entanto existe um consenso: deixar tudo bem barulhento.
5. Como vocês descreveriam a evolução do som da banda ao longo desses 20 anos?
Fernando – Éramos mais garageiros, ficamos mais melódicos, mas a microfonia continua lá.
6. Poderiam falar um pouco mais sobre o significado das letras das músicas em “HIGH”?
Rubens – A maioria das letras do “HIGH” foram elaboradas antes mesmo da pandemia, e abordando temas como depressão e resiliência em “No Stop”, solidão em “Abstinence” e a coragem de enfrentar o desconhecido em “Dracula’s Song”. Em “Marks”, uma das mais recentes, falamos de não deixar as nossas dores sucumbirem, aprender com tudo que passamos. Geralmente elas tratam disso. A mais diferente é “Dying” que fala de como estamos matando o planeta.
7. Como a pandemia influenciou o conteúdo lírico e a produção do álbum?
Fernando – Pra mim, particularmente, foi feito numa época onde passei um caso de saúde na família, fora pandemia. A feitura desse disco é meio que uma bruma na minha mente.
Rubens – Eu tive um diagnóstico de depressão no meio de todo esse processo. E o disco serviu como parte desse tratamento. Ajudou bastante a enfrentarmos tudo isso e acabou sendo um reflexo desse período.
8. Qual faixa do álbum “HIGH” vocês consideram mais especial e por quê?
Fernando – Gosto de “Abstinence” e “Marks”, me lembra composições mais antigas. “Dracula’s Song” acho divertida, lembra “China Girl” (Iggy Pop/David Bowie).
Raylanne – Eu gosto muito de tocar “Dracula’s Song” e “We Are Not”. Mas é a primeira vez que tenho composições minhas em um disco do Növa, por isso “Acabados” é a faixa mais especial pra mim, é uma composição antiga e uma das minhas prediletas.
Rubens – Gosto muito de “Abstinence” com aquelas guitarras no final, e uma bateria nervosa. Foi uma música que saiu de uma vez, o riff, letra, tudo. Parecia já existir e só queria uma chance de se externar.
9. O que os fãs podem esperar de diferente neste novo trabalho em comparação aos lançamentos anteriores?
Raylanne – Eu diria que mais distorções e guitarras mais trabalhadas, com mais camadas sonoras.
Rubens – Sem dúvida nosso trabalho mais barulhento e melhor produzido. Fizemos com calma e tivemos muito tempo para experimentar, testar, regravar, repensar ideias etc, coisas que nem toda banda independente tem oportunidade de fazer quando grava um material.
10. Quais são os planos da banda para o futuro próximo após o lançamento deste álbum?
Fernando – Queria poder retomar os shows de antes da pandemia, estávamos com um certo capricho nas produções, rolava umas projeções ao vivo. Muitos lugares fecharam, projetos encerraram, ainda está tudo meio turvo…
Raylanne – Tocar as músicas ao vivo, divulgar o disco. Acho que isso é um desejo comum.
11. Como vocês veem a trajetória da Növa desde o início até agora?
Fernando – No início eu pensava “pô, vou começar tudo de novo?!” Mas fomos fazendo as coisas de uma maneira descontraída, fomos deixando as coisas virem, acontecerem, se somarem. Até aqui tá excelente!
12. Quais foram os momentos mais marcantes da carreira da banda até hoje?
Fernando – Participar do “Rock Cordel”, projeto do BNB, fizemos em Teresina e depois em Fortaleza. Produção, estrutura e logística impecáveis. Certamente um momento que carrego com carinho.
Raylanne – Pra mim foi o show que fizemos no palácio da música: foi lindo.
Rubens – O lançamento do “HIGH”.
13. O que motiva vocês a continuar criando música e se apresentando após 20 anos de carreira?
Fernando – Total falta de juízo.
Rubens – É simples: só a vida não basta!
14. Se vocês pudessem ser qualquer super-herói, quem seriam e por quê?
Fernando – Qualquer um, menos Superman e Capitão América. Não mudam o status quo de nada e só defendem o patrão. Batman talvez, pela atmosfera “noir”, mas Bruce Wayne é um milionário, o único superpoder dele inclusive é esse…
Raylanne – Não gosto muito de super-herói, mas acho que eu escolheria algum mutante com habilidades mentais.
Rubens – A Jean Grey.
15. Qual é a comida preferida de cada membro da banda?
Fernando – Carne moída (pode ser soja) com maxixe e quiabo.
Raylanne – Cuscuz.
Rubens – Sopa.
16. Se vocês pudessem colaborar com qualquer artista, vivo ou morto, quem escolheriam?
Fernando – Miles Davis. Também poderia ser Jackson Pollock respingando tinta numa tela estendida no chão enquanto tocamos. Um rolê com Salvador Dalí seria legal também.
Raylanne – Céu, Anna Calvi, St. Vincent, Jim Jarmush, Elza Soares. Há tantos…
Rubens – Raymond Pettibon, Andy Warhol, Lee Ranaldo, Kim Gordon, Peter Buck e mais um monte de gente.
17. Vocês acreditam que a música indie rock ainda tem o mesmo impacto no cenário musical atual como tinha há 20 anos?
Fernando – Nacionalmente, não. Lá fora, uns 30% menos. Esses “indies” de 2000 pra cá são 99% enlatados. Salvo-conduto pras Savages e pro IDLES, a última banda que importa ao vivo.
18. Como a banda lida com críticas e opiniões negativas sobre a sua música?
Fernando – Desde que não descambe pro lado pessoal, cada um assume a sua. A partir do momento que você pôs a cara fora da janela, crítica e opinião fazem parte.
Raylanne – Não sendo pessoal, acho que a gente tenta refletir sobre, de forma positiva.
19. Vocês já enfrentaram algum conflito interno significativo que ameaçou a continuidade da banda?
Fernando – Tivemos a saída de um outro guitarrista em 2016, o João. Ele contribuía de forma bem significativa nas composições. Com a saída dele, e com a decisão de seguir em frente, foi preciso suar a camisa pra dar conta.