Entrevista: Grupo Casuarina
- O álbum Retrato celebra os 23 anos do Casuarina. Como você enxerga a evolução do grupo desde sua formação até este novo trabalho?
(Rafael Freire) Acredito que a melhor forma de enxergar a evolução de um artista seja através da sua discografia. Olhando por esse aspecto o Casuarina já lançou disco de regravações pouco conhecidas (Casuarina), discos com músicas autorais (Certidão e 7), disco de músicas inéditas (+100) discos ao vivo (Roda de Samba do Casuarina e Convidados e 10 Anos de Lapa), discos de homenagens (No Passo de Caymmi e O Samba Está na Moda), após nosso último lançamento que foi a homenagem ao grande Rolando Boldrin (O Samba Está na Moda) sentimos a necessidade de mergulhar novamente no baú de sambas antigos e pouco explorados, mas extremamente marcantes para cada um de nós.
- Retrato é um projeto que faz uma viagem ao início da carreira do grupo. Como foi o processo de escolha das músicas e a seleção de pérolas pouco exploradas?
(Rafael Freire) Verdade, esse processo de buscar os sambas que para nós são marcantes e ao mesmo tempo pouco explorados foi um processo bem parecido com a composição do repertório do Casuarina, nosso primeiro disco. O processo de escolha das canções seguiu o mesmo critério que sempre adotamos, cada um faz uma lista de músicas e vamos trocando e argumentando sobre qual deve ser gravada e qual não deve. É um processo bem democrático e para a escolha desse repertório algumas músicas já eram consenso.
- O álbum conta com a participação de grandes nomes como Zeca Pagodinho, Péricles e Marina Iris. Como essas colaborações surgiram e o que elas agregaram ao conceito do disco?
(Rafael Freire) O Casuarina sempre teve a sorte de ter grande pessoas ao nosso lado ou nos acompanhando e com esse projeto não foi diferente. A escolha dos convidados partiu primeiramente do lugar de extrema admiração de nós três por esses artistas e definir a faixa para cada um foi um processo bem tranquilo.
Zeca Pagodinho gravou um samba de dois de seus grandes amigos Luiz Grande e Romildo e foi lindo demais ver a emoção do Zeca Pagodinho em voltar a cantar o repertório desses dois grandes amigos.
O Péricles é um cantor que tem um dos timbres de voz mais bonitos do Brasil. Coração Feliz foi a escolha certa para ele resolveu com a elegância de sempre.
A Marina é uma grande amiga e grande artista. O fato de a Marina ser uma ativa defensora de direitos fundamentais fez com que escolhêssemos a faixa Cataclisma para ela cantar, talvez a faixa com maior crítica social do álbum.
- Gabriel, você mencionou que a música Cataclisma teve um impacto imediato sobre você, tanto pela letra quanto pela melodia. O que foi mais desafiador ao trazer essa canção para o álbum?
(Gabriel Azevedo) Cataclisma foi um samba que descobri numa pesquisa na internet e me causou muito impacto pela letra forte e atual, pela melodia e principalmente pela figura forte de Catoni, compositor da canção e um grande sambista da baixada Fluminense. Como a nossa foi a primeira gravação de estúdio da música, fica uma responsabilidade grande dar voz a um grito de liberdade e de revolta tão grande que a canção traz. O arranjo teve que acompanhar essa tensão que a música provoca e a participação da Marina íris também ajudou pra criar o clima perfeito.
- A faixa Coração Feliz é um clássico de Beth Carvalho, e Péricles imprime sua marca na música. Como foi a experiência de trabalhar com ele nesta releitura?
(Gabriel Azevedo) Pericles é um dos maiores cantores românticos do Brasil hoje e a escolha dele para ser o convidado pra cantar esse samba de amor no disco, foi algo natural. Ele é um artista fantástico, generoso, extremamente profissional e chegou com muita vontade de cantar esse samba que ele mesmo confessou apreciar desde a sua juventude. O resultado não poderia ser melhor e a faixa ficou com uma beleza única.
6. Amarguras, de Zeca Pagodinho e Cláudio Camunguelo, e Cem Anos de Liberdade trazem mensagens fortes e atemporais. Qual é a importância de incluir essas músicas no contexto atual da carreira do Casuarina?
(Gabriel Azevedo) Sempre tivemos posicionamento definido em relação a questões importantes. Nosso repertório sempre passou por canções com esse contexto e não poderia ser diferente no RETRATO. Principalmente Cem anos de liberdade, pode ser ouvida como um ato de revolta contra o racismo que desde sempre rsrs presente no nossa sociedade. E o samba é um ato de resistência, tem a ver com a diáspora africana e com o pós abolicionismo e fazer samba hoje em dia, viver de samba, passa na nossa opinião em compreender isso e usar o samba como instrumento de denúncia e de mudanças necessárias. Acho que fizemos nossa parte nesse processo de maneira muito respeitosa tanto quanto urgente.
7. A escolha de Retrato cantado de um amor foi uma sugestão de João Fernando, que acredita que ela ficaria perfeita na voz de Gabriel. Como foi a interpretação dessa canção no estúdio?
(João Fernando) Procurei escrever um arranjo que valorizasse a melodia da canção que é muito bonita. É uma canção que exige muito do vocalista, pois a melodia tem uma grande extensão tanto para o grave quanto para o agudo. No estúdio, Gabriel chegou muito bem preparado, com letra e melodia bem estudadas e ensaiadas. Assim, o foco ficou na interpretação, que é muito importante para que a gravação funcione bem. O resultado ficou excelente, como voces podem conferir na gravação.
8. Vocês têm se destacado por resgatar canções esquecidas e reviver grandes sucessos do samba. O que motiva essa pesquisa e essa curadoria de repertório dentro do Casuarina?
(João Fernando) Costumamos dizer que essa pesquisa de repertório está no DNA do Casuarina. Desde o início de nossa carreira, fazemos esse trabalho de resgate e curadoria. É importante trazer à tona as músicas que foram ficando esquecidas ao longo do tempo. Dessa forma, valorizamos também os compositores e artistas, contribuindo para que sejam apreciados e exltados pelas novas gerações.
9. Como a formação atual de trio influenciou a sonoridade do álbum Retrato? Houve alguma mudança no processo de criação e arranjo das músicas?
(João Fernando) Desde o início eu dividia os arranjos com o nosso ex-violonista Daniel Montes. A cada novo projeto cada um era responsável por metade das músicas. Após a saída do Daniel, naturalmente fiquei sendo o único responsável por esse trabalho. No álbum Retrato, procurei escrever arranjos que expressassem a essência de cada samba. Valorizando os refrões, e explorando os instrumentos clássicos do gênero. Assim conseguimos realizar um álbum bem direto, samba na veia e com a cara do Casuarina
10. O Casuarina completou 23 anos em 2024, e o álbum Retrato celebra essa trajetória. Quais momentos dessa jornada foram mais marcantes para vocês e por que?
(João Fernando) Em 23 anos temos muita história para contar. Dificil eleger um ou outro momento, mas acho que posso citar os dois Prêmios da Música Brasileira que ganhamos (2009 e 2017), as turnês internacionais que sempre foram muito proveitosas pra gente. O nosso álbum com o Rolando Boldrin também foi memorável. Além disso, as participações do Zeca Pagodinho e do Péricles nesse último trabalho, também tiveram um sabor especial
11. O álbum tem um arranjo delicado em Cem Anos de Liberdade. O que levou o grupo a experimentar e fugir da estética usual do samba para essa faixa?
(João Fernando) Gabriel veio com o conceito de gravarmos esse samba mas fugindo de sua versão clássica de samba enredo. Ao escrever o arranjo busquei uma sonoridade menos preenchida, com percussão mais leve e com o bandolim fazendo base, contrastando com o cavaquinho. Mas o arranjo vai se desenvolvendo até o final da canção, em que a instrumentação vai aumentando e com a entrada do coro cantando o refrão. Modéstia à parte ficou muito bonito e emocionante.
12. Como vocês se sentem ao ver a resposta do público e da crítica ao longo desses anos, principalmente com o lançamento de projetos como O samba está na moda e agora Retrato?
(Gabriel Azevedo) Temos muito orgulho do trabalho que fazemos nos palcos desde 2001 e em estúdio desde 2005. Nossos álbuns e projetos são nossa verdade e quando se trabalha com verdade, com o que está preso na gente e necessitamos colocar pra fora, quando se trabalha com o devido respeito que o samba merece, as coisas fluem de uma maneira natural e as opiniões positivas de crítica e público aparecem como consequência.
13. A capa do álbum, assinada por Leliene Rosa, reflete a proposta do disco de forma visual. Como foi o processo de criação do design e a escolha do figurino de Joanna Ribas?
(Rafael Freire) Decidimos dar uma roupagem diferente para esse álbum. Achamos importante marcar a imagem da formação de trio e decidimos fazer isso da forma mais elegante possível, então todo o processo começou quando escolhemos o fotógrafo Jorge Bispo para fazer as fotos, mas ter um baita fotógrafo sem um bom figurino não fazia sentido, então pedimos ajuda a Joanna Ribas, uma amiga de longa data e que sabe tudo de figurino. Fizemos as provas e no dia das fotos estava tudo lindo pra gente vestir. A Leliene Rosa é uma designer jovem e supercompetente do time de profissionais da nossa gravadora Biscoito Fino, ela entendeu perfeitamente o conceito que queríamos dar para a capa do álbum e acertou em cheio na arte final.
14. O Casuarina nasceu no Rio de Janeiro, durante um período de revitalização da Lapa. Como esse contexto e o bairro influenciaram as primeiras composições e a identidade sonora do grupo?
(Rafael Freire) O bairro da Lapa foi aonde a identidade do Casuarina foi formada, onde aprendemos muito do repertório e da bagagem musical que temos. Tivemos a sorte de participar desse processo de revitalização o que nos permitiu ter acesso, primeiramente, aos pequenos palcos onde podemos adquirir essa quilometragem e intimidade musical que temos. Conforme nosso trabalho foi progredindo tivemos acesso aos grandes palcos o que ajudou bastante em termos de projeção. Adoramos levar essa bandeira da Lapa por todo o Brasil e muitas vezes pelo mundo.
15. Após lançar Retrato, quais são os próximos passos para o Casuarina? O que podemos esperar de novas produções ou turnês?
(Gabriel Azevedo) Agora nosso foco será a turnê do RETRATO. Queremos levar esse show pro Brasil e pro mundo, essa sem dúvida é a nossa prioridade agora. O primeiro show de lançamento será em Belo Horizonte no dia 21 de dezembro e depois começamos a rodar as capitais do Brasil. Queremos que todos que amam samba como nós escutem esse trabalho feito com muito amor, carinho e respeito pelo nosso samba.