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Entrevista: Grupo Perímetro Urbano

1. O álbum Perdi a Pressa parece ser uma reflexão sobre o cotidiano e a vida na cidade de São Paulo. Como o nome do disco reflete a visão atual de vocês sobre a cidade e o próprio grupo?

Perdi a Pressa é o nome de uma das canções do disco. Achamos adequada pra dar título ao trabalho, em função da fase da vida em que nós estamos, sessentões, rsrs. Também pelo tempo que levamos entre o começo e o final das gravações, dois anos e meio no total.

2. O grupo Perímetro Urbano tem uma trajetória que começou no final dos anos 70. Como vocês mantêm a união e a energia criativa após tantos anos de amizade e colaboração?

Somos amigos de infância e adolescência, nunca deixamos de nos ver, mesmo quando alguns mudaram de bairro. Houve períodos, até grandes, em que não compusemos, ou nos apresentamos, mas a chama sempre se manteve acesa, com maior ou menor intensidade. Esse terceiro disco é prova disso.

3. Vocês mencionam influências de grandes compositores como Cartola, Adoniran Barbosa, e João Bosco. Como essas influências se manifestam em Perdi a Pressa?

Somos filhos do vinil, comprávamos todos os discos desses artistas citados na pergunta e de muitos outros também. E isso, claro que fica inconscientemente memória e se manifesta na hora de compor, escolher um tema. Mas sempre sendo fiel aos personagens dos locais e bairros que frequentamos. Não podemos, por exemplo, falar de Vila Isabel, se moramos no Ipiranga e na Mooca, rsrs.

4. Como o ambiente do bar “Subterfúgio” no Cambuci influenciou a identidade musical de vocês no início e de que forma ainda está presente nas composições atuais?

Das 15 canções do disco, algumas são daquele período, um tempo de muita intensidade. Fizemos uma avaliação rigorosa e gravamos as que se mantiveram atuais. Pendurado no Cano, por exemplo. Tem algumas de dez anos atrás por aí, e outras bem contemporâneas, um dois anos.

5. As faixas do álbum, como “CDHU” e “Centro Velho”, apresentam temas cotidianos da metrópole. Quais são as histórias por trás dessas canções?

A canção CDHU foi inspirada na história da comunidade Zaki Narchi, formada ao lado do córrego Carandiru a partir da  década de 1970, história marcada por inúmeras inundações e incêndios e que em  2005 acabou sendo removida dando origem à 350 unidades habitacionais do CDHU. Além de retratar o drama  de pessoas que vivem em condições subumanas na cidade de São Paulo, a canção também retrata a felicidade de um morador da comunidade, que depois de tudo que passou, comtempla a cidade da janela de seu CDHU sem varanda gourmet, como se estivesse dizendo para as pessoas que é possível ser feliz apenas com o necessário. A canção Centro Velho nasce das andanças do autor pelas ruas do centro da cidade de São Paulo nos tempos em que era office boy. Ela expressa sentimentos contraditórios: o encantamento que vai sentindo ao se deparar com sua imensidão, sua arquitetura, sua dinâmica frenética e o sentimento de medo quando se depara com as adversidades que a cidade impõe. A caminhada é a esmo, sem destino, como quem caminha sem saber explicar o que sente.   

6. Vocês tiveram colaborações importantes com músicos como Nailor Proveta e Fabio Torres, além de Edmilson Capelupi na direção musical. Como essas colaborações enriqueceram o projeto?

Li uma entrevista do Paulinho da Viola a respeito do Copinha, grande músico que sempre participava dos discos dele. Ele diz que se você tem um músico e ser humano dessa qualidade não dá pra procurar outros. É o que nós pensamos. Edmilson Capelupi, Proveta, Fábio Torres, Daniel Alain, Silvinho Mazzucca, Celso de Almeida, Maik Oliveira, Paulo Malheiros, Pedro Pita… Não dá pra abrir mão desses músicos e dessa amizade.

7. O álbum mistura humor, crítica social e até política. Como vocês equilibram esses temas com o romantismo e a leveza do samba?

Bem naturalmente. Somos cinco, e cada um tem uma visão de mundo que às vezes se combinam, outras não. Não é difícil a gente se conhece bem há décadas.

8. Após o lançamento de Na Capital do Pecado e Subterfúgio, quais foram os desafios e as inovações que enfrentaram ao produzir Perdi a Pressa?

No primeiro : Na Capital do Pecado, tivemos ajuda da CPC/UMES na produção. Os outros dois foram às nossas custas futebol clube. Se de um lado é uma luta pra conseguir a grana pra produzir com capricho e qualidade, por outro, a satisfação de ter feito da forma que quisemos foi enorme.

9. A faixa “Perdi a Pressa” é homônima ao álbum. O que essa canção simboliza dentro do contexto do disco e o que ela representa para vocês?

É uma canção que diz muito a respeito do trabalho. Feita a três mãos, letra do Alberto Gaspar e melodia do Ailton Amalfi e Vital Mancini. O perdi a pressa no caso, é uma contemplação de como devemos aproveitar os bons momen…

10. Vocês trazem referências a lugares específicos de São Paulo. Como o relacionamento de vocês com a cidade inspira a criação de novas músicas?

As canções do álbum Perdi a Pressa, como as dos discos anteriores: Capital do Pecado e Subterfúgio, são perpassadas o tempo todo pela memória afetiva dos lugares onde vivemos por muito tempo, nas imediações dos bairros do Ipiranga e da Mooca, portanto, relatam nossas vivências ao longo do tempo nestes dois bairros da cidade de São Paulo, assim,  “Pendurado no Cano”, trabalhadores dentro de um ônibus lotado indo para o trabalho, remete aos tempos em que o Ipiranga era um lugar remoto da cidade e o transporte para o centro era mais precário e demorado do que hoje. Em “Fui a São Bernardo e Lembrei-me de Ti”, o eu lírico é um jovem apaixonado lembrando da amada dentro de um ônibus voltando de São Bernardo, cidade limítrofe de São Paulo onde costumávamos ir sempre. As crônicas: “Long Beach”quedescreve as excursões que saiam do início da Via Anchieta, no bairro do Ipiranga, com  destino a Santos e “Bola Murcha”, canção carregada de cenas que assistíamos nos extintos campos de várzea, onde hoje está a comunidade de Heliópolis, são dois exemplos de como as canções de nosso novo trabalho tem a cidade como grande fonte de inspiração. Em outras três canções, nossa relação com a cidade se desloca do bairro para outros lugares, sendo em “Centro Velho” onde ela se torna mais explicita, pois, estes lugares têm CEP. Já em “CDHU”, “Cenas de Um Fato Banal” e “Bloco dos Desvalidos” nossa relação com a cidade é de denúncia, nelas, o problema da falta de moradias dignas, a violência contra a mulher e a exclusão das pessoas em situação de rua são retratadas como forma de protesto. Enfim, em Perdi a Pressa, São Paulo é o território onde: letras, melodias e canções desfilam por suas ruas.    

11. O álbum apresenta uma vasta instrumentação e uma equipe grande de músicos e cantores. Como foi o processo de gravação e escolha dos arranjos?

Em todas as faixas a gente propunha ao Edmilson uma ideia de sonoridade. Era um processo democrático. Aí ele tinha toda a liberdade, com a sabedoria e talento que tem, pra aceitar ou propor novas ideias. Os convidados da mesma forma.Os músicos não poderiam ser outros, como já respondi anteriormente.

12.  Vocês dizem que Perdi a Pressa retrata cenas da cidade desde o “Centrão” até as pontas mais distantes. Como vocês traduziram essas paisagens urbanas para o samba?    

A tradução por meio de canções, em sua maioria sambas, dos lugares, paisagens urbanas  e vivências se deu de uma forma espontânea, não havia uma intencionalidade, foi a flor da pele, não pela razão. Éramos cinco jovens “de bairro”: quatro do Ipiranga, não do Ipiranga dos imponentes casarões e da classe média, mas sim de lugares mais distantes, no tempo em que estes lugares eram a periferia da cidade e um da Mooca, mas não era a Mooca de hoje, era uma Mooca provinciana. Quando pegávamos o ônibus para o centro de São Paulo dizíamos que “íamos para a cidade”, ou seja, éramos de outro lugar. Essa vivência periférica, suburbana misturou-se ao universo urbano do samba paulista e carioca, que passamos a conhecer pelo rádio e principalmente por meio dos discos de vinil, assim, em um bar nas imediações do Cambuci, começamos a tocar e cantar as canções destes sambistas e a compor nossos primeiros sambas, aí nunca mais paramos.   Perdi a Pressa representa uma síntese de nossa caminhada ao longo dos anos, os lugares remotos do Ipiranga, a Mooca provinciana não existem mais, muito menos aqueles cinco “jovens de bairro”, deram lugar a novos personagens, vivências e paisagens urbanas, porém, ainda continuamos a ser tocados pelos lugares em que vivemos e novas canções vão surgindo como algo inevitável, que não temos como evitar.          

13. O grupo Perímetro Urbano também passou sete anos se apresentando com Germano Mathias. Que aprendizados dessa experiência vocês ainda carregam e aplicam na música atual?

Nossa, o Germano foi um gênio. Não deixou herdeiro. Foi uma experiência maravilhosa. Fizemos todos os tipos de show, em restaurantes, bares, teatros, praças. No aquecimento antes de cada apresentação ele cantava músicas lado B de craques como Nelson Cavaquinho, Padeirinho, Jorge Costa, e dele, que era ótimo  compositor. Essas canções estão sempre presentes nos encontros e saraus que participamos.

14. Quais são os próximos passos do Perímetro Urbano? Planejam apresentações ao vivo ou novos projetos para expandir a experiência do álbum?

O disco saiu há pouco menos de um mês, e estamos na batalha pra conseguir lugares pra divulgar o trabalho. Coisas boas virão.

15. Como vocês esperam que o público se conecte com Perdi a Pressa? Há alguma mensagem particular que gostariam de transmitir com este álbum?

É um trabalho honesto e ali somos nós, não tem nenhuma forçada de barra pra fazer sucesso, que não seja pela identidade, e lealdade com nós mesmos, quanto a nossa forma de fazer música