Entrevista: Armando Bordallo, consultor e escritor

Entrevista: Armando Bordallo, consultor e escritor
  1. O seu livro, “Eu odeio funcionário”, possui um título bastante provocador. Pode nos contar qual foi a inspiração por trás desse título aparentemente polêmico?

O objetivo do livro  veio da necessidade de revelar um pouco do que está escondido no que se refere a gestão de pessoas, a hipocrisia reinante, a falta de respeito verdadeiro nas relações de trabalho, bem como alertar os mais jovens a não possuírem ilusões nesta relação. A inspiração veio da minha vida como executivo de negócios e RH, dos conflitos que tive que enfrentar tendo em vista esta realidade, no meu ponto de vista.

  1. Você mencionou que o livro aborda a despersonalização dos funcionários nas empresas. Como você enxerga esse problema se manifestando no ambiente corporativo atual?

Ao mesmo tempo que houve conquistas relevantes em tempos recentes no que se refere a direitos, diversidade, maior respeito na relação chefe subordinado, é inegável que as empresas se tornaram muito mais afeitas a resultados de curto prazo, pressionadas por diversos fatores, assim as pessoas são tratadas como dispensáveis e substituíveis a qualquer momento. As relações de trabalho também se tornaram de prazo mais curto. Há exceções, mas de uma forma geral é assim que se dá.

  1. Quais são os principais desafios que os líderes empresariais enfrentam ao tentar criar um ambiente de trabalho mais humano e respeitoso, como você propõe em seu livro?

Em minha opinião, deve haver mais coerência entre discurso e prática, isso é o maior sinal de respeito. Entender que há vidas e famílias atrás de um funcionário, isso não pode ser descartado na primeira dificuldade, há que haver maior compromisso, de ambos os “lados”. Dizer sempre a verdade, pode não ser a notícia mais agradável mas é mais respeitoso. Muita comunicação o tempo todo, hoje em dia as coisas mudam muito rápido.

  1. Você destaca a importância da coerência, empatia e participação na gestão de pessoas. Como esses elementos podem ser integrados de forma prática na cultura organizacional?

Parece complicado, mas não tanto. Coerência é fundamental, pense com mais compromisso, suas palavras pesam e suas ações devem seguir o que foi dito. Empatia é mais difícil porque há necessidade quase de uma característica de personalidade, mas a dica é simples, se coloque no lugar do outro, e aqui me refiro a gestor e subordinado.

  1. Diante das transformações significativas nas relações de trabalho pós-pandemia, como você acredita que as políticas de gestão de pessoas devem se adaptar para atender às novas demandas?

Novas demandas já ocorrem há muito tempo e vão se acelerar com o mundo em um movimento constante de mudanças e avanço de tecnologias. As empresas precisam se adaptar a todo momento e isso impacta nas relações de trabalho. O que conversamos até agora é o caminho para a melhor adaptação possível dessas políticas, e sobretudo, da sua prática. Escrever políticas é relativamente fácil,  praticá-las nem tanto.

  1. Há uma crítica comum sobre a falta de alinhamento entre as práticas de RH e a realidade dos funcionários. Como você sugere superar essa lacuna?

Acho que essa resposta está em termos gerais explicada anteriormente.

  1. Você menciona a importância do reconhecimento no ambiente de trabalho. Como os líderes podem criar programas de reconhecimento eficazes que promovam um ambiente mais positivo?

Já existem vários e bons programas de reconhecimento no mercado, o desafio novamente é a sua correta prática. Verdade, coerência, o devido esclarecimento sobre as “regras do jogo” por parte de todos. O que percebo são distorções na prática desses programas.

  1. Muitas empresas enfrentam desafios no processo de recrutamento e seleção. Na sua opinião, quais são as principais falhas nesses processos e como podem ser corrigidas?

Entendo que de um lado, novamente, a falta de respeito e comunicação das empresas. Planejamento adequado no controle de headcount e do turnover também afeta muito a qualidade dos processos de recrutamento. O avanço da tecnologia também traz desafios, de um lado facilita a comunicação e os processos, de outro traz a possível despersonalização nas relações.

  1. Alguns críticos podem interpretar seu livro como uma forma de desencorajar os funcionários. Como você responderia a essas críticas e como deseja que seu livro seja recebido?

A capa já procura demonstrar a relação de poder representados pelo rei e pela rainha, e os funcionários submissos a eles. Assim é a relação. Não adianta glamurizar, no final das contas o que prevalece é isso e as pessoas precisam entender e não ter ilusões a respeito. O que desejo é que haja maior consciência de gestores e funcionários nesta relação e que portanto ela possa melhorar.

  1. Como você vê o futuro da gestão de pessoas e dos processos de RH, considerando as mudanças tecnológicas e sociais em curso?

O mundo muda muito rápido, a IA chegou e ninguém sabe ainda qual será o seu verdadeiro impacto. Vejo muitas oportunidades, mas também muitos desafios, as exigências de características pessoais e profissionais será bastante impactada. Mas os princípios de respeito, coerência e boa comunicação não se alteram nesta relação, pelo contrário, será cada vez mais relevantes. Não adianta muito se apegar a velhas práticas, elas caducarão rapidamente.

  1. Você realmente odeia funcionários ou esse título foi apenas uma estratégia de marketing?

Não acho que ninguém odeie ninguém na relação pessoa, mas acho que empresas e gestores parecem odiar porque suas práticas muitas vezes parecem revelar isso. Esse título antes de revelar uma situação, pretende revelar e fazer com que todos parem um pouco com o faz de conta do dia a dia e reflitam melhor a relação de trabalho e a hipocrisia presentes.

  1. Se você pudesse, dispensaria todos os funcionários e lideraria uma empresa de robôs

Esta pergunta traz em si uma contradição. Mesmo uma empresa de robôs necessita de pessoas, líderes e funcionários. Toda e qualquer empresa é feita de pessoas para pessoas. É muito comum líderes afirmarem “ A minha empresa é uma empresa de pessoas”. Pergunto, qual não é? E o pior muitos saem repetindo essa retumbante obviedade. Mas na primeira dificuldade esse mesmo líder não tem nenhum pudor para demitir, e tem um discurso pronto para se justificar. Cadê a coerência? É isso que pretendo, que todos reflitam sobre o que está sendo dito e repetido.

  1. Qual é o seu método para identificar se alguém é um “bom” funcionário ou não?

Essa pergunta vale um milhão de dólares. Acho que a resposta é relativa, o “bom ou o não bom” depende das circunstâncias. Uma circunstância é absoluta, da pessoa com ela mesma, se está correspondendo ao que se espera dela, se essa pessoa se prepara adequadamente frente aos desafios e mudanças da vida empresarial. A outra circunstância tem a ver com a sua comparação com outras pessoas, o quadro de pessoal é sempre o menor possível e sempre permanecem os melhores, não é suficiente ser bom, você tem que estar entre os melhores. Há também a questão da responsabilidade da empresa. Contratou direito? Integrou adequadamente? Pactuou as metas de forma realista? Como é fácil demitir, não há por vezes muito cuidado na hora de contratar e assim aquela pessoa que você contratou porque foi considerada boa em algum momento deixa de ser. Porque? O que desejo é que se reflita sobre isso.

  1. Algumas pessoas podem interpretar sua abordagem como sendo insensível aos desafios reais enfrentados pelos funcionários. Como você responde a essas acusações?

É exatamente o oposto, se fui insensível foi em relação à empresas e seus líderes, afinal eles também são funcionários. Depois de um certo nível hierárquico todos são líderes e funcionários. O livro provoca, desafia a todos em relação aos seus papéis.

  1. Você acredita que as empresas devem priorizar o lucro acima do bem-estar dos funcionários, como algumas críticas sugerem ao ler seu livro?

Acho que uma coisa não é incompatível com a outra, pode e deve haver equilíbrio. O lucro é o que mantém e sustenta uma empresa e seus funcionários ao longo do tempo. O que devemos estar atentos é à ganância, ao lucro excessivo a qualquer preço com uma visão focada exclusivamente no curto prazo.

  1. Há quem argumente que a gestão de pessoas é uma área complexa e que sua abordagem simplista pode não ser adequada para todas as empresas. Como você rebate essas críticas?

Aceito que a minha abordagem não se adeque a todos, nem tenho essa intenção. Também aceito que haja a discordância, acho isso positivo. O livro é baseado na minha experiência de vida, portanto outras experiências podem demonstrar outras visões. Isto poderia somar ao objetivo de refletir sobre o que existe. Mas a abordagem está longe de ser simplista, mas o tema realmente é complexo e sujeito a diversas abordagens.

  1. Como sua experiência profissional influenciou a escrita deste livro? Houve algum momento específico em sua carreira que o inspirou a abordar esse tema?

O livro é baseado exclusivamente na minha experiência. Houve vários momentos que inspiraram a abordar esse tema. Sobretudo a minha inadaptação ao status quo dos processos de gestão das empresa onde atuei. Minha atuação sempre foi muito crítica a esses e portanto, sofri as consequências dessa atitude.

  1. Quais são os principais aprendizados que você espera que os leitores tirem deste livro em relação à gestão de pessoas e aos processos de RH?

Primeiro parem um pouco, reflitam e tirem suas conclusões, o que acharem válido para suas vidas. Saiam do lugar comum, do besteirol reinante e não tenham ilusões a respeito das relações de trabalho.

  1. Você planeja escrever mais livros sobre gestão empresarial no futuro? Se sim, pode nos dar uma prévia do que podemos esperar?

Sim. Tenho um projeto que ainda não está totalmente estruturado. Esse projeto também tem a intenção de explorar esse mesmo universo nos processos de gestão.

marramaqueadmin

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