- O livro é inspirado na jornada real do seu filho, Theo. De que maneira a escrita se tornou um refúgio e, mais tarde, um propósito de vida e uma forma de ressignificar a dor para você?
Eu acho que tudo começou no dia da passagem do Theo. Nós ficamos sabendo no período da tarde e o velório só poderia ser no dia seguinte, depois de passar pela autópsia durante a madrugada. Nesse dia, eu não consegui dormir e passei toda noite na varanda da minha casa observando as estrelas (privilégios do interior), quando senti muito forte a presença do meu filho e com tanta coisa se passando na minha cabeça, decidi escrever uma carta de despedida pra ele. Não tinha intenção de compartilhar com mais ninguém, mas quando o velório começou, percebi que havia uma energia forte de indignação e fiquei preocupada que isso afetasse o seu espírito, de alguma forma. Então, eu resolvi ler a carta em voz alta, uma mensagem que o liberava para ir, para seguir sua natureza. Eu acredito no poder das palavras como ferramenta de assimilação da dor e construção de uma nova narrativa sobre essa dor. Escrever e falar sobre esse assunto faz parte do meu processo terapêutico de aceitação também.
- O luto infantil ainda é um tabu em muitas famílias e na sociedade em geral. Qual é a principal mensagem que você espera transmitir aos pais, educadores e cuidadores sobre como abordar a morte e a perda com as crianças?
Acredito que a principal mensagem do livro seja do Theo, não minha. Ele se comunicou com nossa família através de cartas, em sessões de psicografias. A mensagem mais importante é o entendimento de que a morte existe na Terra, mas a vida do espírito é eterna e continua existindo de outra maneira. Por isso, ainda podemos amá-los na intensidade que a nossa alma pedir e até nos comunicar com eles. Eu converso muito com o espírito do Theo e isso alivia demais o meu coração.
- A sinopse menciona que Theo ensinou a família a enxergar a magia escondida nos pequenos instantes da vida. Quais “pequenos instantes” do cotidiano com Theo você fez questão de transpor para a narrativa do livro?
Uma segunda mensagem muito importante que o Theo nos trouxe ainda em vida foi o encantamento pelas coisas simples e belas que existem no mundo. A natureza era sua grande inspiração: as estrelas, os bichinhos, as plantas, os insetos, o tão amado por do sol que ele pedia para contemplar todos os dias. Me lembro como se fosse ontem, de um dia que após o banho da noite, ele me pediu para ver a Lua cheia (que o deixava extremamente maravilhado) antes de dormir. Eu o levei na varanda, sentamos juntos e ele encostou o rosto no meu rosto, como se nada mais existisse além daquele momento. Foram os minutos mais plenos da minha vida, entendi que a felicidade mora nesses pequenos instantes.
- Como você estabeleceu o equilíbrio entre a história pessoal de dor e a criação de uma narrativa lúdica e acessível para o público infantil?
Desde a passagem do Theo, eu e minha família passamos a usar mais a criatividade e auto expressão de diversas formas, seja pintando, bordando, costurando ou escrevendo. Durante esse processo, eu e minha família fomos a encontros espíritas de Cartas psicografadas e ao longo de um ano, recebemos ao todo 4 cartas do Theo. Na última carta, ele me pediu “Mamãe, não deixe a dor e a saudade te afastar das nossas ideias tão boas.” A gente sempre criou coisas juntos e eu sabia que ele estava falando sobre a necessidade de construir algo que desse um novo significado à nossa dor, mas eu ainda estava com dificuldade de voltar a escrever o livro original. Ao mesmo tempo, uma grande amiga, que participou do velório e ouviu a carta do Theo me deu um presente: ela transformou aquela carta em uma história infantil, o que me trouxe a inspiração para elaborar ainda mais toda essa nossa experiência de uma forma lúdica, incluindo não só as crianças como leitores, mas toda família em uma leitura conjunta. Assim como tem sido o nosso processo de atravessamento do luto, um enfrentamento coletivo, que torna o caminho da ausência menos árduo.
- O livro propõe a ideia de que o vínculo e o afeto permanecem, e que a presença sutil do amor pode ser encontrada na ausência física. Na sua experiência, o que significa “amar além do tempo”?
Amar além do tempo para mim, é sentir a certeza de que nós podemos continuar amando e nos comunicando com quem mais amamos, de novas maneiras.
- A ilustração é fundamental em um livro infantil. Como foi o processo de co-criação com Renata Barreto e de que maneira o traço delicado dela ajudou a reforçar o olhar de encantamento que o livro busca transmitir?
A Renata é uma grande amiga que conheço desde a infância, mas havia muitos anos que não nos falávamos. Ela ficou muito tocava quando soube o que aconteceu com o Theo (inclusive um dos filhos dela também se chama Theo) e entrou em contato comigo oferecendo apoio e acabamos marcando sessões de aquarela terapêutica. Assim, retomamos nossa amizade e ela foi uma pessoa muito importante durante o meu processo inicial, nossas sessões eram reconfortantes e aos poucos tudo se encaixou. Ela tem os traços leves, sua arte transmite alegria e leveza e era assim que eu gostaria que a história do Theo fosse contada.
- A história sugere uma reflexão sobre os ciclos da vida e da morte a partir de uma linguagem acessível e comprometida com a escuta do outro. Qual a importância da escuta ativa nesse processo de luto, tanto para a criança quanto para o adulto?
Acredito que uma das coisas mais importantes no processo de luto é a capacidade de se expressar. A auto expressão gera mais assimilação e menos desespero. Mas para que a gente possa fazer isso, é preciso ter quem ouça, quem leia, quem veja e esteja presente do outro lado, sem o ímpeto de trazer resoluções. Um autor bem conhecido sobre o tema do luto, chamado David Kessler, tem uma frase icônica em que ele cita: ”Cada pessoa tem um luto tão único quanto sua impressão digital”, que quer dizer que não existe uma fórmula e cada pessoa reage de um jeito único, diversos tipos sentimentos podem surgir como melancolia, raiva, negação e às vezes emergem todos esses sentimentos juntos, é tudo muito confuso. Mas o que eu acho muito interessante na abordagem, é que ele diz que há uma coisa em comum em todas as pessoas que atravessam uma perda: a necessidade de o luto ser testemunhado. Essa é uma forma do sofrimento criar um espaço para existir, e que uma das maiores necessidades de quem está enlutado é ser ouvido sem julgamento. Ele diz que as histórias de luto querem ser contadas, que é curativo quando alguém simplesmente reconhece a sua dor. O luto não pede soluções, pede testemunhas.
- Além da morte súbita de Theo, a ausência de explicações médicas é citada no seu release. De que forma o livro ajuda a dar um sentido ou uma “explicação cósmica” para aquilo que a ciência não pôde responder?
Para responder essa pergunta, vou citar dois trechos de autores.
O primeiro “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar.” – William Shakespeare
O segundo trecho é do livro “Cartas a um jovem poeta”, que se trata da troca de cartas entre Rainer Maria Rilke e o jovem Franz Xaver Kappus entre 1903 e 1908. Na obra, Rilke aconselha Kappus a buscar inspiração no seu interior, e a valorizar as próprias experiências como ferramentas de crescimento.
“Assim, não é preciso se assustar, meu caro Kappus, quando uma tristeza tão grande se ergue à sua frente, tão grande como o senhor nunca viu; quando uma inquietação passa por sobre as suas mãos e perpassa todas as suas ações, como a luz e a sombras das nuvens. É preciso pensar que acontece algo com o senhor, que a vida não o esqueceu, que ela segura sua mão e não o deixará cair.” – Rainer Maria Rilke
Nesses trechos, estão as minhas crenças: quando não temos a explicação “humana”, só nos resta confiar que aquele acontecimento faz parte de algo maior. É nesse sentido que eu gostaria que o livro ajudasse: o incentivo dessa confiança na providência divina.
- “Theo, o Menino das Estrelas” tem sido um apoio para as famílias que atravessam o luto? Você já recebeu algum feedback que destacou a utilidade prática da história no momento da perda?
Apesar do livro ter sido lançado recentemente, já recebi alguns feedbacks muito especiais sobre como o livro aborda com verdade o momento da dor sem esconder o jogo das crianças e ao mesmo tempo como também faz repensar um outro lado que muitas vezes nos é veladamente imposto pela sociedade: quem vive um luto, não pode sorrir. O livro traz essa perspectiva de que ao sorrir, não estamos esquecendo de quem amamos, estamos nos lembrando.
- O livro aborda o luto, mas também celebra a intensidade da breve passagem de Theo pela Terra. O que você diria ser o maior legado dele, que o livro ajuda a eternizar?
O maior legado dele é o amor que ele tinha pela natureza, é isso que eu gostaria de eternizar nesse livro. Como esse amor engrandece a gente, nos torna mais presentes e conscientes.
- Quais são as plataformas de e-commerce (além de Amazon e Mercado Livre) e/ou livrarias físicas onde o livro pode ser adquirido? Há planos para lançamentos ou sessões de autógrafos em outras cidades?
Por enquanto, grande parte da oferta ainda está na maioria das plataformas de e-commerce como Amazon, Mercado Livre, Ponto Frio, Casas Bahia, Um Livro, Estante Virtual, entre outros. Aos poucos pretendemos levá-los às livrarias físicas, mas existe uma questão por trás disso. A maior parte das editoras enviam os livros em consignação para as livrarias (o que deixa o valor dos livros mais caro na ponta). A editora Asinha, com a qual trabalho, funciona com impressão sob demanda, o que quer dizer que os livros são enviados para as livrarias somente com o pedido faturado. Então, é necessário um tempo para o título estabelecer uma percepção de valor no mercado.
Sobre os lançamentos, por enquanto tivemos o lançamento na minha cidade, Brotas e haverá em SP. Ainda não existem planos para outras cidades, mas quem sabe os astros já estão coordenando isso e ainda não sei?
- Qual é a sua expectativa de longo prazo para a obra? Você planeja continuar escrevendo para o público infantil sobre temas sensíveis, ou há outros projetos em vista?
Em relação ao livro do Theo, a minha expectativa é que ele possa chegar em mais e mais famílias que pudessem se beneficiar das mensagens que ele carrega. Eu planejo sim continuar escrevendo para as famílias e crianças, mas por enquanto, meu maior plano agora é terminar de gestar e parir a minha filha que está chegando. 🙂
