1. O que motivou a escolha das músicas que compõem o repertório de “Gismonti 70”? Alguma delas tem um significado especial para você?
Para fazer a seleção, passei um ano me emocionando e me alegrando com o imenso repertório do Egberto, com o qual eu tenho profunda ligação e admiração. Resolvi escolher composições de diferentes períodos, pegando canções emblemáticas, como “O Sonho” (da década de 70); assim como hinos gismontianos, como “Palhaço” (década de 80) e composições maravilhosamente pianísticas e modernistas, como “Forrobodó” (década de 90). Todas as músicas do meu pai me representam e possuem um imenso significado interno.
2. Como foi o processo de gravar este álbum em Budapeste? Por que escolheu essa cidade para a gravação?
Há alguns anos criamos este vínculo com a Hunnia Records (gravadora húngara) e com Robert Zunka (dono da gravadora). Já havíamos gravado o álbum “Desvelanco Mares” (2018) e, em uma de nossas turnês européias, registramos o “Gismonti 70”. Se trata de um ambiente absolutamente propício para o fazer artístico e musical.
3. O álbum inclui canções emblemáticas como “O Sonho” e “Palhaço”. Como foi reinterpretar essas músicas e dar um toque pessoal a obras tão icônicas?
Tocar e arranjar o repertório representou falar sobre a minha árvore genealógica familiar e nacional. É uma mistura de agradecimento, emoção e continuidade.
4. Qual foi o impacto emocional de gravar um álbum que homenageia a trajetória do seu pai e, ao mesmo tempo, reflete a sua própria história?
Este impacto é originário e eterno, já que é uma música que escuto desde a barriga de minha mãe, Rejane Medeiros, e que traduz muito do que sou.
5. A pandemia atrasou a finalização de “Gismonti 70”. Como foi retomar o projeto anos depois? Houve mudanças na visão original para o álbum?
O projeto nunca foi interrompido, já que gravamos em 2018, mixamos (remotamente – por conta da pandemia) em 2022/2023 e finalizamos, com as fotos e textos, em 2024. De qualquer forma, em dezembro de 2024, escutei a estréia do álbum nas plataformas digitais com o mesmo frescor com que todos os ouvintes escutaram, exatamente pelo tempo de afastamento com o áudio. Esta estréia também representou um sonho realizado; por existir a possibilidade de escutá-lo a qualquer momento.
6. O ambiente das fotos do projeto, a casa onde você morou com seu pai, foi mencionado como um espaço especial. Como foi revisitar esse local durante a produção do álbum?
A casa do meu pai sempre foi o ponto de encontro de nossa relação mais íntima, emotiva e feliz; de forma que estar lá é residir na permanência e profundidade desta relação e, principalmente, na intimidade da história do meu pai.
7. Você descreve a música do seu pai como parte da sua “certidão de nascimento”. Como essa conexão moldou sua trajetória como pianista e compositora?
Comecei tocando com meu pai aos 15 anos de idade, e, desta maneira, o repertório e a pianística dele ficaram impressas em toda a minha origem e formação musical. Até hoje, tocar a música dele é como tocar minha própria história.
8. Como é levar adiante a tradição musical da família Gismonti e, ao mesmo tempo, construir sua própria identidade artística?
Um privilégio e uma bênção. Não há estrutura mais viva do que crescer em direção ao Sol, com as raízes embasadas na Terra.
9. Seu pai influenciou diretamente sua abordagem à composição e interpretação? Pode compartilhar alguma memória marcante que tenha moldado sua visão musical?
Como mencionei antes, passei muitos anos exercitando a pianística e a composição dele; além de todas as influências e fontes da música que o formaram; de forma que fui influenciada por sua abordagem e por tantas outras que faziam parte de nosso cotidiano de escuta. Seus discos contam a sua história descoberta, desenhada e vivida plenamente – e é assim que me relaciono com o fazer musical, até hoje.
10. Tanto Julio Falavigna quanto Antonio Porto possuem suas próprias histórias com a música de Egberto Gismonti. Como essa relação influenciou a dinâmica do trio e a gravação do álbum?
Tocamos nesta formação desde 2012, de forma que existe uma linguagem que foi sendo tecida durante muitos anos. Neste caso, unir a nossa linguagem ao histórico de um repertório que, também, os representa desde muito antes de nos conhecermos, foi um profundo mergulho e uma imensa celebração.
11. Há uma sinergia especial entre os integrantes do trio quando tocam músicas do Egberto?
Com toda a certeza. É falar sobre esperança, em conjunto.
12. O álbum será lançado pela gravadora húngara Hunnia Records, com versões físicas disponíveis em 2025. Como você espera que o público receba esse projeto?
Acredito que os admiradores da música do Egberto terão mais uma oportunidade de vivenciar a eternidade desta imensa inspiração musical.
13. Há planos para apresentações ao vivo ou turnês relacionadas a “Gismonti 70”?
Sim! Queremos fazer shows de lançamento em 2025, assim como seguir com o show atual, “Novo Set” e gravar o próximo disco do Trio, chamado “Tapeçaria” com composições autorais e originais, na formação de Julio Falavigna na bateria e Fernando Peters no baixo.
14. Como você enxerga o legado musical do seu pai no Brasil e no mundo?
Inovador e fundamental. Considero um dos pilares e fundamentos da música e da história de nossa miscigenação.
15. Que mensagem ou sentimento você espera transmitir ao público com “Gismonti 70”?
Celebração, emoção e agradecimento.