https://abacus-market-onion.top Entrevista: Vinícius Grossos, escritor - Marramaque

Entrevista: Vinícius Grossos, escritor

1. Como foi o processo de escrita de “Cruzeiro do Amor”? Houve algum momento particularmente desafiador?

Cruzeiro do amor foi uma delícia de escrever, eu amei construir os personagens, pensar na trama, em como eu incorporava um clichê já debatido há anos nos filmes e livros héteros, com um casal LGBT. E ele marca o primeiro livro da minha carreira em que eu abracei o gênero da comédia, e tentei incorporar sua leveza à minha escrita – esse com certeza foi o meu maior desafio. Lembro que no processo de edição, eu ficava a todo momento perguntando pras pessoas: “tal parte está engraçadinha?”, “Você deu um sorrisinho?”.

2. Quais são as principais mensagens que você deseja transmitir com este livro? Você acredita que “Cruzeiro do Amor” pode ajudar na aceitação e compreensão da comunidade LGBTQIAPN+?

Eu acho que toda vez que a gente se depara com um produto cultural com representatividade, a gente corre o risco de se reconhecer em algo que a gente nem imaginava que poderia ser ou sentir. Mas acima de tudo, sobre orientação sexual, eu acho que Cruzeiro tem uma mensagem muito forte de amor próprio, quando a gente olha para a curva de evolução do personagem Alessandro. Mas não só isso; ele e a Melina, sua amiga, são a família um do outro. Eles se protegem, se cuidam, e fazem com que avancem seus limites. Ao mesmo tempo, temos o Benício e o Gustavo, que acima de tudo representa o amor entre irmãos. Então acho que há muitos tipos de amores dentro do livro.

3. Por que você escolheu um cruzeiro LGBT+ como cenário para esta comédia romântica?

Sendo bem sincero, foi uma junção de coisas… Primeiro eu precisava de um espaço em que os personagens se sentissem à vontade para serem quem eles são. Depois, pro andamento da história, eu precisava que ele acontecesse durante o dia dos namorados, o que também é o mês do orgulho, então a coisa toda só se juntou.

4. Alessandro é inspirado em alguma pessoa real ou em experiências pessoais suas? Há algum autor ou livro que o inspirou particularmente durante a criação de “Cruzeiro do Amor”?

Não… Alessandro e Benício são personagens criados a partir da minha imaginação, que nada mais é do que um compilado de pessoas que eu convivo, filmes e arte que eu consumo… Mas o personagem Gustavo, secundário, sim é inspirado em uma pessoa do meu círculo pessoal, que eu peguei emprestado um pouco da sua personalidade.

E para Cruzeiro, eu não me inspirei em um autor específico, mas bebi muito da fonte de comédias românticas, porque eu queria trazer esse ar leve e divertido pra história.

5. Como você vê a evolução da literatura LGBTQIAPN+ no Brasil desde que começou sua carreira?

Ah… muita coisa evoluiu! Antigamente, mesmo escrevendo livros juvenis, meus livros iam para uma prateleira de livros LGBT que tinha todo o tipo de história. Hoje, eu percebo que a gente saiu do rótulo do LGBT+.

Eu sou um autor que escrevo romances, e por ventura meus protagonistas são dois rapazes gays. E sinto que cada vez mais essa normalização se confirma no nosso mercado.

6. Quais são seus planos para o futuro? Há novos projetos em andamento?

Sim… Eu amo escrever, me divirto, me sinto bem, então estou sempre criando. Eu não posso falar muito, mas a ideia do próximo já está bem clara.

7. Se você fosse um personagem do seu próprio livro, qual seria?

Eu acho que o Benício. Ele é muito sonhador, ama a família e totalmente desligado para questões românticas.

8. Se você pudesse escolher qualquer lugar no mundo para um cruzeiro, qual seria?

Salvador! Hahahaha

Adoro lá, a energia, a vibe da cidade, as praias.

9. O que você acha da atual situação dos direitos LGBTQIAPN+ no Brasil?

Não faz muito tempo, ser gay no Brasil era praticamente assinar um atestado de óbito, de dor, como andar com um alvo nas costas. A população não-heteronormativa não tinha direitos civis mínimos garantidos e precisava enfrentar o direito à sobrevivência.

Em muitos lugares do Brasil ainda é assim. Mas eu vejo muita coisa avançando também; uma nova geração mais aberta ao diferente e menos preocupada com rótulos.

Não sei se sou iludido, mas gosto de pensar que apesar de tudo, as coisas estão caminhando para o melhor.

10. Como foi a transição de publicar de forma independente para trabalhar com grandes editoras?

A minha transição foi bem rápida, na verdade. Quando me lancei na cena independente, era 2014. Em 2015 eu já estava em uma editora tradicional.

Muita coisa muda nessa transição: você não tem mais o custo com a impressão dos livros; há uma equipe te auxiliando nas suas ideias. Mas a pressão pro sucesso comercial aumenta também, e o trabalho de divulgação e marketing tende a crescer.

11. Como você vê sua evolução como escritor ao longo desses 10 anos?

Sinto que quando comecei, eu não tinha referência nenhuma de outros autores LGBT+ fazendo o que eu fazia naquela época. Eu próprio fui criando e escrevendo coisas muito para mim, o que eu queria ter lido quando eu era jovem.

Hoje em dia, a literatura jovem com personagens LGBT+ explodiu.

Eu não estou mais sozinho.

E isso fez que minha escrita evoluísse junto também.

Hoje em dia, eu sinto que posso sentar e escrever uma comédia romântica em que não teremos homofobia ou qualquer tipo de dor por preconceito, porque eu já tenho escrito e feito isso por 10 anos, entende? Hoje eu posso falar mais, sobre outros assuntos, empurrar as barreiras.