Entrevista: Rafael Navarro, escritor
- O que o motivou a escrever ‘Pesadelos do futuro’?
Desde a adolescência, sempre fui fascinado por distopias, como “A Revolução dos Bichos” de George Orwell e “O Senhor das Moscas” de William Golding. Além disso, como jornalista e produtor de conteúdo, estou constantemente em contato com debates sobre os avanços tecnológicos e suas implicações. Assim, decidi escrever “Pesadelos do Futuro” para mergulhar nesses temas e provocar reflexões profundas.
- Como surgiu a ideia de abordar distopias tecnológicas em seus contos?
Foi tudo muito orgânico. Sempre consumi literatura de terror, ficção científica e distopias em geral. Além disso, carreguei durante muito tempo um desejo inerente de contribuir ao gênero de alguma maneira, porém evitava dar o primeiro passo. Com a ascensão da inteligência artificial mudando os rumos da nossa rotina, senti a necessidade de me aventurar na literatura falando sobre tecnologia e relações humanas.
A ideia surgiu da observação de como a tecnologia está rapidamente transformando todos os aspectos da nossa vida. Interagindo com amigos e colegas, é fácil notar a linha tênue entre os benefícios e os perigos que as evoluções representam. Também me inspirei em eventos atuais, como a manipulação digital de imagens e a cultura do cancelamento, com o objetivo de apresentar cenários que parecessem ao mesmo tempo possíveis e aterrorizantes.
- Quais foram suas principais inspirações literárias para a criação deste livro?
“A Revolução dos Bichos” (George Orwell) e “O Senhor das Moscas” (William Golding) são obras que consumi avidamente durante a adolescência e a vida adulta e, com certeza, foram grandes inspirações. Também destaco Margaret Atwood, especialmente sua obra “O Conto da Aia”, que mostra como questões sociais podem ser apresentadas de modo poderoso em uma distopia inesquecível. Além disso, mesmo não sendo uma referência literária, destaco “Black Mirror” por sua capacidade de criar histórias assustadoras e reflexivas de modo simples, direto e envolvente.
- Pode nos falar um pouco sobre o processo de escrita e pesquisa para esta obra?
O processo de escrita de “Pesadelos do Futuro” foi intenso e envolveu muita pesquisa. Consumi artigos variados sobre os avanços em inteligência artificial, privacidade digital e ética tecnológica, além de ler muitas notícias na imprensa sobre o assunto. Também conversei com pessoas próximas com o objetivo de identificar seus próprios medos com relação ao futuro.
O que acho mais estimulante da escrita em si é que o processo nunca é o mesmo. Às vezes, começa com um tema claro em minha mente, mas em outros momentos, a ideia principal vai surgindo depois de muitos parágrafos escritos. Esforcei-me para criar uma perspectiva humana e relacionável em cada conto.
- Como você vê a influência da inteligência artificial em nossa sociedade atual e futura?
Vejo a inteligência artificial como uma via de mão dupla. De um lado, pode revolucionar a saúde e educação, melhorando a qualidade de vida das pessoas. Do outro, existe o perigo alarmante da perda de empregos, destruição de qualquer tipo de privacidade e a intensificação do controle da sociedade. É essencial que discutamos sobre isso para garantir que a IA seja utilizada de modo ético e benéfico.
- De que forma você espera que seus leitores reflitam sobre as questões apresentadas em seus contos?
O objetivo de “Pesadelos do Futuro” é suscitar um debate sobre as mudanças culturais decorrentes da utilização da tecnologia, sem fazer juízos de valor. Acredito que, a partir do momento em que um escritor lança uma obra, ele perde a posse de sua criação. Isso me deixa tanto atemorizado quanto entusiasmado, pois essa posse se transfere ao leitor, que trará suas próprias interpretações, referências e conclusões a cada conto lido.
Desejo que meus leitores sejam instigados a pensar de modo crítico sobre o papel da tecnologia em suas vidas e na sociedade em geral. Também espero que se enxerguem nos personagens e narrativas construídas e, acima de qualquer coisa, que a leitura desperte a vontade de mudança em cada um.
- Qual é a importância da literatura distópica para a conscientização social, na sua opinião?
A literatura distópica funciona como um alerta e tem uma enorme importância para a conscientização individual e social, pois nos convida a enxergar possíveis futuros que podem ser evitados. Acredito fortemente que é o gênero que melhor permite o aperfeiçoamento do nosso pensamento crítico e reflexão.
- Como você escolheu os temas específicos de cada conto do livro?
Selecionei os temas que identifiquei como os mais urgentes para serem debatidos, considerando a complexidade das relações humanas e o uso da tecnologia. Desigualdade social, identidades que criamos em ambientes virtuais, inteligência artificial… porém, quando pensamos em tecnologia, considero que a gama de temas é tão expressiva que seria necessário escrever dezenas de livros para cobrir tudo que pode ser dito sobre o assunto.
- Qual conto do livro você considera mais impactante e por quê?
Eu gosto muito de “A Bolha”, pois é uma alegoria que combina elementos da literatura de terror dentro de uma distopia sobre um tema, infelizmente, muito comum em nossa realidade.
- Como você vê o papel da regulamentação da IA no futuro próximo?
É um assunto urgente. A regulamentação da IA será essencial para garantir que os avanços sejam usados de forma ética e justa. Precisamos garantir que a tecnologia seja usada de modo responsável.
- Você acredita que a tecnologia está mais prejudicando ou beneficiando a sociedade atualmente?
O impacto da tecnologia depende de como a implementamos e regulamos. Impossível não reconhecer todos os benefícios trazidos com ela. Conseguimos nos conectar com quem amamos com mais facilidade, nunca foi tão simples ter acesso a conhecimento, a expectativa de vida aumentou, novos empregos surgiram, ganhamos tempo automatizando tarefas simples, entre muitas outras coisas.
Porém, existem muitos malefícios. A hiperconexão, por exemplo, segundo diferentes estudos, causa ansiedade, dependência, desumanização, etc. Creio que seria muito complexo isolar um lado ou outro. Precisamos equilibrar os benefícios com a mitigação dos riscos para garantir que a tecnologia seja eticamente conduzida.
- Qual é a sua opinião sobre a cultura do cancelamento e sua representação no conto “O Tribunal da Humilhação”?
No próprio conto destaco que a humilhação foi usada como castigo por séculos. A praça de escravizados na Roma Antiga é usada como exemplo para contextualizar que o que observamos na cultura do cancelamento é um reflexo de um mal carregado por muitas gerações. Nesse contexto, entendo que a tecnologia não é a responsável por esse fenômeno, apenas é um meio para disseminá-lo com uma velocidade nunca vista antes.
Me preocupo com a facilidade com que ídolos são construídos e reputações são dilaceradas, assim como gostaria que as pessoas exercessem mais empatia dentro e fora das telas.
- Como você lida com as críticas que possam surgir em relação às suas visões apresentadas no livro?
Recebo críticas com a mente aberta, pois são oportunidades para crescer e aprender. Porém, destaco que as visões do livro não são somente minhas. Alguns contos de “Pesadelos do Futuro” foram inspirados por experiências pessoais e meus próprios receios. Entretanto, outras narrativas foram traçadas com base na observação dos medos de outras pessoas, incluindo aquelas que pertencem a grupos com visões opostas às minhas. Foi um exercício interessante de empatia, que me permitiu me colocar no lugar do outro e imaginar os piores cenários futuros a partir de diferentes perspectivas da nossa geração.
- Você teria medo de um robô aspirador de pó que ganhasse consciência?
Com certeza. Inclusive, essa é uma ótima ideia para um conto, considerando que é um elemento aparentemente inofensivo, porém podendo ser trabalhado de modo extremamente assustador.
- Qual seria o seu pesadelo tecnológico pessoal?
Meu pesadelo tecnológico pessoal envolve um cenário de controle social absoluto, monitoramento constante, repressão política e controle psicológico.
- Se pudesse escolher, qual tecnologia do futuro você nunca gostaria de ver implementada?
Qualquer tecnologia que envolve controle mental me assusta e nunca deveria ser implementada.
- Como começou sua carreira como escritor?
Esse é meu primeiro livro publicado. Sempre tive afinidade com a escrita por conta da minha formação como jornalista e trabalho como produtor de conteúdo há mais de uma década. Com relação à ficção, iniciei a escrita de contos no ano passado e, este ano, “Pesadelos do Futuro” se tornou realidade.
- Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao longo da sua trajetória literária?
Minha trajetória literária é recente, e um dos maiores desafios que enfrento é, sem dúvida, interno. A síndrome do impostor tem sido uma presença constante, gerando dúvidas sobre minhas habilidades e o valor do meu trabalho. Esse sentimento de inadequação é comum entre muitos escritores, e combatê-lo requer um esforço contínuo.
- Quais são seus planos para futuros projetos literários após ‘Pesadelos do Futuro’?
Continuo escrevendo contos focados em comportamentos humanos. Adoraria seguir contribuindo para a literatura falando sobre tecnologia. Além disso, estou trabalhando em meu primeiro romance.