Entrevista: Santi Lobo, cantor e compositor

Entrevista: Santi Lobo, cantor e compositor

1. Santi Lobo, você é um artista multi-instrumentista e cantautor. Como a música se tornou uma parte tão importante de sua vida e expressão artística?

Desde criança a música é parte fundamental na minha vida. A diversidade musical na minha casa sempre foi muito grande e desde muito pequeno ouvia mpb, rock, música instrumental, pop etc…

Meu irmão, que era 6 anos mais velho do que eu, sempre me apresentou muita coisa para eu ouvir e meu pai tinha uma coleção muito linda de vinis de mpb. Sempre senti que a música tinha o poder de mudar o meu estado de espírito e assim sempre foi ,de certa forma, uma ferramenta terapêutica ao longo da minha vida.  Ficava fascinado com instrumentos musicais e com cerca de 10 anos insisti para começar a aprender violão. Na adolescência comecei a tocar contrabaixo em bandas com amigos e a compor. Nessa época só pensava em “viver de música” mas a realidade e a necessidade me fizeram ter que seguir uma carreira executiva. Faculdade, estágios e empregos. Mas a música nunca deixou de estar comigo e eu sempre estava participando em paralelo de alguma banda de forma despretensiosa e assim tendo uma válvula de  escape para a minha expressão artística.

2. ORÍ é o nome do seu álbum de estreia, e ele traz influências das religiões de matriz africana. Pode nos contar como a espiritualidade e a música se entrelaçam em sua obra?

Sou de Umbanda há anos, admirador do Candomblé e iniciado em Ifá. As religiões de matriz africana são muito expressadas através de músicas e cantos. Como a música sempre teve um papel importante na minha vida fiquei fascinado. Na primeira vez que pisei no terreiro fiquei vidrado no som dos atabaques, nos toques, nos cantos e senti rapidamente que era o meu lugar. Em pouco tempo estava na curimba do terreiro tocando atabaque e cantando. E aos poucos e de forma natural comecei a compor alguns pontos de umbanda e músicas com temas desse universo de cultura de terreiro.

3. Você menciona que suas músicas são baseadas nos toques dos tambores das religiões de matriz africana. Como essa sonoridade influenciou a sua jornada musical?

A minha jornada musical com essa influência tem cerca de 12 anos. E como dito anteriormente foi de forma muito natural. Nada planejado. Não pensava em gravar, lançar ou mesmo fazer shows. Os anos foram passando e me deparei com um repertório de mais 50 músicas. E em 2020, incentivado por amigos próximos, comecei a pensar na possibilidade de gravar um álbum. Nunca me considerei um cantor e nem me considero, rs. Sou um cantautor. Essa foi uma questão que me fez segurar um pouco a decisão de gravar. Por outro lado, como é um trabalho autoral que reflete as minhas vivências e experiências na minha fé, acreditava que a melhor forma de passar essa verdade seria eu mesmo interpretar as minhas músicas. E assim foi. Em julho de 2021 começamos a seleção do repertório do álbum Orí e em seguida a produção das primeiras guias das músicas que selecionamos. Confesso que me surpreendi positivamente com o resultado do timbre da minha voz e fiquei confiante. Eu estava gravando um álbum para mim mesmo. Sem pretensões comerciais e completamente desapegado de resultados. Sempre pensei que iria ou vai chegar em quem tem que chegar. Os toques dos tambores são protagonistas e estão em todas as 13 faixas do álbum. É a espinha dorsal de todas as músicas e os arranjos foram feitos ao redor das percussões.

4. O álbum ORÍ tem 13 faixas e aborda temas como fé, Orixás, entidades espirituais, autoconhecimento, diversidade e respeito. Como esses temas se manifestam em sua música?

Através dos toques, das letras … A melhor forma de responder a essa questão é sugerir a audição do álbum e prestar atenção nas letras. Cada música nasceu em um momento especial. Por exemplo, a faixa que abre o álbum, SEU TRANCA RUA CHEGOU, eu escrevi em 2013 e era um ponto em homenagem à Seu Tranca Rua (exú muito popular nos terreiros) que é uma das entidades que me acompanha. Por alguns anos cantávamos na gira ao som dos atabaques. Um tempo depois fiz uma harmonia para ela e virou esse samba lindo gravado por mim e por músicos incríveis como André Siqueira (percussão), Marlon Sette (trombone), Carlinhos 7 Cordas (violão de 7) e Juliano Cortuah (violão). Amor D’Oxum surgiu enquanto tomava banho para sair para trabalhar. Ainda meio sonolento eu entrei em um estado de relaxamento embaixo do chuveiro e me senti numa cachoeira. A letra e a melodia vieram na mesma hora. Nem pensava em fazer música a essa hora da manhã, rs.

5. Sua música é descrita como “essência ancestral temperada com música popular regional e pitadas de referências de diversos gêneros musicais.” Como você equilibra todas essas influências em sua criação musical?

Não é uma receita de bolo com medidas exatas para não desandar. Me permito a me expressar livremente e de forma natural. Essa descrição é a que melhor traduz o que faço. Não penso num equilíbrio, não planejo a minha expressão artística. Simplesmente faço. Se eu resolvi gravar é porque me representa e talvez possa conectar com outras pessoas. Pode ser que no próximo álbum eu coloque um riff de guitarra mais pesado se eu sentir que a energia daquela música pede. Mas sempre com os tambores como protagonistas! Ou pode ser que eu grave uma canção, por exemplo, num arranjo de voz e harpa. Não curto rótulos em expressão artística. Isso pode limitar o alcance da arte. Mas infelizmente, precisamos descrever e rotular de alguma forma e colocar em alguma prateleira. É assim que o mundo funciona né? Adoraria poder rotular assim: “Ouça e sinta você mesmo” .

6. Santi Lobo, você é um umbandista e espiritualista. Como essas crenças influenciam sua música e a mensagem que deseja transmitir?

A maior influência da Umbanda e da espiritualidade nas minhas canções é a positividade, o autoconhecimento e trazer a consciência da importância da diáspora africana na nossa sociedade e na nossa cultura. Ainda temos que combater muito o preconceito em relação às religiões de matriz africana, combater o racismo e levar o entendimento que somos todos iguais e que a liberdade religiosa é direito de todos.  Não é fácil, mas vejo que cada vez mais estamos ganhando respeito. A estrada é longa. São mais de 3 séculos de escravidão e mais de 2 séculos de desfavorecimento social devido à cor da pele.

7. Você teve uma carreira notável no mercado musical, atuando como Diretor da editora Som Livre Edições Musicais e Diretor Artístico da Som Livre. Como essa experiência influenciou sua jornada como artista?

Não há uma influência direta na minha jornada artística. São duas estradas que levam a destinos diferentes. No entanto, esse conhecimento me auxilia em proteger os meus direitos como compositor e intérprete. A vivência como artista tem me auxiliado a entender melhor a visão que outros artistas tem. Obviamente isso pode me ajudar muito no relacionamento com artistas quando eu estiver exercendo outro papel como executivo, produtor musical ou empresário.

8. Além de sua carreira musical, você foi empresário e produtor musical de artistas como Ana Vilela e Bryan Behr. Como essas experiências de gerenciamento e produção contribuíram para o seu crescimento como artista?

Toda experiência que tive e tenho no ecossistema do mercado da música como executivo, produtor musical ou artista (em outros trabalhos que fiz) tem ajudado. Mas nesse caso específico tenho duas lições que coloquei em prática como artista: 1. Artista não deve se produzir ; 2. Artista não deve fazer autogestão da carreira. Por isso não assino a produção do meu álbum e tenho um empresário. As visões dessas parcerias são fundamentais para o desenvolvimento da carreira e artístico.

9. Entre 2020 e 2023, você foi Diretor Musical dos Estúdios Globo. Como esse papel impactou sua visão sobre a música e sua relação com o público?

Foi uma experiência executiva incrível, mas a minha visão e percepção já eram bem claras e consolidadas.

10. ORÍ foi produzido por Juliano Cortuah. Como foi a colaboração com ele e como ele contribuiu para a realização deste álbum?

Eu e Juliano trabalhamos juntos em alguns projetos antes da produção do meu álbum. Produzimos os dois primeiros álbuns da Ana Vilela (sendo o primeiro indicado Grammy Latino), os dois primeiros álbuns do Bryan Behr, o EP de lançamento da cantautora Nina Fernandes, entre outros. Também fomos sócios na gestão das carreiras do Bryan e da Ana. Uma parceria que temos há uns 7 anos. Então foi natural que ele fosse a primeira opção para produzir o meu álbum. Temos um entendimento criativo muito bacana e nos escutamos bastante. Nós dois somos muito atentos aos detalhes nas produções. Além de fazer a produção musical , Juliano tb tocou violão, guitarra e baixo em diversas faixas. Ele já conhecia parte das minhas músicas e foi um dos incentivadores para gravarmos.

11. Se você pudesse ser um instrumento musical, qual você escolheria ser e por quê?

Contrabaixo. Porque é a junção da harmonia com a percussão. Groove!

12. Qual é a sua comida favorita para comer antes de um show?

Antes não curto comer. Mas depois…sai da frente. Não tenho preferência nenhuma.

13. Já teve algum sonho maluco relacionado a música que queira compartilhar?

Eu tenho sim. Queria gravar um projeto audiovisual lindão num terreiro. Com muito respeito aos fundamentos da casa.

14. Como você lida com críticas negativas em relação à fusão de elementos espirituais e musicais em sua obra?

Nunca passei por isso. Mas se um dia eu passar e vier de uma pessoa com autoridade e respeito no assunto irei ouvir com muita atenção para que a mesma também me ouça. Críticas em comentários em redes sociais não considero críticas pois geralmente não são construtivas e vem de pessoas com pouco conhecimento e muito “achismo” .

15. ORÍ aborda temas espirituais e ancestrais. Como você acredita que sua música é recebida por diferentes audiências, incluindo aquelas que não estão familiarizadas com essas crenças?

Não sei exatamente como é recebida, mas tive alguns relatos de pessoas que não são adeptas ou simpatizantes de religiões de matriz africana que se emocionaram com algumas faixas do álbum. E é isso que importa. Conseguir fortalecer o orgulho e de quem é da minha crença e tocar as pessoas que não são é lindo.

16. O uso de elementos de religiões de matriz africana em sua música levantou alguma polêmica? Como você responde a críticos que possam considerar isso apropriação cultural?

Nunca chegou a mim nenhum tipo de crítica ou polêmica. Eu não estou me apropriando pois eu vivo a cultura de terreiro há anos, canto as músicas que compus baseadas nas minhas vivências, respeito e honro a ancestralidade africana e de terreiro. Assim como adeptos de outras religiões e crenças cantam sobre as suas divindades, eu e mais um tanto de artistas incríveis como Rita Beneditto, Mariene de Castro, Sandro Luiz, Awurê entre outros fazemos também cantando sobre orixás, entidades e a nossa cultura. E precisamos fazer mesmo, sempre com respeito, para mostrarmos o quanto é lindo. Acho que todos nós temos esse propósito.

16. Quais são os desafios e as recompensas de ser um artista independente, especialmente no cenário musical brasileiro?

Eu não sou um artista independente. Meu álbum foi lançado pela Universal Music e tenho muita liberdade para trabalhar. Mas como ainda sou artista em início de carreira, os desafios para alcançar as pessoas são grandes. A quantidade de músicas lançadas por dia é enorme e fazer com que um trabalho novo chegue em quem tem que chegar é uma tarefa desafiadora. Mas estamos indo de degrau em degrau, sem pressa e com muito amor.

17. Além de seu trabalho como artista, como você equilibra suas múltiplas funções no mercado musical, como empresário e produtor?

Desde o lançamento de Orí, em abril desse ano, resolvi focar 100% nesse projeto até o final de dezembro. Vamos ver o que vem por aí em 2024 além do próximo álbum (que já estou pré produzindo) e como vou equilibrar essas múltiplas funções quando a hora chegar.

18. Como a sua experiência como Diretor Musical dos Estúdios Globo influenciou a maneira como você cria e apresenta música?

Não há nenhuma influência. São atividades completamente diferentes. Na Globo a minha função era executiva, de gestão e de curadoria musical. A única influência que tenho nas minhas músicas são as minhas vivências na minha fé…  Axé!

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