Entrevista: Mara Avellar, juíza aposentada

Entrevista: Mara Avellar, juíza aposentada
  1. Mara, em seu livro “Por que não tentar?”, você fala sobre a importância de abraçar nossa verdadeira essência. Como você define essa verdadeira essência e como podemos nos reconectar com ela?

No meu livro, compartilho alguns fatos que marcaram minha vida, nesses quase 60 anos de existência, e certas lições aprendidas. Uma dessas lições foi a de que, quanto mais nos aproximarmos de quem realmente somos, nos despindo dos personagens que, muitas vezes, criamos ao longo da caminhada, mais perto estaremos, também, de viver uma vida com significado, equilíbrio e liberdade. Isso traduz o que é, para mim, a verdadeira essência, mas essência no sentido de autenticidade, ser exatamente quem se é. E acredite, não é uma tarefa fácil.

É uma busca individual, um movimento interno. Mas há uma ‘’ferramenta’’ fundamental, pelo menos no meu ponto de vista, que é a autorreflexão. Essa prática conduz à melhor compreensão de nós mesmos, possibilita nos tornarmos mais conscientes de nossos sentimentos, pensamentos, emoções, crenças, desejos e aspirações; cientes daquilo que nos impulsiona, que move e impacta nossas ações e embasa nossas escolhas. 

  1. Muitas pessoas se sentem pressionadas pelas expectativas da sociedade e acabam perdendo sua autenticidade. Como podemos resistir a essa pressão e viver de acordo com nossos próprios valores?

Todos nós, em algum momento, sofremos pressões externas e mesmo autoimpostas, para nos adequar ao que esperam de nós.

A meu ver, não se trata de resistir, mas de insistir e persistir em sermos coerentes e vivermos de acordo com nossas próprias convicções e percepções, com os princípios e valores que já reconhecemos. Mas para isso não há uma receita pronta. É uma escolha individual, já que somente nós mesmos conhecemos nossos limites e limitações. Cada um deve caminhar no seu passo e no seu tempo. Quanto mais você se conhece e se compreende, fica mais fácil manter a coerência e, daí, sua conduta vai refletir os seus valores. É um treino diário, que exige calma e perseverança.

  1. Você menciona a importância da gratidão, autocompreensão e respeito como pilares fundamentais para uma vida plena. Como podemos incorporar esses princípios em nosso dia a dia?

Sinceramente, vejo nesse tripé – Gratidão, Autocompreensão e Respeito – a base para começarmos a trilhar o caminho na direção de quem queremos ser e para onde queremos chegar. Como escrevi, na obra, esses princípios são os que me conectam ao sentimento de felicidade e creio que qualquer pessoa possa acioná-los. Pode parecer utópico ou complexo, mas penso que todos nós temos esses princípios enraizados, embora muitas vezes adormecidos, o que faz com que despertá-los e incorporá-los ao dia a dia seja mais simples do que possa parecer.

Na minha experiência, basta começar por adotar pequenos hábitos e ajustar algumas condutas, como, por exemplo, reservar um momento do seu dia para agradecer pela vida e pensar em se desfiliar do ‘’Clube da Reclamação’’. A prática da autorreflexão é uma forma de exercitar a autocompreensão. O respeito pode estar em um bom-dia; em ouvir o que o outro diz, quando interagimos; em se colocar no lugar do outro ou, ainda, em qualquer ato de gentileza. Em todas as situações, até nas mais corriqueiras, o respeito pode se fazer presente e, veja, independentemente de reciprocidade. E não vale aqui a máxima ‘’respeito se me respeitar’’. 

  1. Ao longo de sua carreira na área jurídica, você enfrentou diversos desafios. Como essas experiências contribuíram para a sua jornada de autodescoberta e para a escrita deste livro?

A minha jornada profissional, especialmente a experiência como magistrada, teve papel importante na escrita do livro ‘’Por que não tentar?’’

A magistratura exige muito mais do que conhecimento, jurídico e técnico, e comportamento ético. Isso tudo é fundamental, mas também é imprescindível, para o exercício da profissão, o amadurecimento, o equilíbrio, a sensibilidade às diversas realidades sociais e pessoais, o discernimento e o bom senso. É um caminho que impacta a nossa percepção da vida, amplia nossa visão do mundo e nos torna mais reflexivos. Comigo foi assim.

Toda essa vivência profissional faz parte de quem eu sou e as lições daí resultantes, que a tantas reflexões me conduziram, também serviram de inspiração, para que eu pudesse escrever essa obra.

  1. No livro, você compartilha suas experiências pessoais para ajudar os leitores a superarem adversidades. Pode nos contar sobre uma dessas experiências e como ela influenciou sua visão de mundo?

De todas as experiências pelas quais passei e desafios que enfrentei, um fato foi especificamente marcante.

O acidente que sofri, em 2003, quando estava grávida, me fez repensar o modo como conduzia a minha vida. Antes, eu vivia no automático, como se as 24 horas do dia fossem não só renováveis a cada manhã, mas inesgotáveis.

A experiência de me deparar com a efemeridade da vida fez com que buscasse uma existência mais significativa, reavaliasse meus objetivos e percebesse o mundo como sendo o espaço onde a vida acontece, em que todos estamos interligados.

  1. Algumas pessoas podem se sentir perdidas ou presas em suas vidas, sem saber por onde começar a mudança. Qual seria o primeiro passo que você recomendaria para alguém que deseja iniciar uma jornada de autodescoberta?

Não há, penso eu, quem nunca tenha se sentido, em algum momento da vida, como se estivesse preso no ‘’labirinto da insatisfação” e com pressa para encontrar a saída. Acredito que o primeiro passo para a jornada em busca da ‘’saída do labirinto’’ é se despir de todo ‘’achismo’’ sobre si mesmo e estar pronto para encarar o que precisa ser mudado, de pensamentos a relacionamentos, de carreira a comportamentos, de escolhas a discursos internos, enfim, é você diante de você. Não é um processo fácil, mas, certamente, transformador.

  1. Você menciona que ajudou várias pessoas a descobrirem e desenvolverem seu potencial como mentora. Como você aborda esse processo de orientação e quais são os principais desafios enfrentados pelos seus orientandos?

Não tantas assim, mas algumas. De fato, todos nós temos a capacidade de inspirar, motivar e impulsionar aqueles que nos cercam e foi o que fiz.

A mentoria, seja a informal ou formal, a meu ver, transcende a simples transmissão de conhecimentos técnicos e vivências específicas. É um processo em que o foco deve ser proporcionar uma orientação, compreendendo a singularidade de cada indivíduo, para integrar aspectos profissionais, pessoais e emocionais. Buscar facilitar a autocompreensão e estimular a reflexão sobre habilidades, limites e limitações, valores e objetivos próprios, também deve compor a pauta.

Os desafios são muitos, mas o maior é saber o que se quer e a razão pela qual se quer.

  1. “Por que não tentar?” oferece estratégias práticas para enfrentar desafios comuns. Você poderia compartilhar conosco uma dessas estratégias e como ela pode ser aplicada em situações do dia a dia?

Não encaro como estratégias, mas ‘’dicas de condutas’’. No livro está um pouco do que vivi e as lições que extraí dessa vivência, o que inclui atitudes que adotei diante de algumas situações desafiadoras, comuns a todos nós, e que foram pontuais para superá-las.  Dentre essas condutas, acho incrível o ‘’responsabilizar-se’’. É uma dica das mais valiosas, a meu ver.

Quando estamos vivendo no automático, cada ação diária acaba não sendo pensada, simplesmente vamos ‘’tocando a vida’’, sem nos atentar para os reflexos dos nossos atos e aí, se algo não sai como queríamos, há sempre alguém para responsabilizar, menos a nós mesmos. Mas, quando colocamos nossa atenção ao que fazemos no dia a dia e assumimos a responsabilidade pelo que acontece conosco, por nossos atos, nossas escolhas, por estarmos e permanecermos onde estamos, isso significa que o controle de nossas vidas está em nossas mãos. E se eu tenho o controle da minha vida, eu decido em qual direção quero seguir e quem caminha comigo. Isso é viver com liberdade.

  1. Alguns críticos argumentam que o foco excessivo em autoajuda pode levar à complacência e à falta de responsabilidade pessoal. Como você responderia a essas críticas e qual é o papel da autoajuda em sua visão?

Primeiro, é importante que se diga que todo posicionamento e opinião tem por base percepções pessoais e, portanto, podem surgir divergências, o que é bastante válido. Afinal, toda crítica provoca reflexão ou, pelo menos, deveria.

No processo de escrita do livro, ao pensar em compartilhar minhas experiências pessoais, eu mesma não o rotulei como autoajuda. Mas, apesar de posições contrárias, acredito que a autoajuda pode fornecer valiosos insights e instrumentos práticos que favorecem o desenvolvimento pessoal.

Acho pertinente destacar, aqui, a última dica do meu livro:  mantenha a mente aberta.  

  1. Para finalizar, como você espera que os leitores se sintam após lerem “Por que não tentar?” e qual mensagem você gostaria que eles levassem consigo?

Espero que ao lerem o meu livro, as pessoas vejam a vida com mais leveza e possam conduzi-la com respeito, gratidão e bondade, além de descobrirem um caminho para, quem sabe, se reconhecerem felizes.

A mensagem que deixo seria a de que é possível ter uma vida exitosa, sendo simplesmente quem você é. Confie no seu potencial infinito.

marramaqueadmin