Entrevista: Luísa Lacerda, cantora e violonista

- O projeto “Luísa Lacerda e Quarteto Geral homenageiam compositores do estado do Rio de Janeiro” é uma celebração da diversidade musical do Rio. Como surgiu a ideia de homenagear compositores cariocas?
Nós sempre estivemos muito atentos aos novos(as) compositores ao nosso redor, então o repertório de compositores cariocas já fazia parte do nosso dia a dia, mas, para o Festival Hola Rio, fizemos uma seleção um pouco mais diversa para abarcar não somente os compositores fluminenses como também incluir alguns gêneros musicais muito presentes no Rio. Claro que, não pudemos deixar de tocar algumas canções que já faziam parte do nosso repertório, como o “Rodopiado”, de Ronaldo Silva, que é paraense.
- Luísa, você é considerada um expoente da nova MPB. Como você vê o papel da nova geração de músicos na preservação e evolução da música brasileira?
Eu penso que é um desafio e ao mesmo tempo uma coisa natural: a música e os músicos vão sempre se renovar e, ao mesmo tempo, trazer as influências das gerações anteriores. O desafio está em ter o reconhecimento do público e condições financeiras, de incentivo e infraestrutura, para atingir essa realização. Que tem muita gente nova fazendo coisas incríveis tem, precisamos encontrar os meios para que essas pessoas sigam realizando seus projetos.
- Quarteto Geral, o uso de instrumentos não convencionais é uma característica única do grupo. Como vocês decidiram incorporar esses elementos à sua sonoridade?
Na percussão, o Lucas Videla toca um set que chamamos carinhosamente de “Churrasqueira” – tem panelas, tem lixeira, tem queixada de cavalo (de verdade mesmo, uma mandíbula). Esse set foi criado especialmente para o trabalho do Videla dentro do Quarteto, é uma experimentação que foi se construindo nos últimos 10 anos de parceria do grupo.
- O espetáculo abrange uma variedade de gêneros musicais do Rio de Janeiro, desde Maxixe até Funk. Como vocês escolheram as músicas para essa apresentação?
A sonoridade do Quarteto Geral tem muita influência do Movimento Armorial e do Quarteto Novo e, por isso, traz elementos da música nordestina. Para este show, decidimos manter a sonoridade do Quarteto, mas experimentando outros instrumentos – como o cavaquinho e a cuíca -, e elementos de gêneros mais “cariocas”. Fomos escolhendo o repertório a partir dos elementos rítmicos que queríamos incluir, sem perdemos as nossas próprias características sonoras. No caso do funk, por exemplo, escolhemos uma melodia que é originalmente de Luiz Gonzaga, transformada em “Vai Novinha” por DJ Dyamante e que ganhou uma versão mais recente pela torcida do Botafogo em homenagem ao jogador “Segovinha”.
- Qual é a mensagem central que vocês querem transmitir através deste show em Madrid, no Festival ¡HOLA RIO!?
Que o Rio é muito diverso e carrega vários pedacinhos do Brasil. Que é necessária a pesquisa por novos artistas e que oportunidades como esta – de viajar para outros países para mostrar novos talentos – deveriam ser cada vez mais presentes na política de incentivo à arte e à cultura.
- O projeto inclui uma pesquisa extensa sobre compositores e letristas contemporâneos do Rio de Janeiro. Quais foram as descobertas mais fascinantes que vocês fizeram durante essa pesquisa?
Quase todos os compositores e letristas que escolhemos são da nossa convivência. É muito comum ficarmos amigos de compositores antes ou depois de apresentarmos suas músicas em nosso repertório. Nesse show, em particular, também incluímos músicas dos próprios instrumentistas do Quarteto Geral, que nos últimos anos têm investido mais no repertório instrumental autoral. Aliás, fica a propaganda do primeiro disco deles, lançado este ano, e que está disponível nas principais plataformas digitais. O título é “Quarteto Geral”.
- Como músicos premiados em diversos editais e concursos, como vocês veem o papel da música na promoção da cultura brasileira no exterior?
A música brasileira costuma ser muito bem recebida em outros países, de Tom Jobim à Anitta. Assim como Pixinguinha viajou com os Oito Batutas para fora do Brasil e, dessa maneira, ganhou maior reconhecimento, acreditamos que artistas atuais – ainda que não sejam do mainstream – também possam ser super bem recebidos fora e mais valorizados dentro do Brasil.
- A cultura desempenha um papel importante na inclusão social. Como vocês acreditam que projetos culturais como este podem contribuir para uma sociedade mais inclusiva?
Editais de circulação para projetos culturais são fundamentais para conectar artistas a públicos com toda a infraestrutura e equipe necessária para que os espetáculos ocorram. É muito frequente que não seja possível depender do público pagante, seja pela concentração geográfica dos aparelhos culturais, do escopo de determinadas produções ou mesmo da concentração de renda, o que torna esses editais uma maneira muito eficaz de ampliar expressivamente o acesso à cultura.
- Conte-nos sobre a parceria com o Festival ¡HOLA RIO! e como isso contribui para a divulgação da cultura brasileira em Madrid.
Primeiramente, seria muito difícil para nós cinco viajarmos juntos para realizar shows com essa infraestrutura sem o aporte do Festival. Nos primeiros dias de Festival, já percebemos um crescimento dos números de escuta de nossos discos nas plataformas digitais e, a cada show que fizemos, também percebemos um aumento de público que foi ouvindo falar de nós. Acredito que iniciativas como essa, sendo mais frequentes, muitos outros grupos poderão ter oportunidade de fazer esse contato direto com um público totalmente novo.
- Como o público pode participar e apoiar o projeto de vocês após as apresentações em Madrid?
Hoje em dia o compartilhamento nas redes sociais é uma das formas mais fáceis de ajudar um artista a se promover. Mas, para além disso, o que mais gostamos mesmo é de ver um teatro cheio!
- Há uma rivalidade entre os músicos da nova geração e os músicos mais antigos no cenário musical brasileiro? Como vocês lidam com isso?
Eu, Luísa, não percebo nenhuma rivalidade entre gerações dentro do ciclo que frequento. Pelo contrário, tive a sorte de trabalhar e participar de trabalhos com músicos de outras gerações, já consagrados, e que foram muito generosos e gentis comigo, como Áurea Martins, Edu Lobo, MPB4, Paula Santoro, Renato Braz e Marcelo Pretto. É super importante para nós, artistas autônomos, poder trocar com os artistas que vieram antes de nós. Pra além do aprendizado e prazer de trabalhar com os ídolos, esses grandes artistas nos dão notoriedade no meio artístico, a ajuda deles é essencial.
- O uso de instrumentos não convencionais pode ser visto como uma afronta à tradição musical. Como vocês respondem às críticas de puristas da música?
Como diria Aldir Blanc “Até pinico dá bom som, se a criação é mais, se o músico for bom”.
13. Algumas pessoas argumentam que projetos culturais como esse deveriam receber menos apoio governamental e depender mais da iniciativa privada. Qual é a sua opinião sobre isso?
O apoio do governo é fundamental para que a cultura não seja capturada pela dinâmica dos interesses mercadológicos. Por mais que as leis de incentivo à cultura desempenhem um papel importante, os editais públicos conseguem promover uma diversidade maior de projetos e artistas contemplados.