Entrevista: Laylah Arruda, cantora e compositora

1. Laylah, como surgiu a ideia do título Tanto? Ele parece refletir algo pessoal e profundo. Poderia nos contar mais sobre essa escolha?
Tanto é uma palavra que percebi estar presente no meu vocabulário de rotina e comecei a reparar o quanto ela pode ser diversa em si mesma no seu significado quantificador, serve para o muito, serve para o suficiente. Encontrei nela a tradução dos diversos sentimentos que trago nas músicas.
2. O álbum apresenta uma fusão de estilos como reggae, dub, R&B e hip hop. Como foi o processo de criação para unir essas sonoridades mantendo sua essência autêntica?
Morava em mim uma grande vontade de trazer essas influências fundamentais para um trabalho de álbum, afinal é o que me formou como cantora. Eu já havia passado por todas essas vertentes, mas de forma isolada, em singles mais diretamente falando.
Nas trocas com o Marcos Maurício expressei o quanto eu buscava explorar essas linguagens, mas sem perder o que chamamos de “espinha dorsal”, o reggae, o dub, que se tornaram a mais de 20 anos a minha casa, o meu quintal, minha identidade.
3. Tanto explora temas como amor próprio, liberdade e rompimento com ideias pré-concebidas. Como essas questões ressoam com a sua jornada pessoal e artística até aqui?
Eu na maioria das vezes direcionei minhas composições para falar do mundo, ou seja, observar e criticar o entorno (social, político, etc). Percebi que faltava falar mais de mim, afinal, como esse entorno todo me atingiu? Como me faz sentir?
E com isso entender a normalização do meu próprio ser!
De que as outras pessoas passam as mesmas coisas, que eu poderia trocar essas identificações em comum. Por fim eu mesma e quem ouve, nos sentirmos mais parte. Penso que isso conforta, é como um abraço de “você não está sozinha/o” nos seus fantasmas pessoais.
4. Você menciona que este álbum é uma celebração do seu crescimento artístico e como mulher. Qual foi o maior aprendizado que teve ao longo desse processo?
Bem, quando você faz parte de um nicho musical ele te acolhe, te acarinha, te proporciona pertencimento, mas de alguma forma, também nos sentimos cobradas (muito mais da nossa cabeça) de atender a expectativa daquela audiência, há um medo interno de decepcionar e de se arriscar com outras coisas. Foi quando pensei “poxa, já fui tão questionada nessa trajetória”! Por ser mulher, por não trazer uma linguagem Rastafari como a maioria, por lançar reggae e dub numa sonoridade mais digital quando ainda não se fazia tanto, pelo style visual
Aprendi que se cheguei até aqui e bem, com uma carreira que me orgulho, confrontando esses desafios, eu poderia sim me sentir a vontade de fazer as misturas que fizemos em Tanto.
5. As colaborações com Novíssimo Edgar e Samuel Samuca enriqueceram o disco com novas camadas. Como essas parcerias influenciaram a criação das faixas “Run Rasta Run” e “Debaixo do Sol”?
Em uma das conversas com o produtor musical, Marcos Maurício, ele levantou os seguintes pontos: de que crescemos vendo e ouvindo grandes e lendárias canções, que em sua boa parte vinham de composições conjuntas. Até hoje é assim em inúmeros trabalhos musicais. Ele levantou a bola da minha força também como intérprete. E poderia ser legal explorar esse lado, cantar construções poéticas vindas de outras mentes, de outros vocabulários. E chegamos a conclusão de que poderia ser enriquecedor parcerias na escrita.
O Samuca é um irmão da música de muitos anos, nossa vida corrida dificulta os encontros pessoais e é justamente nas canções que a gente encontra um diálogo que mantém nosso convívio, nossa amizade. Ele me leu de um jeito muito lindo em Debaixo do Sol.
O Edgar a gente vinha por meses se encontrando online semanalmente, por conta de eu somar em treinamento vocal pra alguns desafios que ele tinha pela frente e ele foi um porto seguro de lírica, experiência de carreira fora do meu ambiente de costume. Naturalmente fizemos a Run Rasta Run.
6. Como foi trabalhar com Marcos Maurício na produção? Ele já colaborou com grandes nomes e tem um estilo próprio. Qual foi o impacto dele na sonoridade de Tanto?
Foi incrível! O Marcão é um gênio e falo isso sem receios. Fluimos muito bem juntos, diálogos cotidianos, me senti totalmente a vontade de dizer tudo, senti que pra ele também foi assim. E mutuamente sem egoísmos nas construções e ao mesmo tempo sem melindres na discordância.
Ele é base forte, providencial para o disco soar como é.
7. Ao longo da sua carreira, você construiu uma forte conexão com a cultura sound system. Como esse vínculo continua moldando sua música hoje em dia, especialmente em Tanto?
Sim, tenho mais de 20 anos ativa na cena Sound System, que é mais ou menos a idade completa dessa cultura por aqui, portanto vi, vivi e cantei já do começo. É meu lugar, minha casa, meu quintal, meu abraço. Em Tanto levo essa bagagem especialmente no flow, ou seja, na melodia da voz e de certo na maior parte das letras.
8. Você já levou sua música para diversos festivais e palcos pelo Brasil e Europa. Quais foram alguns dos momentos mais marcantes dessas apresentações?
Sim, oportunidades maravilhosas as quais vou destacar, mais recentemente o Cabaret Sauvage, em Paris, onde estive com meu duo, a Feminine Hi-Fi a convite do OBF, um dos projetos artísticos de maior destaque mundial atualmente vindo da nossa cena Sound System. Nessa ocasião já apresentei canções de Tanto que foram muito bem recebidas! Outro grande momento foi cantar a convite do Channel One no tradicional Notting Hill Carnival, em Londres. Esta equipe comemorava seus 40º aniversário, são uma referência e estar com eles, ser bem quista por eles é profundo pra mim.
9. Você enxerga Tanto como um novo começo ou como uma extensão natural do seu álbum anterior, AmaLgaMA? Em que aspectos você sente que evoluiu?
A gente passa a vida finalizando e recomeçando trajetos, histórias e momentos pessoais e profissionais. Sinto que Tanto não tem uma sonoridade contínua ao AmaLgaMA, mas eu não teria feito o disco atual se não tivesse feito o anterior, bem como todos os singles pelo caminho.
10. O álbum é lançado pelo selo Feminine Hi-Fi Records, que tem uma forte presença no cenário de música urbana. Como foi a experiência de lançar Tanto por um selo tão alinhado com a sua visão artística?
O selo faz parte de mim, do que acredito, do que movimento. Portanto é um sensação de tranquilidade se sentir plenamente a vontade de soltar o trabalho para o mundo por um selo que vai ajudar a edificar sem deturpar vontades. Um álbum é trabalho, mas conta muito da nossa pessoalidade, violar isso pode ser dolorido. É bom sentir essa segurança ideológica.
11. Para você, o que significa a música como ferramenta de transformação e autoconhecimento? Como isso se reflete nas faixas de Tanto?
Música é unânime, todo mundo escuta, faz parte da construção social da humanidade. Cria propósito e molda pensamentos individuais e coletivos.
Esse poder que a música tem me encanta e de algum modo até me amedronta, acho que existe uma grande responsabilidade nisso.
Tanto coloca a mim como pessoa para fora, mostra a minha construção humana, minha história pessoal. Olhar pra mim, falar comigo e de mim, expressando em música, foi meu desnude, é aí que está o autoconhecimento. Botá-lo pra fora e perceber que as pessoas se identificam foi objetivo alcançado.
12. Que mensagem você espera que o público leve ao ouvir Tanto?
Não tenha medo de ser você.
Saiba que problema todo mundo tem, a maioria injustos e vindo das desigualdades do mundo, mas leve o aprendizado do seu problema e não a perpetuação do sofrimento que isso te causou, ensine-se com isso, para que não permita e nem tenha tolerância nunca mais com o com o que te machuca.
Fuja das ciladas e ame-se como você é. Você é única/o/e não existe em ninguém no planeta a combinação de qualidades e particularidades que existe em você. E é a diferença unitária que acaba sendo nosso lugar comum.
Tanto é sobre mim, o que por consequência faz ser sobre nós.