Entrevista: Janu, cantor

Entrevista: Janu, cantor

1. Como foi o processo criativo por trás de “10 Super Sucessos – Vol. 1”? Quais foram as principais influências?

Sofrido e prazeroso, rs.

Influências diretas em Reginaldo Rossi, Borba de Paula, Beto Barbosa e nos clichês bons desse lado da música popular brasileira. Além de, claro, vários artistas latinos, de Hector Lavoe a Natalia Lafourcade. Apesar de não ter tanto no álbum, ouvi muita cumbia durante o processo. O que me ajudou muito também foi uma viagem que fiz pela América do Sul em 23, vivenciando muita coisa que, inclusive, desembocou nas canções.

2. Você pode nos contar mais sobre como surgiu a ideia de fundir ritmos como bachata, bolero, tango e cúmbia neste álbum?

Eu sempre curti muita música latina, além de entender que o ritmo “Brega” também é o que vem da música latina: bachata, bolero, tango, algo da cumbia. Eu particularmente acho que em algum momento a elite da MPB designou que os ritmos latinos se enquadram na música Brega (acho que porque o Caetano não deu com sua espada nos ombros dos sacerdotes latino populares, rsrs.)
 
E tem o Norte do nosso País que sempre foi bem rico nessas cores. Hoje em dia até que está mais divulgado e segue influenciando vários novos artistas maravilhosos, ouço muitos.  O brega ainda não conseguiu uma unanimidade. Hoje  a Marília Mendonça, o Gustavo Lima, O Pablo, o Felipe Cordeiro, a Banda Sentimentos, a Pablo Vitar, os Los Hermanos em Veja Bem Meu Bem, esses e muitos outros sabem que Brega não é mais sinônimo de cafona: é um exagero dramático com muita qualidade musical.

3. O que significa para você explorar as raízes latinas e o exagero dramático do brega em sua música?

Explorar as raízes latinas e o exagero dramático do brega é uma forma de celebrar a diversidade e a riqueza emocional desse gênero. É uma busca em desmistificar os preconceitos que cercam o brega, mostrando que ele possui uma qualidade musical comparável a outros estilos populares, sim.  É enxergar o brega não apenas como uma música de desilusões amorosas ou exageros dramáticos, mas como uma expressão autêntica e profunda das tradições sociais – papo cabeçudo, né, mas vejo assim. Vejo o nosso brega como uma manifestação do sentimento humano em sua forma mais pura e exagerada, o que lhe confere uma beleza e uma autenticidade únicas. Essa exploração é uma maneira de valorizar e (continuar) revitalizando um gênero que muitas vezes é subestimado, trazendo à tona sua complexidade e seu potencial artístico.

4. Como foi trabalhar com artistas como Gonzalo Vieira, Llari Gleiss e Vitória Rodrigues? Como essas colaborações enriqueceram o álbum?

A Llari Gleis canta “Eu ñ quero reggae com vc”. Essa música eu fiz há uns anos atrás, que a própria me pediu pra fazer parte de um trabalho dela. Foi uma música que simplesmente saiu de uma vez. Ela chegou a gravar, ficou algo meio reggae meio lambada francesa. Chegou a iniciar a gravação de um clipe, mas não concluiu e depois me disse que demoraria a lançar (espero que ela lance a versão dela também, ficou linda). Ai no processo da(s) historinha(s) do disco, a música me veio nessa versão que vocês estão ouvindo e caiu bem no conceito.

O Gonzalo Viera é um argentino, de buenos aires (ao menos o conheci lá). Estava por lá num encontro daqueles com as alagoanas Fernanda Simões (fotógrafa), LoreB (cantora) e sua companheira Lia. Fernandinha tava morando lá. As meninas estavam lá na mesma semana que eu estaria passando pela Argentina. Saímos juntos. Eu disse que a Argentina me influenciou bastante e um desses momentos foi no El Boliche de Roberto – indico para todos que um dia passarem por lá. Nesse dia, Gonzalo cantou no meio do bar (é uma tradição de lá). Achei bonito que ele, sem microfone ou caixas de som,  acompanhado de dois brilhantes violonistas, foi ouvido atentamente por todos que estavam lá. Eles cantando algum derivado do tango e eu vendo o brega nos dedilhados. Acabou que trocamos ideia, saímos todos juntos para um lugar chamado La Catedral – uma espécie de lugar que aparentava ser uma igreja de um período pós apocalíptico transformada em um salão de tango por um grupo de teatro liderado por revolucionários da arte de vanguarda, rsrs. Sim, o lugar é um “exagero dramático” por si só. E lá dentro – e por situações que a letra da música tem nos repetido a passar, eu comecei a compor a música gravando o áudio no celular. Quando terminei a música, por aqui em Alagoas, ja gravadinha e pensando em tudo isso, entrei em contato com gonzalo, nos tinhamos no insta e rolou. Ele gravou a voz em um estúdio da argentina.

Vitória Rodrigues é uma coisa. Uma atriz maravilhosa, cantora e compositora também. Essa é a única música parceria com outra pessoa do disco, uma vez que ele acaba sendo bem íntimo nas histórias. Fazia um tempo que “brincávamos” juntos. Participamos de shows um do outro em Alagoas e no Rio de Janeiro. A gente se encontrou algumas vezes nesse meio tempo e nem falamos muito dessa música. Produzindo o disco, procurei muito outras letras, mas um dia, gravando uma das músicas, simplesmente cantarolei essa e deu aquele plim – gravei tudo dela em uma noite. Dei uns pitacos na letra, que é da maior parte da Vitória, foi que vi o quando ela se encaixava no contexto das outras. Ai simplesmente rolou: alô, vitória, oi janu, bó gravar essa, oxe, quando?, fechou.

5. “Me Ignora” é uma das faixas que chama bastante atenção. Qual é a história por trás dessa canção?

Respondi acima, falando da participação do Gonzalo. Mas, completando, Me Ignora” aborda a frustração e o desejo do eu lírico por atenção e afeto. A canção transita entre o tango, o bolero e o brega brasileiro, refletindo sobre os erros cometidos e o aprendizado a partir deles. E aquela inspiração em experiências pessoais e na atmosfera dramática dos gêneros envolvidos

6. Você mencionou que queria desmistificar algumas concepções sobre o brega. Pode falar mais sobre essa intenção e como isso se reflete nas músicas?

É meio que  mostrar que o brega não é sinônimo de música de baixa qualidade ou cafona, mas sim um gênero musical rico e complexo, com uma profundidade emocional e um apelo dramático, enfim, tão falado aqui. É sobre uma celebração das emoções humanas em sua forma mais exagerada e sincera, refletindo as alegrias e tristezas cotidianas de maneira autêntica – e teatral ao mesmo tempo. Shakespeare era bem brega.

Não que desmistificar o brega seja uma missão pessoal e artística. Tem a ver com reavaliar  percepções e se abrir pra beleza e a complexidade do brega. E o que ele realmente é: uma expressão legítima e valiosa da cultura popular, cheia de paixão e autenticidade.

7. Como foi a experiência de gravar em várias cidades, incluindo Arapiraca-AL, Maceió, São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Grötzingen na Alemanha?

Gravar em várias cidades permitiu incorporar diferentes influências musicais ao álbum. Cada local trouxe uma boa perspectiva e deu-se em viagens que acabei fazendo e unindo o útil ao agradável, enriquecendo o som final do projeto. É uma das coisas boas em lidar com arquivos digitais, que podem se trabalhar de qualquer lugar.

8. Pode nos falar sobre a faixa “Eu Ñ Quero Reggae com Vc” e a escolha de usar o reggae para expressar o tema da canção?

Respondido na pergunta 4, mas complementando: 
Em Alagoas, e talvez em outros lugares do nordeste, quando usamos um “Ih, vai dar reggae não isso ai” quer dizer que não vai rolar, não vai acontecer. Dai, por isso. Uma gíria nordestina.

9. Qual foi o papel de Paulo Franco (Gato Negro) na produção do álbum e como ele influenciou o som final?

Paulo Franco (produtor, com um trabalho solo lindo e outro tão quanto com a Gato Negro) foi fundamental na produção do álbum, contribuindo com a gravação de guitarras e outros instrumentos. Sua experiência e visão ajudaram a moldar o som final do disco, trazendo uma coesão e qualidade que foram essenciais para o projeto. Somos parceiros de produção desde o meu anterior, o Miolo do Oxente.

10. Como foi a experiência de ter Júnior Evangelista na masterização do álbum?

Ter Júnior Evangelista na masterização foi uma experiência muito positiva. Ele  é um profissional premiado, Arapiraquense, e sua habilidade garantiu que o som do álbum fosse polido e de alta qualidade, contribuindo para o resultado final. Já trabalhamos outras vezes e nunca me arrependo.

11. Se pudesse ser um instrumento musical, qual seria e por quê?

12. Como você descreve seu estilo musical para alguém que nunca ouviu sua música?

Brega. Pra galera mais cabeçuda eu falo que é Música Popular Latino Americana.

13. Se pudesse escolher qualquer lugar no mundo para um show, onde seria e por quê?

Cusco. Fiquei apaixonado por tudo lá. Vi um show dos Los Mirlos, vey. Adoraria voltar lá me apresentando.

14. Você acha que o brega ainda enfrenta preconceito dentro da indústria musical? Por quê?

Acredito que o brega ainda enfrenta um pouco de preconceito dentro da indústria musical – apesar dos vários artistas que vem trabalhando nele também. Esse preconceito está enraizado em um histórico pejorativo que remonta às décadas de 1940 e 1950, quando o brega era muitas vezes associado a música romântica popular de baixa qualidade, tocada em ambientes considerados menos respeitáveis, como cabarés (que eram chamados de ‘bregas’ no norte-nordeste) . O termo “brega” passou a ser utilizado de forma depreciativa, rotulando essa música como cafona e deselegante.

Essa visão reducionista do brega ignora a riqueza emocional e a profundidade musical que o gênero pode oferecer. A música brega lida com temas universais de amor, desilusão e saudade, e sua capacidade de expressar esses sentimentos de maneira intensa e direta é uma das suas maiores forças. No entanto, percebo que há uma mudança positiva em curso. Nos últimos anos, o brega tem ganhado reconhecimento e respeito, tanto dentro da indústria musical quanto entre o público. Artistas contemporâneos estão revalorizando o brega, incorporando elementos modernos e explorando novas fusões de ritmos que ampliam seu alcance e aceitação.. É necessário um esforço contínuo para educar o público e a indústria sobre a verdadeira natureza do brega e sua capacidade de evoluir e se reinventar.

15. Algumas pessoas criticam o brega por ser emocionalmente exagerado. Como você responde a essas críticas?

O amor popular é exagerado, dramático, possessivo, drástico, conservador – cheio de falta de amor próprio, kkk, mas é bem isso. Pode ser devido a criação familiar e social do achar que nunca mais teremos ou sentiremos aquele sentimento por outra pessoa, junto as tradições da época, de casar e passar a vida, isso corroborava com a coisa, sabe.  Destaco ainda que o exagero dramático é uma característica fundamental do brega, semelhante a outros gêneros emocionais e populares. Vejo essa característica como uma força, não uma fraqueza, e acredito que ela contribui para a profundidade e impacto emocional da música.

16. Você acredita que a fusão de ritmos latinos e brega pode atrair novos públicos ou afastar os fãs tradicionais?

Esse é o ponto: o Brega brasileiro já é uma união de vários ritmos latinos.

Acredito que a fusão de ritmos, sejam eles quais forem, sempre possuem o poder de de atrair e unir novos – e velhos, públicos..

17. Olhando para trás, como você avalia sua evolução musical desde “Miolo do Oxente” até agora?

Vejo uma evolução significativa em meu trabalho desde “Miolo do Oxente”, destacando que “10 Super Sucessos – Vol. 1” é mais orgânico e diversificado – enquanto o miolo é muito mais eletrônico. Continuei explorando a relação entre o pop e o popular, aprofundando-me nas raízes latinas.  Mas ainda estou sentindo o que fiz nesse último trabalho. Acho que com o tempo te respondo melhor.

18. Quais são os maiores desafios que você enfrentou na sua carreira até o momento?

Colocar conceito nas músicas, rs. Seria bem mais fácil ceder à futilidade boa da criação.

19. Quais são seus próximos passos e objetivos na música após o lançamento de “10 Super Sucessos – Vol. 1”?

Chegar nas pessoas e responder entrevistas legais como essa. 🙂

marramaqueadmin