Entrevista: Fabiana Lian e Juliana Negri de Mello

1. Como surgiu a ideia de transformar 10 anos de sala de aula na On Stage Exp em um livro?
FABIANA: Na verdade eu conto isso no prefácio. Uma das pessoas que eu mais respeito na indústria da música, o Pena Schmidt, usou nosso material em uma aula e falou que aquilo poderia ser um livro. Fiquei pensando sobre isso e a ideia estava meio encaminhada na minha cabeça quando me inscrevi no PROAC para publicações em 2023. Passamos com uma nota super alta, mas por conta da reestruturação na empresa e muitas coisas em andamento, só começamos em 2024 – o ano em que celebramos 10 anos e mudamos o direcionamento de marca. Faz todo o sentido, como uma consequência lógica, publicar hoje o material construído em salas de aula, pesquisa e conversas. Neste ano, além dos 10 anos de existência, estamos mudando o direcionamento de marca. Acho que é um presentaço!
2. O que diferencia “Enquanto Você Toca” de outras obras sobre o showbusiness?
FABIANA: Em primeiro lugar, o fato de ser um material didático, com o bê-a-bá desse universo abordando quase todas as áreas. Não há muitas publicações para quem quer entender o passo a passo desse mercado. Tem publicações falando de áreas específicas, como o livro da Leslie Pierce – TEATRO MUSICAL – Guia Prático de Stage Management. Personagens importantes do showbusiness já escreveram suas histórias- eu li todos: Paulo Baron, Luiz Oscar Niemeyer, Dodi Sirena, Roberto Medina, mas aqui a gente juntou tudo: a evolução de um material didático testado em sala e em campo nos últimos 10 anos e comentários, anedotas e contos de quem vive e respira show ao vivo. É técnico, mas muito humano.
JULIANA: O que diferencia “Enquanto Você Toca” de outras obras sobre o showbusiness é, antes de tudo, o fato de ser uma obra inédita no mercado brasileiro. Embora existam muitos títulos sobre o tema fora do país, nenhum traz o enfoque e a profundidade que oferecemos aqui. Como bem menciona a Fabi, as obras existentes no país são mais autobiográficas, e por isso, não oferecem uma ampla visão do cenário e da cadeia produtiva da música no Brasil. Além disso, incluímos um farto material didático, resultado de 10 anos de experiência e constante atualização das informações sobre o comportamento do mercado e as metodologias aplicadas pelos profissionais de produção no Brasil. Esse conteúdo exclusivo torna o livro uma referência única e indispensável para quem deseja entender o showbusiness sob uma perspectiva genuinamente brasileira.
3. O que vocês esperam que o leitor leve da experiência de leitura do livro?
FABIANA: Eu quero completar meu plano de dominação do mundo e fazer com que toda a população fique viciada em Showbusines (brincadeira)! Quem já é do mercado, provavelmente vai pular algumas páginas da parte didática ou tentar confirmar o que sabe e aprender algumas novas. Mas com certeza, vai se identificar em muitas histórias e teorias dos autores e entrevistados e talvez renda boas risadas, caia uma lágrima ou algum sentimento de concordância ou discordância. Para quem não é da área, além de um manual bastante eficiente, queremos mostrar que tudo o que vimos acontecer na história recente do Showbusiness foi tijolo a tijolo, ou melhor, case a case, feito por esses personagens que trouxemos em relatos, entrevistas e dicas
JULIANA: Esperamos que o leitor leve, acima de tudo, um conhecimento profundo e muito mais prático e menos glamourizado sobre o funcionamento do showbusiness no Brasil. A ideia é que a experiência de leitura vá além da teoria, e forneça insights, pensamento crítico e ferramentas que possam ser aplicadas diretamente no dia a dia de quem trabalha ou deseja trabalhar na área. Como autora do material didático, meu objetivo foi criar um conteúdo que não só informa, mas também inspira e fomenta debates, contribuindo para a formação de profissionais mais preparados, criativos e conectados às realidades do mercado brasileiro.
4. A adaptação do material didático para um formato de livro exigiu mudanças significativas? Quais foram os maiores desafios?
JULIANA: Sim, e foram alguns desafios. Eles surgiram porque nosso material de curso é mais aberto, atualizável a qualquer momento e utiliza uma linguagem informal e lúdica, que incentiva debates entre professores e alunos. Transformar tudo isso em algo com mais cara de livro exigiu um tempo maior de adaptação. Além disso, o processo de tracking de citações, números e dados que utilizamos foi desafiador, já que era necessário garantir que o conteúdo não ficasse datado, mantendo sua relevância e qualidade de uma obra que pode ser usada como referência acadêmica / didática.
5. Como foi trabalhar com tantos colaboradores e alinhar perspectivas tão diversas no livro?
FABIANA: Viche! Foi uma grande batalha . Foi muito prazeroso, e muito difícil. Em primeiro lugar, teve convidado que não conseguiu fazer, teve gente que surpreendeu em seus relatos. Precisamos fazer várias escolhas no meio do caminho, e chegamos a um momento de chacoalhão da nossa editora Mirna, da Plataforma 9, dando a real: Chega! É hora de fechar. Não tínhamos mais prazo nem orçamento. Se me deixassem eu queria convidar mais um monte de gente, queria mexer mais nos textos. Ainda assim, o livro ficou bem maior do que havíamos aprovado no edital. O exercício de edição foi desafiador, pois não temos a pretensão de ser uma obra da alta literatura e sim ser fiel à realidade destes trabalhadores da indústria. Então era importante manter a voz daquela pessoa de backstage, que é nossa grande estrela no livro.
6. Por que incluir histórias autobiográficas e entrevistas foi essencial para o projeto?
FABIANA: Depois dos trágicos anos da Covid-19, nós vimos o quanto nos custa a nossa invisibilidade. Não estou falando só sobre estar de preto e misturado à paisagem do palco e coxia. Muitas pessoas morreram, outras mudaram de rumo, por se veem desatendidas, desvalorizadas e invisíveis para o resto do mundo e para o poder público. No momento em que vivemos tempos revigorados no entretenimento é essencial humanizarmos, contarmos a história, mostrarmos as visões diversas. Só assim nós vamos valorizar um setor que é feito de disciplina, estratégia, suor e longas jornadas.
7. A representatividade de mulheres e grupos sub-representados no setor foi um ponto destacado no projeto. Como foi realizada essa curadoria de vozes?
F- Nós procuramos trazer pessoas, na medida do possível de posicionamentos diversos e realidades econômicas variadas. Nosso mercado é bastante fechado, mas enquanto observadores críticos temos que trazer um recorte racial e de gênero para a mesa.
8. Que impacto vocês esperam que o livro tenha na inclusão e humanização do mercado de entretenimento?
FABIANA: Os livros serão distribuídos gratuitamente para uma cuidadosa seleção de bibliotecas em várias entidades culturais, universidades e escolas ligadas à música e eventos. Imaginamos que com isso, alcançamos um público que nós não temos naturalmente na em nosso radar. Além disso, há nos textos um olhar crítico sobre a falta de inclusão nas grandes produções. Esperamos que isso ecoe também em quem faz esse mercado acontecer.
9. Vocês mencionam que o mercado brasileiro tem um “sotaque único”. O que isso significa na prática, e como isso é abordado no livro?
FABIANA: Temos um público especialmente caloroso e apaixonado. Um exemplo que eu adoro vem de 1985, quando Fred Mercury teve um dos momentos mais marcantes da sua vida no palco onde 100 mil pessoas cantaram Love Of My Life com ele. Um parêntese intrigante aqui: hoje, 2024 4% da população têm inglês intermediário ou fluente. Imagina em 1985. Não falávamos inglês, mas falamos muito bem MÚSICA. Do ponto de vista do negócio e da produção, nós aprendemos muito com o mercado estrangeiro de shows que “inventou o showbizz”. Mas brasileiro é bom de público, é bom de jogo de cintura, de negócio e gerenciamento de crise. Hoje, além de termos um mercado bastante desenvolvido e com características próprias, temos inúmeros profissionais e empresas arrasando no showbusiness mundo afora.
10. Quais habilidades ou conhecimentos o livro busca destacar para quem deseja ingressar ou se consolidar no setor?
JULIANA: O livro busca destacar uma série de habilidades e conhecimentos essenciais para quem deseja ingressar ou se consolidar no entretenimento ao vivo. Entre eles, enfatizamos a importância da gestão de produção, o planejamento estratégico de eventos, o relacionamento com stakeholders e a compreensão das especificidades do mercado brasileiro. Também exploramos temas como logística, contratos, marketing e comunicação, que são igualmente importantes e representam custos de produção significativos. Além disso, o livro incentiva o desenvolvimento de habilidades interpessoais, como a capacidade de resolução de problemas, trabalho em equipe e criatividade, todos fundamentais para lidar com os desafios desta indústria, tão dinâmica e em constante evolução.
11. Fabiana, o que mais marcou sua trajetória pessoal como produtora e educadora ao longo desses anos?
12. Juliana, como foi transformar o sonho de ter um livro publicado em realidade?
JULIANA: Olha, foi um processo desafiador, mas extremamente gratificante. Ver todo o conhecimento que acumulei ao longo dos meus anos trabalhando em produção se transformar em um projeto tão completo foi emocionante; muitas lembranças vieram à mente durante esse processo. Teve muito trabalho envolvido — desde a organização e atualização dos nossos conteúdos até o cuidado em garantir que cada detalhe fizesse sentido cognitivo para o leitor. Foi uma jornada de dedicação, revisões constantes e, acima de tudo, de paixão pelo showbusiness e pela educação. Poder compartilhar essa obra com o público é a realização de um sonho e uma forma de contribuir para o crescimento da indústria no Brasil. E claro, como eu possuo formação em jornalismo, essa obra tem, em certa medida, um tom de grande reportagem, o que também é o sonho realizado de todo foca.
13. Que novas iniciativas vocês planejam para expandir a metodologia da On Stage Exp?
FABIANA: Olha.. é bem capaz que eu me anime com o negócio editorial. Tem muita coisa que precisa ser publicada ainda. Além disso, seguimos em parcerias com Fábricas de Cultura, prefeituras e entidades para expandir o conhecimento para fora da bolha da classe média dos bons bairros das capitais e, queremos partir para cursos em outras cidades, a exemplo do que fizemos em Belo Horizonte.
14. Vocês acreditam que a profissionalização do setor tem acompanhado o crescimento da indústria de entretenimento no Brasil?
FABIANA: Não. Somos poucas escolas ainda no mundo todo. E a demanda alucinada por profissionais cresceu muito no pós pandemia. Não por acaso, 58,2% dos nossos alunos estão no mercado.
15. Como a On Stage Exp tem contribuído para mudar a forma como o showbusiness é percebido e praticado no país?
FABIANA: Até 2019, a percepção da On Stage pelo mercado era branda, mas vários atores já nos incentivaram e contribuíram com nosso trabalho. Neste pós-pandemia, em que nos apresentamos como um atalho para trazer profissionais preparados para atuar, chegamos a um lugar hoje , sem cabotinismo, onde nós somos uma referência no Brasil e em algumas partes do mundo.
16. O que foi mais gratificante no processo de criação do livro?
FABIANA:Ler as histórias das pessoas que conheço da estrada e poder ouvir a voz delas dizendo aquilo me deu uma segurança de que temos um material honesto e sensível.
17. Como vocês enxergam o impacto do livro e da On Stage Exp no mercado de entretenimento nos próximos anos?
FABIANA: Eu acho que nós teremos volume 3, 4, 5.. ( já estou pensando com cabeça de editora!) Esse mercado não é estático. Creio que os processos se manterão os mesmos. Mas as relações de trabalho, tecnologias, entendimentos mudam constantemente. Acho que em nosso primeiro livro, estamos mostrando um caminho das pedras de fácil compreensão, e de quebra nossos humanos vão seduzindo o leitor. Imagino que se chegarmos aos lugares certos, teremos bons atalhos para a profissionalização e uma perspectiva mais ampla para quem está ingressando. Dá para sonhar com um Brasil onde apareçam profissionais mais letrados em todos os cantos.
18. Se pudessem dar um conselho para jovens profissionais que estão começando no showbusiness, qual seria?
FABIANA: Nos dias difíceis, estressantes de produção, lembre o porquê de você fazer o que faz. Lembre do arrepio que você sente no primeiro acorde e na respiração presa da plateia.
JULIANA: O principal conselho que daria é: nunca parem de aprender e de se adaptar. Essa é uma indústria dinâmica, que exige resiliência, criatividade e, acima de tudo, a capacidade de resolver problemas rapidamente. Busquem entender todas as etapas da produção, desde o planejamento até a execução, e estejam sempre atentos às tendências do mercado. Além disso, cultivem bons relacionamentos, porque o networking é fundamental nesse meio. E, por fim, sejam apaixonados pelo que fazem — é essa paixão que vai impulsionar vocês a superar os desafios e se destacar na carreira.