Entrevista: Fabiana Ratti, psicóloga, psicanalista e mestre em Psicologia pela PUC-SP

O livro busca responder por que ainda sofremos tanto por amor. Qual é a sua principal conclusão sobre esse sofrimento na era dos relacionamentos líquidos?
As pessoas querem tudo de forma muito imediata, como se tudo fosse imediato como na internet. Saiu uma vez e já se perguntam: será que ele(a) me ama? Não buscam ter o trabalho de conquistar, conhecer, enfrentar as diferenças. Esperam que tudo seja imediatista, indolor, harmônico e sem esforço. No primeiro impasse, a relação se desmancha.
Como você define os impactos da vida amorosa na saúde mental das pessoas, especialmente no contexto contemporâneo?
Penso que tem muito impacto, mas as pessoas não necessariamente relacionam, conectam essas duas ideias: amor e saúde mental. Por um lado, relatam suas aventuras sexuais e, por outro, choram no divã por sentirem vazio e tristeza profunda, mas têm dificuldade de conectar causa e consequência. Pensam que o ser humano deveria viver apenas de hedonismo, pois satisfaz os prazeres corporais, mas o emocional grita.
A pesquisa Love Life Satisfaction de 2025 indica baixa satisfação amorosa entre brasileiros. Que fatores culturais ou sociais você acredita que influenciam esse cenário?
Um fator muito relevante é o mundo das satisfações imediatas: álcool, drogas, sexo, jogos eletrônicos, redes sociais e mesmo, séries em excesso. Por que enfrentar um relacionamento que dá trabalho? Exige esforço? Precisa de conversa, dedicação, abrir mão, compor? Para quê isso se a demanda atual é a satisfação a qualquer custo? Usufruir. Gozar. Curtir. Não importa o nome da pessoa, o lugar em que estão, a relação que o indivíduo estabelece. A ordem é gerar satisfação sensorial.
Quais são os principais desafios que os relacionamentos enfrentam em 2025, considerando as novas dinâmicas de liberdade, independência e amor líquido?
Para a psicanálise lacaniana, a questão é a dificuldade de criar laço. Comentamos sobre os outros séculos com casamentos arranjados em laços políticos e sociais hipócritas, e neste, que temos independência financeira e liberdade de escolha, por que não construir vínculos que venham do coração?
Mas alguns estão preferindo a liberdade do ‘desenlace’. Tudo pode ser jogado fora de uma hora para outra, causando dor e muita angústia. No consultório, muitos buscam tratamento, exatamente para batalhar pelo encontro de algo mais duradouro. É o sonho de muitos ainda hoje.
Como a psicanálise de Freud e Lacan ajuda a compreender os impasses emocionais e sexuais dos relacionamentos modernos?
O primeiro ponto é o tratamento. Quando fazemos análise, o aparelho psíquico fica fortalecido e o sujeito consegue nomear quem ele é e qual seu desejo. Assim, ele para de ser uma folha ao vento, que vai na onda de qualquer pessoa e passa a ficar mais firme do que realmente é importante para ele. O segundo ponto é que o sujeito deixa de se divertir apenas com as satisfações sensoriais e imediatas e passa a construir sua vida, degrau por degrau, mesmo que as realizações cheguem apenas a longo prazo como a conquista de um diploma e a construção de um lar. E então, o sujeito consegue fazer suas escolhas, para além das ofertas fantasiosas de satisfação momentânea e consegue amadurecer para enfrentar questões sérias que existem em todos os relacionamentos. As pessoas se abrem para compor, para conversas difíceis, para impasses familiares. Crescimento, maturidade e coragem para enfrentar uma vida de construção e realizações e não apenas de prazeres momentâneos que levam ao vazio e à solidão.
No livro, você explora o impacto de aplicativos de relacionamento, sexo fácil e expectativas idealizadas. Como esses elementos afetam a construção de vínculos afetivos saudáveis?
Primeiro coloco que os aplicativos revolucionaram o modo de encontrar pessoas e também já acompanhei diversos relacionamentos sérios e casamentos tendo início com aplicativos. É uma forma excelente de fazer novos contatos. Mas, como tudo tem dois lados, muitos deixam de investir em relacionamento, discutir a relação e amadurecer alguns pontos com o parceiro, pois podem encontrar uma pessoa ainda mais bonita, mais atraente e sem tantas chatices para dividir aquele momento. Entretanto, é idealização pois a saúde mental grita, pois ela tem uma lógica diferente da racional. Muitas vezes a pessoa não faz a conexão, não entende. Se ela está curtindo tanto, por que não está bem?
Você aborda o amor em diferentes esferas: romântico, familiar, amizades e trabalho. Existe diferença na forma como o sofrimento se manifesta em cada uma dessas áreas?
No amor, no casamento, na relação à dois e na sexualidade, o imaginário é elevado à décima potência. Desta forma, o tombo e a desilusão se intensificam de maneira desproporcional. E esta é uma das maiores dificuldades em lidar com esta esfera emocional da vida. Tudo fica superdimensionado. Uma palavra, um olhar, as juras de amor tomam uma potência estratosférica. O ser humano não consegue raciocinar, as pessoas não encontram palavras. Por um erro simples ou uma desatenção, é fácil vir a raiva, o ódio, a revanche. Quando um amigo diz: “te ligo mais tarde”, e não liga, escreve somente dois dias depois. Não tem importância. É perdoável. Quando o amigo diz que vai e, na última hora, não comparece, pode ser chato, mas é perdoável. Se um amigo diz que a roupa não está bonita, pode ajudar. Quando esses mesmos exemplos acontecem em um relacionamento afetivo, a ‘casa cai’. O parceiro sente como um punhal direto no coração. Como um desprezo. Um descaso. Tudo toma outro peso. Causa dor, gera mágoas e rancores. Pode vir o sentimento de vingança. A convivência intensa é outro fator importante diferente de um vínculo do trabalho ou de amizade. Nas relações familiares entre filhos, mães e pais as questões são também bem intensas, mas essas ficarão para outro livro.
Quais são os dez motivos mais comuns que você identifica para as dificuldades nos relacionamentos atualmente?
No penúltimo capítulo reunimos mais de 10 questões que dificultam os relacionamentos afetivos e o ego/narcisismo, com certeza estão no topo da lista. Para haver relação com o outro, é preciso abrir mão do ego, entretanto, manter a personalidade, saber se defender e se posicionar. É um exercício que merece reflexão. Depois, sair do imaginário e da telepatia. Muitos dizem: “se ele(a) me ama, deveria perceber o que eu quero”. Esse é um passo para o fracasso do relacionamento. É preciso colocar em palavras, fazer a ponte com o outro para o relacionamento funcionar. Senão, vira uma bola de neve de mal-entendidos. Vale a pena ler para descobrir os outros.
Como as peças de Nelson Rodrigues contribuem para a compreensão psicanalítica do amor e da sexualidade?
Nelson Rodrigues é genial em colocar no palco a essência humana. O que ele relata na década de 1950/60 vemos hoje vividamente no divã. O artista antecipa a ciência, dizia Freud. Como nos Cafés com Freud e Lacan vol. 2 e vol. 3 citamos peças de Nelson Rodrigues, ao falarmos sobre amor e sexualidade, não podemos deixar de lançar mão do dramaturgo brasileiro modernista, tão conhecido por suas peças obscenas. Desta maneira, neste livro, trabalhamos com: Vestido de noiva (1943/1981) e A Serpente (1980/1981). Nelson Rodrigues correspondem aos registros do inconsciente de Lacan, o ponto central é que o dramaturgo captura a não linearidade do emocional. O quanto o emocional funciona de forma diferente do racional e, como todos sabemos, sentimentos antagônicos coabitam o emocional. Amor e ódio, medo e coragem, compaixão e inveja, sentimentos hostis e de caridade, de atração e repulsão, podem coabitar o mesmo espaço, trazendo grande confusão interna ao ser humano. O diálogo do dramaturgo aparece com frequência nas sessões de análise, assim, para proteger o sigilo, recorremos às peças para falar o que está escancarado na sociedade.
O livro discute temas delicados, como narcisismo, guerra dos sexos e queda do patriarcado. Como você sugere que leitores integrem essas reflexões em suas vidas pessoais?
Como não é um livro motivacional e de auto-ajuda, existe muito conteúdo psicanalítico, conceitos e recursos que as pessoas, através dos exemplos, podem se identificar e utilizarem para suas vidas.
Qual conselho você daria para quem deseja ter uma vida amorosa mais satisfatória e equilibrada, sem perder autonomia emocional?
Sem dúvida, faça análise. Cuide-se, busque tratamento e ajuda. A vida não é para amadores. Ela tem desafios, e quanto mais os enfrentamos, mais crescemos e nos tornamos outras pessoas. A vida é escrita à caneta e não à lápis, não podemos voltar no tempo. Não podemos refazer o que está feito. Desta forma, temos de ter responsabilidade, cuidado e atenção. É nossa vida. Vejo frequentemente no divã, pessoas levando a vida como se fosse uma grande festa ou um passatempo. Quando percebem a seriedade e a responsabilidade do que perderam, o sofrimento é avassalador. Responsabilidade com a própria vida, ajuda muito a não entrar em severos sintomas emocionais.
12. Além deste livro, quais são seus próximos projetos na psicanálise e na divulgação de conhecimento sobre saúde mental?
Ah, temos vários outros livros na lista. São quase 30 anos de formada e muitas experiências. O próximo será sobre sonhos e o quanto não valorizamos os nossos próprios processos internos. Tudo o que não é racional é bobagem em nossa sociedade: sonhos, atos falhos, sentimentos ruins… tudo precisa ser jogado fora. As pessoas têm dificuldade em parar, pensar, incluir e refletir sobre seus próprios sentimentos e pensamentos. Todos os livros Café com Freud e Lacan são para convocar a sociedade a refletir.