Mulheres assentadas: mães de todas as lutas

Os relatos que constituem esta obra, da jornalista Tamiris Volcean, pintam um quadro realista e comovente da vida das mulheres assentadas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Enquanto reconstituem trajetórias individuais de sofrimento e resistência das mulheres assentadas, as falas ainda perfilam momentos históricos das lutas agrárias no Brasil, como o da repressão no campo durante a ditadura civil-militar (1964-1985).
Entre um e outro café doce coado, Volcean colheu depoimentos de mulheres de três assentamentos no interior do estado de São Paulo: Horto de Aimorés (Pederneiras e Bauru), Zumbi dos Palmares (Iaras) e Boa Esperança (João Ramalho). Por meio dessas narrativas, ela construiu, neste livro, a saga do “nascimento da mulher assentada”.
São histórias de transformação de esposas submissas e oprimidas em agricultoras donas de seu destino, de mulheres passivas em sábias lideranças sociais, forjadas em anos de luta renhida, na verdade sua única opção disponível.
A obra retrata a faina das assentadas desde sua adesão ao movimento. Passa por sua vida rústica nos acampamentos, em meio à violência policial e, algumas vezes, doméstica. Descreve a precariedade da vida familiar sob barracas de plástico, sempre provisórias, permeáveis a chuvas, calor e frio extremos, desprovidas de água e energia elétrica. Expõe a dor da peregrinação forçada, do preconceito, da discriminação social, do abandono pelos poderes públicos. Trata da angústia de ter fome e do desespero de ver os filhos com fome. Conta da longa espera por um título de terra, única garantia para o assentamento definitivo e o começo, de fato, da lida no campo, com seus ciclos de novas incertezas.
Já idosas, as assentadas pioneiras, que abriram as portas a uma nova configuração dos papéis de gênero no MST, se orgulham das conquistas, mas padecem da saúde, abalada pela aridez dos dias e o trabalho pesado. É, porém, a falta de perspectivas para seus descendentes e seus pequenos negócios o que mais as aflige.
O retrocesso, nos últimos anos, das políticas públicas de apoio à agricultura familiar e a ausência, nos assentamentos, de serviços públicos essenciais, como escolas, tem levado seus descendentes a reiniciar o ciclo de volta às cidades, de onde boa parte delas partiu há décadas.
A terra, porém, “é substantivo feminino e, assim como uma mulher, sempre encontra um meio de resistir à devastação e ao abandono”, escreve a autora.
Trechos
“Eu nunca sairia do único lugar que me acolheu. A terra foi onde eu encontrei a gentileza que nenhum ser humano quis me dar. Por isso, é aqui que eu vou morrer. Ficar encantada”. (Cleusa Galdino Miranda, 57 anos, Assentamento Boa Esperança)
“Eu já não sonhava em ter terras, eu sonhava em trabalhar, em ter roupa para vestir. Esse era o meu sonho. Mas, depois de velha, eu consegui. Agora, que eu tenho a terra para trabalhar, já não aguento mais.” (Cleusa Galdino Miranda)
“Eu acho engraçado, quando dizem que o pessoal do MST é vagabundo, porque eu não faço outra coisa da vida além de trabalhar pelos outros, pela minha família e por mim.” (Diva Souza de Oliveira, 54 anos, Assentamento Boa Esperança)
“Depois de décadas, eu voltei a sorrir com gosto. (…) Eu nunca pensei que pudesse conquistar tudo isso com o meu trabalho, muito menos trabalhando no campo, mas a agricultura familiar me deu isso, a cooperativa de mulheres me fez gostar de viver de novo.” (Ivone José da Silva Carvalho, 62 anos, Assentamento Zumbi dos Palmares).
“Muita gente nem sabe que houve tortura na roça, porque é como se a gente não existisse, né? Eu sei que morreu muita gente naquele tal de DOPs, mas quando os fardados vinham para área rural, eles não se davam nem ao trabalho de levar quem queriam interrogar para a cidade. Perto de onde eu morava, tinha uma casinha e dali ninguém saia vivo.” (Agricultora que ainda teme se identificar e tinha 19 anos na época desses fatos).
“Eu enfrentei preconceito por ser mulher até mesmo dentro do movimento. Vinte anos atrás, era difícil encontrar uma mulher que estivesse disposta a enfrentar os líderes regionais do MST. (…) Foram anos persistindo, engolindo cada comentário machista a seco.” (Maria Cecília Barbosa, 68 anos, presidente da COOPCAT, considerada um patrimônio vivo do movimento).
Sobre a autora
Tamiris Volcean é jornalista, pedagoga e escritora nascida em Catanduva (SP). Publicou seu primeiro livro, As pessoas que matamos ao longo da vida (Editora Reformatório) em 2016, aos 24 anos. É autora, também, de Solidões Compartilhadas (Lyra das Artes, 2020). Está concluindo doutorado em Literatura Brasileira pela FFLCH (USP).
ProAc
O projeto Mulheres assentadas: mães de todas as lutas foi contemplado no edital #19/2021 do Programa de Ação Cultural (ProAC), do governo do estado de São Paulo, com apoio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa.
Ficha técnica
Autora: Tamiris Volcean
Orelha: Ana Manuela Chã
Capa: Coletivo Boitatá
Fotografia: Ricarda Canozo
1a edição, 2022
Editora Feminas
Título do Proac-SP
Formato:
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Encadernação: brochura