Entrevista: Luísa Lacerda, cantora

Entrevista: Luísa Lacerda, cantora

1. Luísa, parabéns pelo lançamento do seu novo álbum “O Canto e a Asa”. Como foi o processo de criação deste trabalho em comparação com os seus álbuns anteriores? 

Obrigada! Meus primeiros discos são todos em parceria (com Miguel Rabello, com Maria Clara Valle, com Renato Frazão e com Giovanni Iasi, respectivamente). Em 2020 lancei meu primeiro EP solo que, por conta da pandemia, foi um álbum voz-violão (com apenas uma participação especial do violonista Lucas Gralato). “O Canto e a Asa” se diferencia dos outros no que diz respeito à participação de muitos amigos(as) ao mesmo tempo arranjando e definindo a sonoridade deste disco comigo e, ao mesmo tempo, ser um trabalho “solo” onde eu fiz as escolhas de repertório e convites. 

2. Você mencionou que o álbum contém canções de compositores menos conhecidos pelo grande público. Qual foi o critério de seleção das músicas para este projeto? 

Todos os meus álbuns lançados até hoje são resultado de um processo de pesquisa, escuta e amizade com novos(as) compositores(as) da cena atual. Por eu morar/circular mais pela região sudeste do Brasil, o repertório acaba contemplando mais compositores da cidade do Rio e de São Paulo, porém, este álbum inclui também compositores como o Ítalo Soeiro e o Hugo Cauã (de Pernambuco e Maranhão, respectivamente). A escolha das músicas é muito subjetiva: é se “bate” ou não com minha voz e meu violão. 

3. “O Canto e a Asa” celebra seus 10 anos de carreira. Quais foram os principais desafios que você enfrentou durante essa jornada na música brasileira? 

Para músicos independentes e sem patrocínio, muitas das dificuldades são de origem financeira: pagar os músicos da banda, cobrir os custos de infraestrutura de shows e viagens, gravação de disco, fazer uma boa divulgação sem dinheiro para assessoria de imprensa, contratar um produtor/agente, etc. Isso nos obriga a ampliar nossa capacidade de trabalhar com outras funções pela falta de equipe (produção e venda de show, inscrição em editais, saber usar as mídias sociais, gravar vídeos com qualidade de áudio e som, etc). Outra questão é se o artista está ou não inserido numa rede de influência – se conhece programadores e curadores de festivais e circuitos artísticos, se tem família de músicos, se tem amigos influentes. Acredito que estes e outros desafios são comuns a todos(as) artistas que vieram de fora da elite cultural brasileira, e isso me inclui. 

4. Você começou sua carreira em Nova Friburgo e agora conquistou reconhecimento internacional. Como essas diferentes experiências influenciaram sua música ao longo dos anos? 

Alguns profissionais e espaços de Nova Friburgo foram muito importantes na minha trajetória como artista. Gostaria de citar meus professores Douglas Borges, Paulo Newton e Nilsinho (que me ajudaram a me preparar para as provas da Escola de Música da UFRJ) e agradecer ao Teatro da Usina Cultural que, durante minha adolescência, investia muito em apresentar talentos pouco conhecidos mas de altíssima qualidade. Foi graças à Usina que ouvi pela primeira vez ao vivo a violoncelista Maria Clara Valle (com quem gravei o EP Beira do Mundo) e o Quarteto Maogani (grande referência para mim nos dias atuais e cujos integrantes também se tornaram meus parceiros e amigos). Os shows internacionais são resultado de um longo processo de profissionalização mas que, de maneira alguma, é mais importante do que trabalhos realizados em solo brasileiro. Inclusive, eu quero realizar mais shows nas diferentes regiões do Brasil, mas, por incrível que pareça, às vezes isso é mais difícil do que tocar fora do país.

5. Desde seu primeiro CD “Meia Volta” até o lançamento de “O Canto e a Asa”, como você vê sua evolução artística e pessoal? 

Tenho muito orgulho de todos os meus álbuns e realizações. Consigo observar meu amadurecimento ao longo dos anos ao mesmo tempo que vislumbro um longo caminho pela frente e ainda tenho muitos espaços para tentar conquistar. Reconheço que cada fase foi essencial e sou grata a todas as pessoas com quem trabalhei, convivi e aprendi. Meus parceiros(as) de música e vida são também responsáveis por cada conquista minha. Apesar de nos chamarmos músicos “independentes”, ninguém vai muito longe sozinho. 

6. Você teve a oportunidade de dividir o palco com diversos artistas renomados. Existe algum momento em particular que você considere marcante ou inspirador em sua carreira? 

Alguns momentos foram muito determinantes para minha caminhada como musicista: dividir palco/estúdio com Cristovão Bastos, Edu Lobo e Guinga foram realizações de sonhos de adolescência e muito importantes para que eu acreditasse na minha capacidade profissional e vontade de continuar me aperfeiçoando. 

7. Se pudesse escolher uma única música de todo o seu repertório para representar quem é Luísa Lacerda, qual seria e por quê? 

Pergunta muito difícil (risos) porque cada fase da vida (talvez até cada ano) existe uma música que melhor me representa naquele momento. Talvez a música do meu momento presente seja “Carapuça”, de Hugo Kauã e Edu Kneip (canção que está presente no novo disco), pelos caminhos de melodia (muito Guinguianos) e a letra é autoexplicativa. 

8. Se você não fosse uma músico, qual profissão acha que seguiria? 

Eu seguiria o sonho de infância de ser bióloga, mais precisamente trabalhando com répteis. Minha vontade (que era bem específica rs) era trabalhar no Instituto Butantã manejando serpentes. 

9. Qual é o seu ritual antes de subir ao palco para se apresentar? 

Quando possível, tentar dormir bem (e muito), comer coisas leves ou fazer jejum (para evitar ter refluxo), aquecer a voz e fazer exercícios de respiração. 

10. Alguns críticos afirmam que a música brasileira está perdendo sua identidade. Como você acha que seu trabalho contribui para preservar essa identidade em meio a tantas influências globais? 

Eu vejo uma diferença muito grande entre a produção da grande indústria da música e a produção de artistas que estão fora do mainstream. Acho que as duas coisas têm propósitos diferentes, então não podem ser analisadas da mesma maneira. Não observo uma perda de identidade no trabalho deste segundo grupo; acredito que os músicos brasileiros saibam se apropriar, transformar e se utilizar dos mais diversos elementos musicais de outras culturas e gêneros sem perder sua essência. A música brasileira consegue ser mutável e diversa ainda que carregue consigo nossas raízes e tradições. 

11. Com a crescente digitalização da música, alguns argumentam que os artistas independentes enfrentam mais dificuldades para se destacar. Qual é a sua opinião sobre esse assunto? 

Acabei respondendo sobre isso na terceira pergunta (rs). Mas sim, mesmo que artistas independentes possam distribuir suas gravações nas plataformas digitais para que

“qualquer pessoa” possa escutá-las, a verdade é que as próprias plataformas priorizam um seguimento endinheirado e influente da indústria musical. Não existe esse tal “espaço democrático e igualitário” na internet; continuamos com pouquíssima visibilidade. Sem contar que, em 10 anos de carreira, 4 discos, 2 EPs e diversos singles e participações em outros álbuns, eu nunca fui remunerada por nenhuma plataforma digital (pois o valor arrecadado é ínfimo). 

12. Muitos artistas têm sido criticados por seu silêncio em questões políticas e sociais. Você acredita que os artistas têm a responsabilidade de se posicionar publicamente sobre esses assuntos? 
Apesar de ninguém ser obrigado a dar opinião sobre qualquer assunto que seja, um artista que opte por não expor suas ideias já está, mesmo que indiretamente, se posicionando. Ainda que nós artistas não estejamos sempre preparados para formar discursos super elaborados sobre os mais diversos assuntos, existem diversas maneiras de expressar para além de entrevistas e posts em mídias sociais: posicionamento pode estar no repertório que escolhemos, performances, parceiros musicais e patrocinadores que aceitamos ao nosso lado. Na minha opinião, todo artista tem e sempre terá responsabilidades sociais intrínsecas ao seu ofício.

marramaqueadmin

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