True crime no teatro: “Stalking – um conto de terror documental” aborda um caso de assédio que começou no ambiente de trabalho

Ao mesclar a realidade crua com elementos de terror e de contos de fadas, peça evidencia como a sociedade reforça comportamentos machistas e abusivos

“Stalking” é um grito coletivo de liberdade e emancipação. Foto: Betânia Dutra

“Você é tão simpática. Por acaso foi simpática assim com ele também?”. Desde 2015, a atriz Livia Vilela lida com um stalker e com comentários como esse, que descredibilizam o seu mal-estar. A perseguição transformou-se em um espetáculo teatral: Stalking – um conto de terror documental faz uma temporada no Teatro Cacilda Becker entre os dias 17 de março e 09 de abril, com sessões às sextas e sábados, às 21h, e, aos domingos, às 19h.  Os ingressos custam de R$10 a R$20 e podem ser adquiridos de forma antecipada no site Benfeitoria.

O que começou com um “inocente” bombom logo ganhou contornos dignos de um filme de terror, com direito a ameaças por e-mail e aparecimentos inesperados. Por isso, vários elementos típicos de histórias assustadoras, como iluminação mais baixa, som mais alto, gritos e até sangue falso foram incorporados na peça. 

A partir da história de Livia, Paulo Salvetti construiu a dramaturgia. A dupla também forma o elenco. No processo, a equipe percebeu que a narrativa poderia ser ainda mais impactante se explorasse também dispositivos típicos dos contos de fadas. Seria uma forma de evidenciar como a sociedade foi estruturada a partir dos comportamentos machistas e abusivos presentes na maioria, se não em todas as histórias infantis. 

“Durante nossa pesquisa, entendemos como a educação está a favor dos valores do patriarcado, que são determinados desde sempre”, defende Elisa Volpatto, codiretora que estreia na função ao lado de Rita Grillo. Basta lembrar de contos como o do Barba Azul, um notório assassino de esposas ou mesmo o da Bela Adormecida, que é beijada por um completo desconhecido enquanto dorme. 

Para adentrar nesse universo fantasioso, todos os personagens masculinos são representados por meio de figuras grotescas, que remetem aos lobos das histórias infantis. Além disso, dança, máscaras e animação de objetos são incorporadas à encenação ao lado de documentos chocantes, como os áudios, canções e e-mails enviados pelo perseguidor. 

“Em cena, a protagonista monta grandes quadros com evidências, e ao final, é como se toda uma cena de crime estivesse preparada no palco. Assim, a peça nunca perde seu caráter documental e de true crime”, conta Rita.

A ideia da montagem é tirar o espectador da zona de conforto. “A plateia não é apenas voyeur dessa história. Quem se dispuser a tal, pode experienciar, por meio da arte, um pouco do que a Livia viveu nesse tempo, explica Salvetti. 

Para produzir esse efeito, Stalking foi construída para desarmar todas as estruturas exaustivas que apareceram nessa trajetória da atriz para pedir ajuda. Isso significa que, em vários momentos, os personagens masculinos atravancam esse processo. 

Uma luta e seus desdobramentos

Ao mesmo tempo, o espetáculo-denúncia reflete sobre a impunidade comumente concedida aos homens. Em oito anos de reviravoltas envolvendo polícia, advogados, medidas protetivas e uma escalada crescente de violência por parte de seu perseguidor, Livia nunca se sentiu completamente segura. E, somente em 2022, foi expedido um primeiro mandado de prisão.  

Apesar da dificuldade que teve em ser ouvida, sua luta trouxe ganhos para todas as mulheres. Em 2015, o ato de stalkear alguém não era visto como um problema pela sociedade. A situação só mudou em 2021, com a aprovação da Lei 14.132, que determina que perseguir alguém continuamente, seja física ou virtualmente, é crime. E Livia se tornou uma das primeiras pessoas no Brasil protegidas pela Lei Maria da Penha por sofrer esse tipo de assédio.  

Essa peça, então, surgiu como um grito coletivo de liberdade e emancipação. É um trabalho sobre as marcas deixadas no corpo de uma mulher. É sobre o medo de falar por já se saber desacreditada. É sobre as potências interrompidas em razão de um masculino que se sobrepõe em todas as instâncias da vida. É sobre todo o caminho exaustivo a se percorrer por apenas querer dizer a verdade”, comenta a atriz.

Sinopse

“Stalking – um conto de terror documental” é uma peça true crime baseada em um caso real de perseguição: no ambiente de trabalho, uma mulher começa a sofrer uma relação de assédio que transforma sua vida em um verdadeiro conto de terror. Em clima de deboche do patriarcado, a linguagem do espetáculo flerta com o universo do terror e dos contos de fadas, mapeando estruturas que precisamos desarmar para combater o machismo patriarcal tão fortemente enraizado em nossa sociedade.

Ficha Técnica

Atuação: Livia Vilela e Paulo Salvetti

Codireção: Elisa Volpatto e Rita Grillo

Assistência de Direção: Jackeline Stefanski Bernardes

Dramaturgia: Paulo Salvetti

Trilha Sonora Original: Malka Julieta

Iluminação: Gabriele Souza

Direção de Arte: Beatriz Barros

Provocação: Janaína Leite

Fotos: Betânia Dutra, Anna Bueno e Guilherme Radell

Identidade Visual: Orú Florydo

Operação de Som: Jess Silva

Operação de Luz: Sancler Pantano

Edição Vídeo Benfeitoria: Igor Luís

Produção: Corpo Rastreado – Gabs Ambròzia

Assessoria de Imprensa: Canal Aberto Comunicação | Márcia Marques

Serviço

Stalking – um conto de terror documental
17 de março a 09 de abril, às sextas e sábados, às 21h, e, aos domingos, às 19h
Local: Teatro Cacilda Becker | Endereço: R. Tito, 295, Lapa
Ingressos: R$20 (inteira) e R$10 (meia-entrada | Compre o ingresso com antecedência aqui:https://benfeitoria.com/projeto/stalkingsegundatemporada?fbclid=PAAaZeVKg6MWaNc34T32thW8fdWDxQrfLCCH_wYxRfxdJISRZudPhCMMA46Ec

Duração: 90 minutos | Classificação: 16 anos