Entrevista: Carolina Delboni, educadora e escritora

Entrevista: Carolina Delboni, educadora e escritora
  1. O que motivou você a escrever As Dores da Adolescência e como a obra se conecta com o seu trabalho anterior, Desafios da Adolescência na Contemporaneidade? Quais você considera os maiores desafios da adolescência na atualidade e como eles impactam diretamente a saúde mental dos jovens?

Carolina Delboni: A proposta do livro surgiu de observação de estudos e pesquisas que, com cada vez mais frequência, apontam o aumento de transtornos entre adolescentes. Um estudo divulgado no ano passado mostrou que, pela primeira vez, adolescentes no Brasil superaram os adultos nos índices de depressão e ansiedade.

Ao analisar esses estudos e a relação dos jovens com as redes sociais e plataformas digitais, percebe-se o impacto que elas têm causado. O aumento do bullying, da violência, dos casos de suicídios e autolesão entre adolescentes são questões alarmantes. Além disso, minha convivência diária com adolescentes dentro de escolas reforçou a necessidade de abordar esses temas – e, mais do que isso, falar sobre eles com responsabilidade. 

A falta de informação é um grande problema. Quando não sabemos sobre algo, nem sequer conseguimos pensar nas soluções: Como posso ajudar? Há tratamento? Como identificar sinais de depressão em um adolescente? Todas essas dúvidas precisam ser respondidas a partir da informação e do conhecimento. O livro tem exatamente essa proposta: desmistificar conceitos que vêm sendo banalizados, como o de saúde mental, e esclarecer outros. O que é um transtorno mental? O que queremos dizer quando falamos em estar com um transtorno mental? Qual a diferença entre transtorno e doença? Como tratar e cuidar da depressão?

Esse livro é, de certa forma, uma continuação de Desafios da Adolescência. Enquanto o primeiro aborda a adolescência de maneira ampla – explicando as mudanças físicas e neurológicas dessa fase, o afastamento da família, a aproximação dos amigos, das relações sociais e as transformações do desenvolvimento -, As Dores da Adolescência foca especificamente na saúde mental e psicoemocional. Ele busca compreender essa adolescência no contexto do mundo atual, trazendo reflexões sobre como podemos lidar com esses desafios.

  1. A escuta ativa e a valorização dos sentimentos dos adolescentes são pontos que você enfatiza no livro. Como pais e educadores podem melhorar essa prática no dia a dia? Como você acredita que a relação entre pais e filhos tem se transformado nos últimos anos, especialmente quando se trata de saúde mental na adolescência? 

Carolina Delboni: As relações entre famílias e adolescentes têm mudado significativamente devido às transformações sociais. Vivemos em um mundo em constante e acelerada mudança, com um contexto social muito mais complexo do que há 20 anos atrás, por exemplo. Isso influencia diretamente essas relações. 

Um dado relevante é que o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de países com o maior número de adultos diagnosticados com burnout. Isso levanta uma questão importante: como esses adultos, exaustos e emocionalmente fragilizados, conseguem voltar para casa e oferecer suporte psicológico e educacional para seus filhos? A saúde emocional dos pais também está comprometida, criando uma lacuna nessa relação. Muitos estão esgotados e, em alguns casos, enfrentam burnout, o que os impede de oferecer o cuidado necessário. Então, existe uma defasagem, um buraquinho que vai ficando nessa relação, por que você tem pais muito cansados, estafados, às vezes com burnout, com uma série de questões que eles também precisam de cuidado, tornando essa relação fragilizada. 

Outro fator que enfraquece essas conexões é o uso excessivo dos celulares. O Brasil é o oitavo país onde adultos passam mais tempo diante de uma tela. Não faz sentido cobrar dos adolescentes que passem menos tempo no celular quando os próprios pais fazem o mesmo. Em vez de promover momentos de interação – como conversas à mesa ou atividades em família como assistir um filme, por exemplo -, muitos adultos também chegam em casa e passam horas rolando a tela do celular. Isso cria um afastamento gradual, como se os laços entre pais e filhos fossem se soltando aos poucos, deixando os adolescentes imersos em seus próprios mundos e imersos em suas próprias questões, sem o apoio e a troca que deveriam ter dentro de casa. 

Uma pesquisa que ilustra bem esse cenário é a “PENSE” (Pesquisa Nacional da Saúde Escolar). A última edição anual foi realizada em 2020, e, em 2022, o IBGE divulgou um compilado desses dados. O estudo aponta um aumento nos transtornos mentais entre adolescentes e investiga as razões que tem levado os adolescentes a ficarem mais depressivos ou a desenvolverem uma depressão na adolescência. Entre os fatores identificados estão o crescimento da violência e da solidão dentro de casa. A violência é um problema evidente, mas a solidão, nesse contexto, significa que os adolescentes estão cada vez mais isolados, mesmo morando com a família. Esse distanciamento tem se tornado um problema grave. 

  1. No capítulo sobre solidão, comportamentos destrutivos e autoestima, você explora questões como suicídio e autolesões. Como você vê o papel da educação e da família na prevenção desses comportamentos? 

Carolina Delboni: O grande desafio dos pais, famílias e educadores – e o o principal objetivo do livro -, é entender a adolescência. Compreender o que acontece nessa fase do desenvolvimento é essencial para interpretar o comportamento do adolescente. Quando entendemos por que eles agem e reagem de certas maneiras, podemos nos relacionar com eles de outra forma, por um outro viés e isso é extremamente importante para a gente deixar de lado uma série de estigmas e de preconceitos que a gente tem sobre a adolescência. 

Além disso, esse entendimento é uma maneira de ajuda-los a lidar com a ansiedade ou a depressão desencadeada por situações específicas da vida. Não me refiro a uma depressão hereditária ou biológica, mas àquela que surge como uma resposta a algum acontecimento. Então, como é que eu cuido do adolescente? Como olhar para ele? Como estabelecer uma relação? A resposta está em entrar no universo dele, compreendendo sua cultura e suas referências. 

Isso foi bem ilustrado na série Adolescência, que mostra não apenas o abismo entre as gerações, mas também a falta de interesse pelo mundo dos adolescentes. Quando não temos curiosidade sobre o outro, não conseguimos nos conectar com ele. Sempre digo que, quando esse filho adolescente era criança, os pais e mesmo os educadores, faziam questão de conhecer suas músicas favoritas, levá-lo ao teatro, assistir aos desenhos animados, saber quem eram os personagens favoritos e quais brinquedos ele gostava. Por que essa conexão se perde quando a criança cresce? Por que achamos que não precisamos mais saber quais são as músicas que ele gosta, quem são seus ídolos ou quais lugares gosta de frequentar? 

Pior ainda, quando nos relacionamos com esse universo, muitas vezes o fazemos de forma crítica. Dizemos que a música que ele escuta é ruim, que a roupa que usa não é legal e adequada. Sempre temos algo negativo a dizer para o adolescente. Essa postura só amplia o distanciamento entre gerações e enfraquece os vínculos familiares. Vai ficando cada vez mais difícil.

O grande desafio é olhar para o adolescente sem julgamentos, sem crítica. Isso não significa concordar com tudo o que ele faz ou fala, mas compreender seu comportamento. E é a partir dessa compreensão que conseguimos estabelecer uma relação muito mais saudável, estimulando um amadurecimento e um desenvolvimento psicoemocional mais equilibrado.

  1. Após o sucesso do seu primeiro livro, você sente que a conversa sobre a saúde mental dos jovens está evoluindo de maneira mais aberta na sociedade? Quais dicas você daria para os adolescentes que estão enfrentando dificuldades emocionais e que buscam ajuda para lidar com isso?

Carolina Delboni: Temos visto muitas matérias falando sobre a epidemia da solidão. Há dois anos, isso era um aviso, um alerta: “provavelmente vamos viver uma epidemia da solidão”. E, de fato, os adolescentes estão envolvidos nessa epidemia. Por quê? Porque nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão sozinhos. Estamos 24 horas por dia logados com alguém ou em alguma plataforma, mas seguimos sozinhos, pois diminuímos a frequência dos encontros e das relações presenciais. 

O ser humano nasce preparado para viver uma série de habilidades emocionais, mas elas só são desenvolvidas, amadurecidas e sentidas plenamente quando estabelecemos relações vivas, de carne e osso, presenciais. O coração humano ainda não bate pelo outro por meio de uma tela; ele bate quando estamos frente a frente com alguém. O olho brilha ao olhar no olho de outra pessoa. Nosso coração não bate, nem os olhos brilham por uma máquina, por algo que está do outro lado da tela. Ainda não chegamos nesse ponto. 

Mesmo que de maneira ainda inconsciente, esse afastamento vai provocando solidão, sensações e sentimentos de solidão na gente. O que é muito diferente da solitude. A solitude é quando estamos sozinhos, mas bem conosco mesmos. A solidão, por outro lado, traz um sentimento de vazio, de que algo está faltando. E isso, somado a uma baixa autoestima, principalmente devido à relação com as telas, nos coloca em um lugar difícil de escapar dessa comparação constante que o adolescente faz com imagens supostamente idealizadas que vê nas redes sociais não contribui para a construção de uma autoestima forte e sólida. 

Além disso, há uma série de fatores que tornam esse contexto ainda mais complexo. Vivemos tempos desafiadores, e os adolescentes precisam lidar com notícias sobre guerras, violências nas cidades onde moram e a crise climática – que, para essa geração, já não é mais uma projeção futura, mas uma realidade presente. Esses fatores, somados às próprias questões da adolescência, intensificam a sensação de solidão.

Esse quadro pode desencadear episódios de ideação suicida e autolesão. A autolesão, muitas vezes, surge como uma tentativa de lidar com uma dor interna que parece insuportável. O adolescente pode sentir que uma ferida física é mais fácil de cuidar do que uma ferida emocional.

Qual é, então, o papel da educação e da família nesse contexto? O primeiro passo é estar presente de verdade: fazer parte da vida e do cotidiano do adolescente, interessar-se genuinamente pelo que ele vive e observar os sinais que ele dá. Quando um adolescente se afasta das relações sociais, ele perde vitalidade.

Costumo dizer que uma criança viva é uma criança que brinca, que tem energia, que respira e oxigena. O mesmo vale para os adolescentes: quando estão inseridos em relações sociais saudáveis, são vivos, têm vitalidade. Mas quando se isolam, começam a adoecer.

E como perceber isso? O primeiro sinal é o afastamento social. Se o adolescente começa a evitar até mesmo atividades obrigatórias, como a escola, inventando desculpas como dor de barriga ou dor de cabeça, algo pode estar incomodando. Ele não verbaliza diretamente, mas dá sinais sutis. O corpo também comunica: a forma como ele se deita na cama, o quanto está encolhido ou aberto para interações, sua alimentação e disposição física.

Um adolescente saudável vive oscilações emocionais – um dia está bem-humorado, no outro, mal0humorado. Isso é natural. Mas se suas emoções se tornam lineares, sem variações, algo está errado. Ninguém vive de maneira completamente linear, e quando isso acontece, é um alerta de que algo série pode estar acontecendo.

É nesse momento que a família precisa buscar ajuda, muitas vezes com um especialista, que poderá avaliar o comportamento do adolescente, conversar com ele e sugerir um tratamento ou intervenção, se necessário. A escola também tem um papel fundamental, pois muitas vezes é nesse ambiente que os primeiros sinais aparecem. Cabe à escola observar, relatar às famílias e orientá-las a buscar apoio quando necessário.

5. Quais são os seus próximos projetos? Podemos esperar mais livros focados na temática da juventude e saúde mental?

Carolina Delboni: Sem dúvidas, acho que devemos ter outros livros! Rs. Livros para adolescentes, para que eles possam se informar. Eles têm – e é natural que tenham – muito receio de pedir ajuda, de dizer que estão sentindo ansiedade ou uma tristeza profunda. Ainda sentem vergonha e medo de sofrer algum tipo de retaliação ou exclusão, o que é totalmente compreensível.

Agora, quanto mais falarmos sobre o assunto e ajudarmos à desmistifica-lo, mais fácil será para eles. Assim, abrimos caminhos para que possam se expressar, buscar apoio e pedir ajuda. Eu sempre digo: não vemos problemas em levar um adolescente ao médico para tratar uma dor de cabeça crônica ou examinar um joelho ou tornozelo machucado. Também não hesitamos em tomar um medicamento diário para tratar uma dor física persistente. Mas, quando o medicamento está relacionado ao cuidado de um transtorno mental, surge um grande tabu.

Por que ainda temos tanta resistência em relação à terapia? Em indicar um psicólogo ou um psiquiatra? Em recomendar um tratamento para questões que, embora neurológicas, também fazem parte do corpo? Tratamos o corpo fisicamente, mas precisamos entender que também devemos cuidar dele neurologicamente.

Da mesma forma que exercitamos o corpo fisicamente, precisamos exercitá-lo emocionalmente. Para isso, é essencial garantir a saúde mental. Assim como não conseguimos realizar atividades físicas sem saúde física, também não conseguimos manter relações sociais saudáveis sem equilíbrio emocional.

E aqui está um ponto essencial: estar saudável não significa estar sempre feliz ou alegre. Significa compreender que a vida tem altos e baixos, que há dias bons e dias ruins, momentos de empolgação e outros de desânimo. Isso é natural.

É fundamental que os adolescentes saibam disso – e que nós, adultos e sociedade, também compreendamos. Só assim poderemos ajuda-los a trilhar esse caminho com menos preconceito, menos tabus e menos violência. Porque, sim, há uma certa violência na forma como, muitas vezes, olhamos para essas questões.

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