Entrevista: Marco Vincit, cantor

Entrevista: Marco Vincit, cantor

“Rosas Amarelas” é um álbum duplo, o que é algo raro hoje em dia. O que te motivou a lançar um projeto tão extenso?

Eu queria que o álbum funcionasse como um diário aberto. Um ciclo completo das emoções que vivi, e que muitos já viveram, com um quase amor. Dividi em dois volumes para representar as quatro estações da paixão: do frescor da primavera à introspecção do inverno. Cada faixa é como uma fotografia sonora de um momento. Esse formato duplo me permitiu criar uma narrativa mais densa, fluida e honesta.


O álbum transita entre diferentes estilos musicais. Como foi o processo de construção sonora para cada faixa?

A sonoridade veio da liberdade que me permitiu compor. Cada faixa pede um corpo, um ritmo, uma atmosfera diferente. Passeamos por disco music, MPB, samba, rock, até flertar com o trap. Ao lado do Felipe Fantoni e outros músicos incríveis, escolhi o que fazia sentido para cada história — seja um violão de 7 cordas no samba ou um sintetizador pulsante numa faixa mais experimental.


Você menciona que o disco representa um “único verão apaixonado”. Como essa ideia guiou a estrutura do álbum?

O verão, aqui, simboliza a intensidade de um sentimento à flor da pele. Quis retratar esse estado quase febril do apaixonamento, desde os encontros arrebatadores até a solidão no metrô com uma rosa na mão. O “único verão apaixonado” é sobre um tempo que pareceu eterno, mas foi breve. E, ainda assim, transformador.


São Paulo aparece quase como um personagem nas suas músicas. Como a cidade influenciou suas composições?

São Paulo pulsa em cada esquina do álbum. É cenário, metáfora, companhia e às vezes, antagonista. Da estação Clínicas ao viaduto onde tudo desabou, essa cidade cinza por fora e vibrante por dentro molda os encontros e desencontros que narro nas canções. É nela que acontecem meus quase amores.


Você se inspira em compositores que fazem jogos de palavras e exploram a estranheza. Como esse conceito se reflete nas letras de “Rosas Amarelas”?

Gosto de brincar com a linguagem, subverter expectativas. O humor ácido, o sarcasmo, a melancolia tudo pode caber na mesma frase. Letras como Yakitori ou Standby trazem essa estranheza poética, em que a dor e o riso coexistem. Às vezes, a maior entrega vem no verso mais inesperado.


O título do álbum sugere romantismo, mas há ironia e sarcasmo nas músicas. Como você equilibra esses elementos?

Porque é assim que a gente vive o amor, não é? Entre a beleza e o caos. Rosas amarelas não são como aquelas vermelhas dos filmes, nem têm essa cor diretamente ligada ao romance puro. São intensas, mas carregam um calor diferente, meio passageiro. O título traz justamente esse duplo sentido. Tem doçura, mas também um olhar crítico,  como alguém que ama profundamente, mas já aprendeu a rir da própria tragédia. Dei um buquê de rosas amarelas e depois disso nunca mais vi a pessoa amada. Foi ali que vi como a banda toca.


O que você espera que o público sinta ao ouvir “Rosas Amarelas” do início ao fim?

Espero que se reconheçam. Que riam, chorem, se apaixonem e se despedem junto comigo. Que sintam que, mesmo nas histórias que não se completam, existe beleza. E que lembram: mesmo uma poesia rasgada continua sendo poesia.


Você começou na música tocando trompete e estudando no Palácio das Artes. Como essa formação influenciou seu trabalho atual?

O Palácio foi onde aprendi a escutar. A respeitar o tempo das notas, o silêncio entre elas. Mas foi com o meu maestro em Brumadinho que aprendi a maior parte do que sei sobre música e como ter disciplina. Esse olhar musical, que começou no trompete, ainda me guia, mesmo quando componho no violão ou experimento beats eletrônicos.


Você optou pelo design por questões financeiras, mas agora volta à música. O que te fez retomar esse caminho?

Foi inevitável. A música sempre esteve ali, espreitando entre projetos de design. Em algum momento, percebi que precisava parar tudo e me escutar de verdade. “Rosas Amarelas” foi esse retorno visceral, sem filtro e necessário.


Como foi a experiência de interromper seu trabalho como designer por três meses para se dedicar exclusivamente ao álbum?

Foi intenso. Mergulhei sem colete. Acordava com melodias, dormia com letras inacabadas. Parecia uma imersão num mundo paralelo onde tudo que existia eram minhas emoções em forma de música. Mas senti que fazer música, escrever e produzir também é design.


O que te levou a gravar em Belo Horizonte, em vez de São Paulo, onde mora atualmente?

Belo Horizonte é minha origem. Gravei lá por afeto, por memória, por reencontro. Foi como retornar a um lugar que ainda guarda minhas primeiras notas e transformá-lo num palco para algo novo.


Você organizou o álbum como se fosse um vinil duplo, apesar do lançamento digital. Qual a importância desse formato para você?

É uma homenagem à forma de ouvir música com calma, com atenção. O vinil exige pausa, lado A, lado B. Eu queria que o ouvinte tivesse essa sensação de virar uma página emocional a cada capítulo.


A estética visual do álbum foi criada com Inteligência Artificial. Como surgiu essa ideia?

Foi um experimento estético e afetivo. Usei um ensaio feito em estúdio e transformei com IA em centenas, talvez milhares de variações. Era como ver versões de mim mesmo que nunca existiram mas que expressam o que senti.


Como foi o processo de transformar um único look original em diversas variações digitais?

Partiu de um desejo de expandir visualmente o conceito do disco. Cada variação é um universo às vezes realista, às vezes onírico. Essa multiplicação de imagens reflete também a multiplicidade de emoções nas faixas.


Existe uma relação entre a estranheza das imagens criadas por IA e a sua forma de compor?

Total. Gosto de explorar o desconforto, o estranho, o quase. Assim como a IA gera imagens imperfeitas e fascinantes, minhas letras caminham entre o literal e o simbólico. Gosto do que desestabiliza.


Você tem um olhar metódico e ao mesmo tempo caótico sobre sua arte. Como isso impacta sua forma de trabalhar?

Eu organizo o caos. Ou talvez seja o contrário. Minhas composições nascem da bagunça emocional, mas são construídas com disciplina. É como arrumar a casa inteira só pra uma visita que talvez nem venha.


Com o álbum já disponível, qual tem sido a recepção do público até agora?

Tem sido linda. Recebo mensagens de gente dizendo “essa música é sobre mim”. Isso me emociona, porque mostra que, ao expor minhas vulnerabilidades, acabei tocando em algo coletivo.


Você enfrentou um período de ansiedade com redes sociais. Como está lidando com isso agora?

Tenho tentado usar as redes com mais leveza. Postar quando faz sentido, não por obrigação. Minha prioridade é a conexão verdadeira, mesmo que digital. E cuidar da minha saúde mental tem sido a maior preocupação desde que comecei a fazer o disco.


Quais são seus próximos planos na música? Já pensa em novos projetos?

Sim! Já escrevi e estou escrevendo coisas novas, mas sem pressa. Gosto das continuidades e das conexões; inclusive já tenho os conceitos, títulos e canções dos próximos dois projetos, que provavelmente vão seguir o mesmo formato e estarão interligados com o Rosas Amarelas. O próximo, se pudesse, começaria a produzir já na semana que vem, mas quero que tudo aconteça de forma natural, assim como este álbum. Mas ainda é cedo para saber ao certo.


Se pudesse definir “Rosas Amarelas – Vol.1&2” em uma frase, qual seria?

Uma história de quase amor, baseada em fatos surreais.

marramaqueadmin