Pai-de-Santo David Dias: “Religiões de matriz africana ajudam a elaborar a ancestralidade”

Mestre em Ciências da Religião, músico e escritor, David Dias fala sobre Umbanda, Candomblé, racismo religioso e a importância da ancestralidade no Provoca desta terça-feira (11/6).

(11 de junho de 2024) – Nesta terça-feira, o Provoca recebe o pai-de-santo David Dias, especialista em religiões de matriz africana, para um bate-papo com Marcelo Tas. A conversa aborda temas como a diferença entre Umbanda e Candomblé, o significado de termos como “saravá” e “Exu”, o racismo religioso e a importância da ancestralidade para as culturas afro-brasileiras.

“Pessoas negras não têm acesso ao passado”, afirma David Dias

Ao discutir a importância da ancestralidade, David Dias destaca a dificuldade que pessoas negras enfrentam para acessar seu passado: “Pessoas negras não têm acesso ao passado, meu passado caiu no Atlântico, foi jogado no Atlântico, então eu não tenho direito ao passaporte dos meus ancestrais (…) pessoa negra… tem alguém que vai buscar o passaporte africano, angolano? Tem alguém que vai buscar a dupla nacionalidade na Itália, na Espanha, Alemanha. Agora o negro não volta pra África para buscar seu passaporte, então por isso que as religiões de matriz africana ajudam a gente a elaborar a ancestralidade.”

Racismo religioso: “Se eu colocar uma roupa branca em você, nós dois sofreremos racismo”

David Dias também fala sobre o racismo religioso, um problema que afeta diretamente as religiões de matriz africana: “Cristo não é o problema. Por exemplo, eu que sou de terreiro, eu sou umbandista, porque eu teria problemas com Cristo? Mas quando eu olho para a sociedade, se eu saio com essa roupa na rua, há pessoas que me matam em nome dele. O que está acontecendo?, pergunta Tas. “Isso é racismo, racismo religioso. Para você entender, Tas, se eu colocar uma roupa branca em você, um filá na cabeça, guias no seu pescoço e falar vamos até o metrô, nós dois sofreremos racismo. Você vai sofrer racismo (…) mas não pela cor da pele, e sim pelos elementos que você usa que indicam exatamente de onde é essa religião”, comenta Dias.

Sincretismo: “Culturas dominantes ditam a regra, ganhando a guerra”

Sobre seu livro “Sincretismo na Umbanda”, David explica: “O sincretismo é um fenômeno de encontro presente em todas as religiões (…) quando você tem três, quatro religiões, e coloca tudo dentro de um balaio, mistura, ali você tem um fenômeno do sincretismo, sincretismo é mistura (…) quando a gente pensa no encontro da água do mar, com a do rio, a gente vai perceber que na nossa ideia surge uma terceira água (…) só que se eu tenho um riacho e o mar invade aquele rio, eu tenho gosto de água salgada (…) você não vê mais o rio, mas muita coisa do mar (…) sempre que há esse fenômeno, culturas dominantes, de prevalência e poder, acabam marcando, ditando a regra, ganhando a guerra (…) e com isso perdemos identidade”, afirma.