Por Igor Rocha*
Essa semana veio à tona um vídeo em que a cantora fluminense de música baiana, Cláudia Leitte, troca a citação de Iemanjá por “Yeshua” na música Caranguejo. A crítica veio de imediato, de vários setores da sociedade e, pasmem, até de Ivete Sangalo, que sempre ficou em cima do muro, quando se trata da colega de profissão, que vem colecionando polêmicas nos últimos anos, colecionando temas como “dicas machistas” e black face.
As críticas são válidas (e merecidas), mas até quanto vale o desgaste de uma situação que já é pavimentada há séculos? Nesse caso específico, não é a primeira vez que ela troca os nomes enquanto canta, e faz parte do que os especialistas chamam de marketing reverso. São aquelas citações negativas, mas que fazem o nome do artista circular nos veículos de imprensa e, automaticamente, nas redes sociais, gerando um efeito dominó.
Fazendo uma pesquisa rápida sobre as notícias nos mecanismos de buscas com o nome “Cláudia Leitte”, aparecem 14 títulos de matérias que citam o nome da cantora, abordando o caso. Ou seja, a estratégia deu certo e nós continuamos a falar da famigerada Leitte que está ganhando burros de dinheiro com o “axé music”. Inclusive, ela fez carreira e fortuna a partir de músicas que têm origem nas religiões de matriz africana.
Fazendo um mea culpa, essa pessoa só está no lugar que chegou porque a comunidade negra a colocou lá, assim como outros nomes que nunca representaram a negritude. Aí você me pergunta, “ah, mas sempre vamos nos culpar por tudo?” Não por tudo, mas em algumas situações, somos os culpados, sim, e a autocrítica é necessária até para não continuarmos repetindo os mesmos erros de sempre.
As tranças só não são mais usadas por pessoas brancas porque nós firmamos o pé e não aceitamos (exceto as trancistas e elas precisam do dinheiro dos brancos e concordo com elas). Mas em relação às artes, à cultura, tudo que as emissoras e, agora, os streamings empurram goela abaixo, estamos abraçando e falo isso como comunidade, não apenas o opinador aqui. Além de tudo, musicalmente, a Milk é fraca, assim como existem “profissionais” medíocres em todas as áreas. A diferença é que a música elege seus nomes, geralmente pessoas brancas, de cabelo liso e feições europeias, e bora o povão atrás desse “trio”.
Margareth Menezes, a quem já tive a honra de entrevistar e hoje é ministra da Cultura, é a verdadeira rainha do Axé, que canta para Dandalunda, para Nzazi e vários outros Inquices desde os primórdios do Axé. Mas, no decorrer dos anos, deixamos que a branquitude tomasse conta dos nossos espaços em troca de valores monetários que eles ficam, sempre, com a maior parte. Deixamos o Leitte derramar faz tempos…
*Igor Rocha é jornalista, com ampla experiência em assessoria de imprensa, passando por setores público e privado, atendimento a agências de comunicação e também foi editor-chefe do Notícia Preta entre os anos de 2018 e 2024 e editor adjunto do Negrê. Além disso, também é videomaker e assessor técnico da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG).