Entrevista: Phelipe Caldas, jornalista e escritor

Phelipe, o que te motivou a contar a história de Gabriel Varandas? Como você conheceu essa trajetória tão comovente?
Eu sou amigo de muitos anos dos pais de Gabriel, Marcus e Yanna. Então, quando todos os problemas aconteceram, eu cheguei a acompanhar o drama deles como amigo que os visitavam no hospital e se preocupava e sofria com tudo o que vinha acontecendo. Quando Gabriel se recuperou, inclusive, eu já percebia que era uma história incrível, digna de ser contada em livro. Nunca sugeri isso, no entanto, porque achava tudo muito delicado e íntimo para partir de mim a proposta. Então para mim foi uma surpresa maravilhosa e uma honra quando o convite de escrever o livro partiu dos pais de Gabriel. Eu aceitei na hora o convite, me debrucei numa pesquisa minuciosa e descobri detalhes ainda mais impressionantes do que aqueles que fiquei sabendo à época. Realmente foi algo muito forte o que se viveu naquela época pela família.
Ao escrever Inexplicável, qual foi o maior desafio em narrar uma história baseada em fatos reais e que envolve temas delicados como a doença e a fé?
O principal desafio que eu me propus foi em ser respeitoso com todos as pessoas envolvidas. Desde o próprio Gabriel, até cada familiar, cada profissional de saúde que acompanhou o caso. Porque o episódio lidava comquestões médicas muito delicadas e profundas e um período de extremo sofrimento, ainda que com final feliz. Então para isso foi preciso um trabalho muito meticuloso. Foram mais de 50 horas de entrevistas, leitura deprontuário médico, uma preocupação de conseguir uma dupla checagem sobre todos os fatos. Foi uma apuração muito cuidadosa.
O livro foi adaptado para um filme que alcançou o Top 10 da Netflix em 19 países. Como foi para você acompanhar essa adaptação? Você participou do processo de alguma forma?
Foram meses de diálogos entre eu e o diretor do filme, Fabrício Bittar, até que fosse confirmado de fato que o livro seria adaptado para o cinema. Eu ajudei no diálogo inicial entre Bittar e a família de Gabriel, e dei uma lida na primeira versão do roteiro, fazendo alguns apontamentos e sugestões. De toda forma, os méritos e os créditos da adaptação é toda da Clube Filmes, produtora de Bittar.
Na sua opinião, qual o principal motivo do impacto tão forte que essa história tem gerado junto ao público?
Trata-se de uma história extraordinária, de desdobramentos inexplicáveis. Então, o primeiro impacto que a história provoca é na percepção de que tudo éverdade. Que é uma história real. Uma pessoa que eventualmente assiste ao filme ou ler o livro achando que se trata de uma ficção, já vai ficar arrebatado com todos os desdobramentos. Mas o impacto é infinitamente maior quando se percebe que tudo aquilo aconteceu de fato. Isso é impressionante, na minha opinião.
Como pesquisador e antropólogo, como você enxerga a relação entre futebol, cultura popular e as narrativas de superação que marcam o cotidiano brasileiro?
As minhas pesquisas de mestrado e de doutorado em antropologia social são justamente sobre futebol, sobre formas de torcer, sobre como podemos enxergar o futebol como riqueza imaterial de um povo, como expressão popular, como movimento de resistência, de luta, de ocupação de espaços, de mediação de conflitos. E a história de Gabriel dialoga com esse protagonismo que o futebol pode exercer na vida das pessoas. No final das contas, na perspectiva da criança, era apenas um menino que tinha o sonho de voltar a jogar bola. E, no entanto, isso teve um impacto extraordinariamente positivo em sua recuperação motora e cognitiva. Porque o futebol mexe com as nossas memórias, os nossos sonhos. O futebol nos afeta, na perspectiva positiva da expressão.
Você poderia falar um pouco sobre sua trajetória como escritor e jornalista? O que mudou para você após o lançamento de Inexplicável?
Como jornalista, eu tenho 21 anos de experiência profissional e já escrevi nas mais diversas editorias. Já como escritor, eu tenho seis livros publicados, sendo dois livros-reportagens (Academias de Bambu e Inexplicável, cujo título original era O Menino que Queria Jogar Futebol), dois de crônicas (Além do Futebol e Quando a Saudade me Visita), um de contos (Sobreviventes) e um acadêmico (O Belo e Suas Torcidas, fruto de minha dissertação de mestrado). Já a minha tese de doutorado está prevista para sair em forma de livro no ano que vem. Não sei se minha vida mudou muito com o sucesso do livro. Eu sempre tive um prazer incrível de escrever com sensibilidade sobre as histórias que estão por aí esperando ser contadas. Então isso não mudou, apenas se aflorou mais em mim com todo o sucesso que o livro teve e ainda tem. Muitas pessoas da minha cidade já me reconhecem na rua, talvez essa seja a maior mudança (risos).
O livro traz uma reflexão profunda sobre fé e resiliência. Como você vê o papel da espiritualidade nas histórias de superação hoje em dia?
Acredito que a fé é uma experiência que, embora vivida coletivamente, tem aspectos pessoais muito fortes. Porque cada pessoa pode viver de forma absolutamente diferente uma mesma experiência. A fé, a medicina e o futebol são três elementos que permeiam a história, se interligam e se intercruzam em distintos momentos.
A Buzz Editora tem uma linha editorial focada em histórias que inspiram mudanças. Como foi trabalhar com a editora nesse projeto?
Eu sempre fui um escritor independente ao longo da minha vida literária. Então eu sou aquela pessoa que tem que estar à frente de todas as etapas. Desde a pesquisa, passando pelo processo de escrita e correção, diagramação e publicação. É a gente também quem divulga o livro, organiza lançamento, colocada à venda, distribui. Então a principal novidade ao trabalhar com a Buzz é ter uma série de outras pessoas atuando nessas diferentes etapas. É um projeto que pode ser pensado por diferentes pessoas com diferentes especialidades. Esse é um diferencial importante.
Por fim, o que você espera que os leitores e espectadores tirem de aprendizado ou sentimento após conhecer a história de Gabriel?
As experiências são únicas e vão depender do contexto de cada pessoa. Alguns vão se emocionar pelo simples fato de ser a história de uma criança, outros vão se identificar porque viveram situações semelhantes. O que eu posso dizer é que o livro toca, emociona, envolve o leitor. E, justamente por causa das liberdades que o texto tem que o audiovisual não necessariamente tem, o livro traz uma série de detalhes que o filme não aborda, principalmente na parte da recuperação de Gabriel. Então quem se emocionou com o filme e quer saber mais sobre a história, o livro é uma ótima pedida.