Entrevista: Pedro Poeira, escritor

1. O que te inspirou a unir o universo dos reality shows e uma história de amor leve e divertida em “Amor à Deriva”?
Eu adoro reality shows, especialmente de namoro ou competição! O que torna esse universo tão interessante, para mim, é como o reality amplifica as vivências e sentimentos dos participantes – ainda mais quando a ambientação ou confinamento e as relações (como no caso dos reality de namoro) funcionam como gatilho para impulsionar narrativas. Alguns reality shows de namoro da antiga MTV e o BBB foram grandes inspirações.
2. Você contou que a ideia do livro surgiu a partir de um sonho. Pode nos contar um pouco mais desse sonho e como ele virou a semente da história?
Assim como o Fred, personagem de “Amor à deriva”, tenho uma relação especial com minha artista favorita: Taylor Swift.
Quando a Taylor lançou o álbum Lover em 2019, eu não conseguia ouvir outra coisa – tanto a ponto de sonhar com isso! Havia um evento para fãs no Parque Ibirapuera, onde balões em formato de coração contendo ingressos para um meet & greet com a Taylor haviam sido espalhados. Seguindo a lógica dos sonhos, eu caí dentro de um dos lagos do parque, nas gravações de um reality de namoro no qual o prêmio era uma pizza havaiana.
Depois de ver a maior beijação na minha frente, saí do lago e continuei a busca por um daqueles balões. Encontrei um preso nos galhos de uma árvore, exatamente na altura dos olhos. Não tinha ninguém por perto; parecia que aquele balão tinha sido colocado ali para mim.
Eu abracei aquele balão e, por entre as árvores, vi a própria Taylor Swift sorrindo na minha direção. Ela queria que eu conseguisse aquele balão, o ingresso e a chance de vê-la.
Enquanto pessoa criativa, adquiri o hábito de dormir com o celular bem perto da cama. Isso acontece depois que você perde algumas ideias “muito boas”. Naquela madrugada, gravei uma nota de áudio grogue descrevendo o que me lembrava do sonho.
Nem todo sonho vira história.
Mas quanto mais eu pensava em tudo que um personagem faria para encontrar sua cantora pop preferida, em como o reality parecia se entrelaçar
à essa história, em quem seria o grande solteiro do programa e por quê… bom, foi aí que percebi que eu tinha plantado a semente de uma história.
3. O que o leitor pode esperar do casal protagonista, Lalo Garcia e Fred Takara? Como foi criar personagens tão diferentes e cativantes?
Lalo e Fred são, como em todo bom romance, yin e yang.
Lalo, um jovem de 23 anos, está sofrendo por um término de relação que ele não aceita, e acha que pode chamar a atenção do ex-namorado e, assim, reacender a chama da paixão ao entrar em um reality de namoro. Já o Fred, com toda a vivacidade e liberdade dos seus 21, vai fazer de tudo por uma chance de conhecer sua diva pop preferida – incluindo pular de uma ponte, atrapalhar as gravações de um programa de TV e se tornar um dos participantes do reality.
O medo do abandono e a necessidade de fazer as relações darem certo que Lalo tem é um delicioso contraste para essa personalidade leve e de entrega total ao momento presente do Fred.
Dentro do reality, vamos ver como essas duas personalidades encontram um ponto de equilíbrio. O livro tem muita confusão, humor e uma tensão sexual forte entre os protagonistas, mas a honestidade e vulnerabilidade deles é, na minha opinião, o canto da sereia. Lalo e Fred conversam, longa e profundamente. É por meio do diálogo que eles percebem como eles são apenas duas pessoas que precisam de cura.
E embora não se possa mudar as pessoas… o amor é o melhor remédio.
4. A ambientação em cenários paradisíacos e clima de verão tem um peso importante na narrativa. Como foi o processo de construir esse universo sensorial para a história?
“O amor é fogo que arde sem se ver”.
O verso célebre de Camões traduz muito bem a manifestação do amor no plano físico. Sinto, inclusive, que já é do imaginário popular associar o calor ao amor e à paixão. As cores são mais intensas, o corpo parece ganhar um pouco mais de vida, e de repente estamos mais abertos à sensibilidade e beleza do mundo.
Eu queria que os leitores de “Amor à deriva” fossem transportados ao verão – que boa ideia esse livro veranil em pleno inverno [risos] – e pudessem sentir esse fôlego de vida, a maior saturação e nitidez das cores, a brisa marítima. Além disso, a ambientação da história representa essa abertura dos personagens. Às vezes, o calor é sufocante porque os sentimentos se expandem, buscando se manifestar; outras vezes, o calor é pura energia,
ação, sentimento tomando forma no mundo. A textura da areia criando atrito para amplificar a sensação do toque. A beleza das paisagens do litoral brasileiro revelando a beleza no outro.
Apenas o litoral brasileiro seria capaz de transformar essas sensações em cenários.
5. O livro mistura humor com temas profundos como afeto, pertencimento e vulnerabilidade. Como você equilibra esses elementos sem perder o tom leve?
Acredito que a resposta mais simples seja “a vida é assim”.
Todos nós passeamos por esta Terra acumulando alegrias e tristezas, tédios e anseios. E apesar de haver momentos em que precisamos parar e viver algum sentimento específico, na maior parte do tempo estamos apenas vivendo – com todos esses sentimentos se revoltando dentro de nós tal qual as ondas do mar.
Os personagens de “Amor à deriva”, em especial Lalo e Fred, estão em uma situação bastante cômica – um reality show de namoro repleto de dinâmicas divertidas em que os participantes precisam provar seu amor pelo solteiro da temporada – enquanto lidam com essas questões tão humanas. Quando
você percebe que pode se abrir com o outro – se divertindo, sendo você mesmo, livre de qualquer julgamento –, o equilíbrio acontece naturalmente. O contraste entre a situação em que estão versus como se sentem, e também o contraste de personalidades, funciona como uma balança de dois pratos, na qual o diálogo é o copo medidor que ajuda a equilibrar nossos protagonistas.
6. Você mencionou que levou seis anos para escrever “Amor à Deriva”. Que desafios e aprendizados você teve nesse tempo?
Escrevi “Amor à deriva”, em boa parte, durante a pandemia e pós-pandemia da covid19. Não era exatamente o melhor estado de espírito para se escrever uma comédia romântica, minha vida e minha perspectiva de mundo mudaram muito e eu não conseguia mais chegar ao final de uma história que trouxesse luz para este mundo.
Assim como as personagens do livro, passei pelo meu próprio processo de cura. Nesse meio tempo, cultivei minhas habilidades de escrita e me permiti experimentar. Descobri que sou escritor por natureza e por ofício: escrever
histórias não é apenas parte de mim, mas também algo que faço profissionalmente. Além disso, tive o prazer de reforçar minha crença de que quando se trabalha com os profissionais certos, você é capaz de tudo.
7. Como foi a experiência de finalmente lançar o livro pela Alt e ver sua obra ganhando destaque na Bienal e nas livrarias?
Surreal! Estou há meses tentando encapsular a experiência – ver uma capa gigante do meu livro no estande da Alt; o carinho, apoio e respeito de todos os profissionais da editora; a oportunidade de apresentar o livro e falar sobre ele para leitores nos corredores e nos eventos da bienal, ver o livro exposto nas livrarias… – e ainda fico sorrindo, completamente abobado. Me sinto imensamente feliz e grato pela oportunidade.
8. Quais são suas maiores influências literárias e culturais para a escrita desse romance?
Para “Amor à deriva”, fiz um intensivão de reality shows e leituras sobre reality shows. Recomendo a leitura de “De olho nela”, de Kate Stayman-London (Paralela, 2021), e “A estratégia do charme” de Alison Cochrun (Paralela, 2022). Para quem curte não ficção, “Rituais de sofrimento” (Boitempo, 2015) de Silvia Viana é uma leitura de abrir os olhos para os aspectos menos glamourosos dos reality shows. Alguns dos meus realities preferidos são Simple Life, Beija Sapo, Dating Naked UK, The Circle Brasil e Casamento às cegas. Também recomendo a série de TV UnReal que, apesar de não ser um reality, mostra os bastidores de um… e é completamente viciante!
9. “Amor à Deriva” parece dialogar com o público jovem que curte programas como “De Férias com o Ex” e “Casamento às Cegas”. Como você vê a relação entre a literatura e esse tipo de entretenimento?
Reality shows são intrinsecamente parte do universo do audiovisual. Mas o objetivo é jogar luz sobre vivências reais mas diferentes daquilo que o grande público está acostumado, para aguçar sua curiosidade, mantê-lo como espectador e criar conexão com esses desconhecidos.
Parece familiar? Pois é exatamente isso o que um livro faz.
Quem curte De férias com o ex e Casamento às cegas quer acompanhar pessoas reais lidando com questões como a busca por amor, auto aceitação, e como traumas e medos variados impactam as relações humanas. São temas universais que foram e continuam sendo retratados na literatura. O reality show, hoje em dia, permite que quem lê consiga acessar essas questões por uma nova perspectiva, mais alinhada com as vivências contemporâneas da transmissão de vidas por TV ou internet, por exemplo.
O cerne é o mesmo.
No fim, tudo é história.
10.Você poderia contar um pouco sobre como foi a sessão de autógrafos em São Paulo e o que esperava desse momento com os leitores?
A sessão de autógrafos foi um evento muito divertido! Não posso negar que me senti ansioso a manhã inteira – o que me levou a fazer esteira por uma hora pra ver se a ansiedade diminuía –, mas estar rodeado por alguns rostos conhecidos e leitores empolgados com “Amor à deriva” tornou essa experiência a melhor possível. Além disso, tivemos docinhos! E autografei tantos livros! Foi incrível! (Inclusive, um abraço ao pessoal da Livraria Martins Fontes Paulista, que me recebeu tão bem ♥)
11. Além desse lançamento, quais projetos você está desenvolvendo atualmente? Podemos esperar outras obras num estilo parecido?
Atualmente estou trabalhando em uma história bem diferente de “Amor à deriva”, uma espécie de retorno ao lar – quem sabe, sabe. Mas sou um grande fã de comédias românticas e não consigo ficar longe delas por muito tempo. Tenho algumas ideias muito divertidas e estou empolgado para ver no que vão se tornar.
12.Que mensagem ou sentimento você gostaria que os leitores levassem ao final da leitura de “Amor à Deriva”?
Acima de tudo, eu espero que qualquer pessoa que leia “Amor à deriva” se divirta. Mas, para mim, “Amor à deriva” sempre vai carregar uma mensagem de cura – de encontrar e conquistar um caminho para uma maneira de ser feliz e viver o amor que sempre sonhamos.
Aonde quer que as ondas te levem, espero que você seja feliz.