O esporte quase mudou a minha vida, mas o eSports transformou um jovem sem oportunidades em CEO de uma desenvolvedora de games

Jogos eletrônicos podem ser considerados uma modalidade esportiva ou não? Essa questão há tempos permeia o ambiente do eSports, mas, nos últimos dias, o debate se intensificou após a ministra do Esporte, Ana Moser, afirmar que esportes eletrônicos – os jogos de videogame disputados competitivamente – não são esportes e, por isso, não investirá neste segmento. A ex-jogadora de vôlei declarou que os esportes eletrônicos fazem parte da indústria do entretenimento.

Para alguns a definição se os eSports são, de fato, esporte, é irrelevante. Para outros, muito importante. Mas será que é preciso um veredito final? O que já está definido e consolidado são os dados é o tamanho global desse mercado. De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria Newzoo, a indústria de games movimentou, em 2021, quase US$ 176 bilhões de dólares. A perspectiva para esse ano é de que o valor chegue a US$ 200 bilhões de dólares. Uma “brincadeira” indiscutivelmente lucrativa, seja esporte ou não!

Ao mensurar os dados nacionais, a Pesquisa Game Brasil indicou que 3 em cada 4 brasileiros jogam jogos eletrônicos pelo celular, computador ou console. A faixa etária do gamer brasileiro é maior entre as pessoas com idade de 16 até 29 anos. As mulheres são 51% dos gamers brasileiros, enquanto homens somam 49%.

Aprofundando um pouco mais, os dados indicam que os usuários da classe D utilizam mais smartphone (15,2%), seguido do console (5,8%) e computador (5,4%). Isso provavelmente se deve pelo custo das opções para jogar. E é essa a questão principal do Brasil: a inclusão.

Imagine um garoto negro, pobre, morador de um bairro com pessoas de baixa-renda no interior do país, sem muitas escolhas e oportunidades – a não ser entrar para o mercado de trabalho considerado como ‘tradicional’, mas sem muitas chances de crescimento. 

Seguindo no exercício da imaginação, consideremos que ele comece a trabalhar aos 11 anos como lixador de peças de latão, depois passa a vender milho em feira-livre, se torna serralheiro e, de repente, aparece a chance da sua vida: ser jogador de futebol. Esporte mais do que tradicional, um sinônimo de Brasil! Só que o sonho e a principal chance de ascensão financeira são interrompidos por uma lesão, somada aos altos custos para a realização de testes em clubes, alimentação adequada, moradia, além de outros obstáculos que o fazem desistir e seguir outros caminhos.

Decepcionado, esse jovem cresce e precisa mudar o foco – mesmo que sua vida ainda seja quase a mesma: sem muitas ambições e dinheiro para diversão. Então, as Lan Houses se abrem como um espaço de convivência com baixo custo, onde ele descobre o universo dos games. Interage com outros jovens, ignora as dificuldades, joga e até compete com outras pessoas. Esse contato com o mundo digital permite que ele crie uma outra vida, dentro e fora do jogo. E, principalmente, gastando pouco.

No game ele se sente importante, pois tem um time jogando junto, um dependendo do outro para vencer a equipe adversária. Ao lutar para sobreviver, sua realidade, novamente, aparece dentro do jogo. Nesse ambiente, estratégias são montadas a cada rodada, reflexos são testados, decisões devem ser tomadas em milésimos de segundos.

É um universo paralelo, onde é possível sonhar. Nesse universo, o seu desempenho e mérito o fazem sentir o gosto da vitória. Nesse ambiente digital, o jovem negro, pobre, morador de um bairro de baixa-renda só depende dele para sorrir e triunfar! Ele se enche de orgulho, se sente incrível, imbatível. Se sente notado, feliz e novamente volta a sonhar – já que do lado de fora da tela do game os caminhos ou chances de vitória são mínimos.

Essa vontade de vencer aumenta e ele passa a treinar para melhorar as jogadas. Começa a participar de pequenos campeonatos e algo o faz refletir: como algo feito pelo computador, videogame ou até celular consegue extrair tanto sentimento e até esforço físico e mental nos treinamentos? Como o desenvolvimento de um jogo é pensado? Como, na prática, ele feito?

O que esse jovem não sabia é que esses questionamentos já permeavam na cabeça de seu irmão mais novo, que também – sem muita informação – começava a estudar na Lan House e a desenvolver alguns projetos. Foi quando decidiram unir forças e traçar um objetivo: fazer um jogo do zero! Porém, o cenário da vida real é outro, eles precisam se desdobrar em uma rotina mais pesada do que as de muitos atletas. Precisa levantar dinheiro para seguir sonhando. Resolvem, então, dobrar seus turnos. De dia, como pedreiros, à noite, como garçons.

O start dado na Lan House faz, então, com que eles procurem na internet conteúdos, ferramentas gratuitas para colocar o projeto em prática. Muita dedicação, vontade, trabalho e madrugadas até conseguirem um patrocinador.

A inevitável batalha para alcançar o sucesso.

Perceba que a história se parece muito com a de diversos atletas espalhados pelo Brasil. Atletas que se desdobram em empregos ‘tradicionais’, treinam em horários alternativos e vivem em busca do tão sonhado patrocínio. Eis que o primeiro investidor “aparece” e os irmãos fecham o primeiro contrato pelo celular, ainda como garçons e escondidos do patrão.

Consegue imaginar a emoção desse jovem gamer que se une ao irmão mais novo e agora tem uma empresa que desenvolve jogo?

Esse exercício de imaginação que trouxe você até aqui chega ao fim. Essa história não é uma metáfora. Ela existe e me enche de orgulho todos os dias. Esse jovem é CEO da First Phoenix Studio. Esse jovem sou eu. Essa é a história da minha vida.

Todo esse esforço tem dado resultados significativos que vão além do debate ‘esporte ou entretenimento’. Hoje a empresa tem 30 colaboradores. São 30 famílias sendo beneficiadas após tanto sacrifício. 30 parceiros que embarcaram nesse sonho comigo e hoje, com orgulho, trabalhamos diariamente no “RIO – Raised in Oblivion”, um game que é encenado em um Brasil pós-apocalíptico, na região do Vidigal, no Rio de Janeiro. Em 2019 fomos escolhidos como melhor jogo independente produzido de modo autônomo pela ‘Brasil Game Show’ daquele ano.

Que orgulho!

Percebe que a minha história pode ser comparada a outros jovens e muitos deles ficarão pelo caminho? Fiz a diferença na minha vida, dos meus familiares e colaboradores e sigo com essa missão de dar oportunidade e autonomia para outras pessoas.

O meu jogo somado a web 3.0 agora se chama RIO-X , vai se transformar em um blockchain game focado no conceito ‘play and earn’, vai se relacionar com o metaverso. Vai possibilitar a milhares de jovens ganharem dinheiro jogando, indo além do esporte e sem precisar estar em um grande time de eSports.

A cadeia dos jogos eletrônicos deve ser enxergada além de uma mera discussão se é esporte ou não. Ele é parte da economia criativa! Temos programadores, designers, jogadores, campeonatos, marketing, licenças, nft´s, entre tantas outras possibilidades. Pensemos nos eSports como uma ferramenta de inclusão, de políticas públicas – não só de benefícios para o setor, mas para que mais jovens tenham acesso à tecnologia e quem sabe a chance de uma vida melhor, pois os eSports mudaram a minha vida!

Jhoniker Braulio, CEO da First Phoenix Studio, empresa brasileira de desenvolvimento de jogos eletrônicos fundada em 2019.