“O Agente Secreto” marca mais um momento importante da sua carreira. Como foi o processo de construção da personagem Daniela e o que mais te desafiou nesse papel?
Tem uma coincidência muito especial: quando recebi o teste de “O Agente Secreto”, eu estava justamente fazendo uma pesquisa de arquivo no Arquivo Nacional sobre a vinda da minha família da Polônia para o Brasil. Acho que ter vivido essa experiência com arquivos reais me ajudou muito a construir a Daniela.
Deixei a minha intuição me guiar e me baseei bastante nos outros filmes do Kleber — reassisti todos, especialmente “Retratos Fantasmas”, que tem essa relação muito forte com arquivo. Eu sabia que as minhas cenas eram umas das únicas no tempo atual, então quis entender bem essa dinâmica entre passado e presente. E acho que aí foi o meu grande desafio: compreender essa relação entre os dois tempos. Conversei com várias pessoas da equipe e também com o próprio Kleber sobre isso.
Ele é um diretor muito atento e preciso, sabe exatamente o que quer, e isso me deu segurança para seguir a minha intuição e dar o meu melhor.
O filme aborda temas como memória, poder e a história recente do Brasil. Como foi lidar com uma obra tão politicamente potente e emocionalmente densa?
Eu considero que foi um presente poder fazer parte desse filme, porque ele me contempla não só como artista, mas também como pessoa. Eu me identifico com muitos personagens, inclusive com Marcelo, que é uma pessoa muito íntegra e ética.
É importante entender que um país sem memória não sabe de onde veio, nem para onde deve ir. Nós, brasileiros, sabemos que temos lapsos de memória e uma certa dificuldade em lidar com o nosso passado.
O cinema tem esse poder, ele também pode ser um instrumento de registro e preservação da memória de um povo. E isso, pra mim, é muito bonito.
Por isso, obras como essa são essenciais: para que a gente entenda a nossa história e não repita os mesmos erros.
Você esteve presente no Festival de Cannes durante a estreia mundial do longa. Que lembranças mais te marcaram dessa experiência internacional?
Todos os momentos foram muito marcantes pra mim, mas dois ficaram especialmente gravados na memória. O primeiro foi o do frevo — quando percebi que entraríamos com o frevo, eu me emocionei profundamente. Foi um momento muito forte, que me atravessou por completo.
O segundo aconteceu depois da premiação, na festa, quando, de repente, me vi na pista de dança com o Panahi, com os Irmãos Dardenne e com o elenco do filme deles. Estava ali, no centro do cinema internacional, cercada de artistas que admiro há tantos anos. Foi uma experiência absolutamente inesquecível.
Ver o cinema brasileiro sendo premiado em Cannes, com Wagner Moura e Kleber Mendonça Filho reconhecidos, deve ter sido um momento histórico. O que passou pela sua cabeça naquele instante?
Eu simplesmente não acreditei. Tem até uma foto que é muito engraçada — estou com os dois braços levantados e a boca aberta, berrando de emoção. Eu não conseguia fazer outra coisa! Acho que eu era uma das pessoas mais emocionadas da sala Lumière, com certeza.
Foi tudo muito intenso. Eu olhava em volta e via aquelas pessoas que sempre admirei no cinema — Cate Blanchett, Juliette Binoche… — e não conseguia acreditar que estava ali. Acho que a ficha só caiu muitos dias depois. Sem dúvida, foi um dos dias mais especiais da minha vida.
“O Agente Secreto” também foi escolhido para representar o Brasil no Oscar 2026. Como é viver essa expectativa pela segunda vez, após o sucesso de “Ainda Estou Aqui”?
Ao mesmo tempo que tudo isso me parece meio inacreditável, eu penso em todo o caminho que me trouxe até aqui. Sempre foi um sonho muito grande fazer cinema, e eu busquei isso com muita dedicação. Eu realmente respiro cinema há muitos anos, vejo muitos filmes, estudo e estou sempre pensando no que posso fazer pra continuar trabalhando com isso.
Confesso que ainda me pego deitada na cama pensando: “Meu Deus, tudo isso é real?”
Por mais que tudo pareça um sonho, algo quase surreal, eu sei que coloquei muita energia pra que isso acontecesse. Eu sempre quis ser atriz de cinema.
Sinto uma alegria imensa por ter tido a oportunidade de trabalhar em dois filmes tão importantes. E, claro, fico na torcida pra que “O Agente Secreto” vá pro Oscar — quem sabe a gente não conquista uma segunda estatueta consecutiva?
O Kleber Mendonça Filho é uma grande referência para você desde a adolescência. Como foi finalmente trabalhar com ele e vivenciar o set de filmagem sob sua direção?
O Kleber é uma pessoa muito generosa e atenta, e, acima de tudo, um cara realmente muito legal. Ele está sempre com a escuta aberta, disposto a ouvir o que você pensa sobre a cena. Dá liberdade para criar, mas, ao mesmo tempo, conduz com muita delicadeza, porque é um diretor que sabe exatamente o que quer e sabe te deixar confortável em cena.
Pra mim, foi um grande encontro. No fundo, eu acho que sempre soube que ele seria essa pessoa, e, quando finalmente tive a oportunidade de trabalhar com ele, tudo se confirmou. Ele é realmente incrível.
Sua conexão pessoal com a história da ditadura militar dá um peso emocional ao seu trabalho. Como essas memórias familiares influenciaram sua atuação?
Falar sobre a ditadura, querendo ou não, é algo muito familiar pra mim. Cresci ouvindo as histórias da minha avó e da minha família — minha avó foi perseguida por vinte anos. Então, quando faço um trabalho que se passa nesse contexto, é inevitável que eu traga essa bagagem comigo. Já fiz três trabalhos que se relacionam com essa temática e sinto isso como uma missão, porque faz muito parte da minha história familiar.
Você tem uma trajetória consistente no teatro, na TV e no cinema. Que diferenças sente no processo criativo entre essas linguagens?
Ser ator ou atriz, na essência, é se colocar em situação e reagir ao que está acontecendo. Nesse sentido, pra mim, não há muita diferença entre fazer teatro, cinema ou televisão.
Mas, quando falamos da linguagem, começamos a perceber as nuances. Atuar para uma câmera, se relacionando com ela, é totalmente diferente de estar diante de uma plateia, com o público ali, ao vivo, reagindo junto com você.
Demorei um pouco pra me sentir mais à vontade diante da câmera, e quem foi fundamental nesse processo foi o Eduardo Milewicz, diretor argentino, que me ajudou muito a encontrar esse lugar.
No teatro, você fundou a Má Companhia de Teatro e se prepara para retornar aos palcos. Pode nos contar mais sobre o espetáculo “Dia de Jogo” e essa nova fase?
O espetáculo “Dia de Jogo” é escrito por Pedro Manoel Nabuco e dirigido por Gabrielly Vianna. É um texto pelo qual tenho muito carinho e uma imensa alegria em fazer parte. Estaremos em cartaz durante o mês de dezembro, na Casa de Cultura Laura Alvim no Espaço Rogério Cardoso, com apresentações às sextas, sábados e domingos.
A estreia será no dia 5 de dezembro, e seguimos até o dia 21, totalizando nove apresentações. Estou muito feliz em voltar a fazer a peça e, principalmente, em poder estar novamente em cena com grandes amigos.
Nas redes, o quadro “Pequenas Epifanias” mostra um lado leve e contemporâneo da sua arte. Como surgiu essa ideia e o que esse projeto representa para você hoje?
A ideia de Pequenas Epifanias surgiu da vontade de criar algo voltado para o Instagram, que falasse com bom humor sobre temas do cotidiano. O projeto começou com duas amigas, a Maria Santos e a Beatriz Adler, e hoje segue comigo e a Bia, que é psicóloga, roteirista e escritora.
A gente se reúne para desenvolver os episódios com esse propósito: olhar para o dia a dia de forma leve e bem-humorada. Também é uma maneira de me manter ativa nas redes e em constante prática como atriz.
Você é formada pela UNIRIO e estudou no O Tablado por mais de uma década. Que papel a formação acadêmica e artística teve na construção da atriz que você é hoje?
Ter estudado em uma faculdade pública foi muito importante no meu processo, tanto como pessoa quanto como atriz. Foi lá que conheci pessoas que pensavam como eu, colegas de profissão, gente com quem trabalho até hoje.
Estudar é fundamental sempre, é um processo que não termina nunca e existem muitas formas de se fazer isso. Mas, com certeza, estar em um ambiente acadêmico me deu uma base sólida, como a estrutura de uma casa.
No Tablado, eu aprendi a ser uma pessoa de teatro e a me dedicar ao meu ofício. Foi lá que eu entendi o que era ser atriz de fato.
Para encerrar: o que você gostaria que o público sentisse ao assistir “O Agente Secreto” — e qual mensagem espera que o filme deixe para o Brasil de agora?
O filme levanta muitos debates e discussões, mas sinto que a memória é um dos temas centrais. Quero que as pessoas conversem sobre isso, que ele desperte reflexões e curiosidade genuínas, saudáveis, e que abra espaço para diálogos entre amigos e familiares.
Também desejo que o público se divirta com a história e se envolva com ela de maneira verdadeira. Que saiam das sessões com vontade de continuar falando sobre o filme, rindo, trocando ideias e explorando, mesmo de forma leve, os temas que ele suscita como se estivessem numa mesa de bar, comentando cada detalhe e refletindo sobre as experiências e emoções que a história provoca.
