1. Renan, esse lançamento comemora seus 36 anos de carreira. Como você se sente ao olhar para trás, para sua trajetória até aqui?
Só posso dizer que estou muito feliz com tudo que alcancei até aqui. Meu amor pela MPB, minha paixão por letras bem escritas e história bem contadas, a troca com a plateia, o aprendizado com músicos incríveis, os muitos palcos em que já estive, tudo contribui para uma sensação de bem-estar, de realização. Mas, com muito ainda por fazer, por cantar, por compor. Tudo que fazemos é para o público, e há sempre o desejo de chegar a mais e mais pessoas.
2. O título do EP é inspirado em Canto do povo de um lugar, de Caetano Veloso. Como essa inspiração se conecta com sua visão sobre a música nordestina e sua trajetória como intérprete?
Caetano Veloso é o meu artista preferido. Sou muito influenciado pelo trabalho dele. “Canto do povo de um lugar” é uma canção linda, e me inspirou na hora de nomear o novo EP: desta vez, minhas raízes nordestinas estão mais expostas, decidi cantar o forró, os temas regionais, a alegria das festas juninas, o dengo do balanço na rede, a dualidade entre mar e sertão. Meu canto não tem amarras, vai do samba ao rock. Mas senti o chamado para mergulhar nas minhas origens: sou de Campina Grande, a terra do Maior São João do mundo, e isso é precisamente o meu lugar: a Paraíba, o Nordeste e sua imensa riqueza cultural.
3. O EP traz uma mistura de canções de Chico César, Socorro Lira, e também parcerias com Bruno Del Rey e Mário Martinez. Como você escolheu essas músicas e como elas se encaixam no conceito do EP?
Eu já morava em São Paulo quando Chico César explodiu a partir daqui, com uma força avassaladora, nos anos 90. E sua obra também me influencia bastante. Do seu cancioneiro, Pétala por pétala é a que mais me emociona. Já estava no repertório dos meus shows, mas resolvi gravá-la, como um xote, trazendo uma outra roupagem para esta música de letra e melodia preciosas! Socorro Lira, também paraibana, é uma amiga querida, e me presenteou com “Não sou melhor do que tu”, um hino contra o preconceito e a intolerância. Mário Martinez é amigo, parceiro musical, mentor, desde 1996. Temos uma profícua história de composições, shows, trocas, admiração pelos mesmos mestres da poesia e da música brasileira. Bruno del Rey, sergipano, é um outro amigo querido que São Paulo me trouxe, com quem já dividi o palco muitas vezes e, agora, a “caneta”: compusemos juntos um aboio que nos transporta para a geografia nordestina e a busca do amor e de um porto seguro. Só trabalho com quem admiro, com quem me identifico, através de canções que tragam as verdades que me habitam naquele momento, sem preocupação com modismos ou a busca pelo sucesso fácil.
4. A regravação de Destino, uma canção emblemática de sua carreira, é uma das faixas. O que essa música representa para você e como ela evoluiu no novo arranjo?
Destino é a minha primeira composição, e com ela subi ao palco pela primeira vez, num festival de música. Ali nasciam o cantor e o compositor. E já se vão 36 anos. É uma música sempre pedida pelo público, trilha sonora de muitos casais apaixonados. Tem uma gravação de 1998, que não está nas plataformas, outra de 2014, no meu primeiro álbum ( A voz do agora), e esta mais recente, com um lindo arranjo criado por Kaneo Ramos, lírico e agreste, emoldurado pela flauta de Renan Cacossi, que trouxe a atmosfera sonora que a letra pedia, trazendo-a mais para perto do público e firmando sua XXXXXXXXX.
5. Como foi trabalhar com Kaneo Ramos, seu diretor musical, que esteve presente em todos os arranjos do EP? Quais foram as principais características dessa colaboração ao longo dos anos?
São dez anos trabalhando juntos. Kaneo tem assinado a direção musical dos meus shows, nos quais também toca, além dos meus trabalhos de estúdio. São 03 EPS que criamos juntos, numa parceria que o tempo solidificou e aprimorou. Seguimos juntos por termos uma admiração mútua, por identificação com a proposta artística um do outro, pela confiança que adquirimos ao longo desse período. Gosto de trabalhar com jovens, desde que sejam tão perfeccionistas e comprometidos como eu. Mas vi, nesse tempo, o trabalho de Kaneo crescer mais e mais. Ele, inclusive, tocou em Sobradinho, gravada por Chico César para trilha de uma novela da Rede Globo. Fico feliz com os voos que ele tem feito, frutos do seu talento e da sua seriedade.
6. O arranjo das faixas do EP traz uma sonoridade que mistura o agreste e o delicado, com instrumentos como acordeon, rabeca e flauta. Como você vê essa combinação de elementos tradicionais com uma abordagem contemporânea?
Tenho uma preocupação com o que as letras vão dizer, quais histórias irão contar. E os arranjos precisam estar a serviço dessas verdades. Felizmente, o forró está bem vivo no coração do povo brasileiro. Então, poder seguir com a música que vem de mestres como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda, Trio Nordestino, Marinês, Elba Ramalho, é um privilégio, uma missão e uma alegria! Kaneo é muito antenado com todos os cenários da música, e seus arranjos são sempre modernos, arejados, dialogando com pessoas de todas as idades, fazendo uma sólida ponte entre a tradição e o contemporâneo. Estou apaixonado pelas melodias das faixas do EP, e espero que o público se encante, também. A rabeca de Filpo Ribeiro, as sanfonas de Pablo Moura e Cleber Silveira, dão um toque especial a este trabalho.
7. O forró, sua maior influência, aparece fortemente nesse EP. O que te motivou a voltar a esse estilo, especialmente após seus últimos trabalhos no pop/rock? Como essa conexão com suas raízes influenciou o EP?
Nunca me desgarrei de minhas raízes, nos meus shows o repertório é bem eclético. Mas, neste momento, era necessário me voltar, de modo integral, para essa música que está colada no meu DNA.
E que me possibilita cantar o amor, a alegria, a festa, a dança, num momento em que as pessoas estão perdidas nas vidas fantasiosas das telas, nas guerras, discussões, manifestações de ódio, intolerância ao diferente. Não se trata de fazer uma música superficial, para entretenimento, mas de propagar harmonia, consciência, justiça social, compaixão, sem usar de agressividade ou soar panfletário.
8. Você teve a oportunidade de fazer um dueto com Sandra Belê no Jeito Manhoso recentemente. Como essa experiência contribuiu para o processo criativo do EP?
Sandra Belê é paraibana e mora em João Pessoa, mas já morou em São Paulo, onde nos conhecemos. Ela é uma cantora extraordinária. E, no palco, uma força da natureza. Somos amigos, sempre assistimos os shows um do outro, ambos fãs de Marinês. Decidimos reviver esse clássico do cancioneiro de Marinês (que gravou com Jorge de Altinho): Jeito manhoso. O maestro Thadeu Romano criou o arranjo, inspirado nas gravações de Jackson do Pandeiro. E foi uma experiência única, pura diversão, quem escuta logo percebe esse clima gostoso. E a partir desse resgate, surgiu a necessidade de me voltar para o cancioneiro nordestino no novo EP.
09. Quais são seus planos para o futuro? Podemos esperar mais lançamentos que sigam a mesma linha do EP ou algo completamente diferente?
Agora, é divulgar mais e mais o novo EP. Uma das músicas, Não sou melhor do que tu, entrou na playlist editorial da Apple Music, o que é fantástico. Temos show de lançamento em São Paulo, no Teatro da Rotina (em Pinheiros), no dia 25 de março. Também pretendemos levar o show à Paraíba. Ainda é cedo para planejar os próximos trabalhos, mas espero gravar duetos com outros artistas paraibanos e preparar algo em torno do repertório de Cartola, que é um dos meus ídolos. O samba também me chama. E, como intérprete da MPB inspirado por Maria Bethânia, Luiz Melodia, Ney Matogrosso, não me prendo a nenhum rótulo. Canto o que faz meu coração bater mais forte.