Entrevista: Rubens Hannun, especialista em marketing

Entrevista: Rubens Hannun, especialista em marketing

1. O que motivou você a escrever um livro sobre a relação entre o Brasil e o Mundo Árabe?

Eu atuo no segmento de pesquisas de mercado desde os 17 anos e, já há algumas décadas, particularmente com empresas e instituições ligadas ao mundo árabe. À frente da H2R Insights & Trends, tive a oportunidade de realizar pesquisas em países árabes que ajudaram empresas e instituições a melhor compreender aqueles mercados. Além disso, atuo como cônsul honorário da Tunísia em São Paulo e fui presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira entre 2017 e 2020. Nestas posições, tive a oportunidade de atuar nos bastidores do comércio entre o Brasil e os países da Liga Árabe, acompanhando de perto muitos episódios marcantes. Eu creio que essa jornada tem experiências importantes que precisam chegar ao conhecimento de empresários, acadêmicos, estudantes que desejam conhecer ou atuar no mundo árabe. Foi para compartilhar essas experiências e inspirar caminhos para este relacionamento que escrevi o livro “Brasil e Mundo Árabe: Negócios, Marketing e Diplomacia Econômica Ampliada”, que já pode ser adquirido no Amo Ler, o e-commerce do Grupo Novo Século, que edita a obra. O livro está disponível aqui: https://www.amoler.com.br/brasil-e-mundo-arabe-negocios-marketing-e-diplomacia-economica-ampliada

2. Quais foram os principais desafios ao pesquisar sobre esse tema, e como você os superou?

Creio que o maior desafio ainda é a falta de informação e conhecimento. É relativamente limitada a quantidade de informações assertivas disponíveis no Brasil sobre o mundo árabe. Eu tive a oportunidade de realizar muitas viagens à região, integrando missões comerciais, participando de reuniões institucionais, encontrando-me com autoridades dos governos brasileiro e de países árabes com gestão sobre questões comerciais e culturais. Tive o privilégio de conhecer in loco o mundo árabe, conhecer a cultura local, interagir com empreendedores, autoridades e profissionais árabes de diferentes campos, em várias ocasiões. Foi dessas interações que veio todo o conhecimento que procuro sintetizar na minha obra e compartilhar com estudantes, empreendedores e profissionais. Então, o livro nasce disso, é uma contribuição que além de resumir toda a minha experiência de interações pessoais, as utiliza como exemplos esclarecedores dos caminhos que aponto como adequados nesta relação.

3. No livro, você fala sobre as oportunidades de negócios no Mundo Árabe. Quais são as principais vantagens para as empresas brasileiras que buscam entrar nesse mercado?

Nós temos um comércio muito relevante com os países árabes, hoje da ordem de US$ 33 bilhões nas duas vias, exportações e importações. Nossas vendas aos países da Liga Árabe são de quase US$ 23 bilhões. Para se ter uma ideia do que este número significa, no nosso atual ranking de exportações, seria a terceira parceria comercial do Brasil no exterior, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Mas esse comércio ainda é prevalente em produtos básicos, como carnes, grãos, café, especiarias e minério de ferro. Há um imenso potencial ainda pouco explorado em segmentos de valor agregado, como alimentos industrializados, cosméticos, fármacos, turismo, nos quais não temos uma inserção maior pela necessidade de certas adequações, por exemplo, a certificação halal. Essa certificação atesta que alimentos, cosméticos, medicamentos, por exemplo, foram produzidos em respeito a certas tradições culturais e religiosas. O Brasil já tem expertise na produção de proteína com certificação halal, mas, para além delas, em alimentos industrializados, ainda é relativamente baixo o número de empresas que já certificaram sua produção. Então temos um potencial muito grande a avançar. Eu explico em detalhes essas oportunidades no livro.

4. Você compartilha casos de empresas que foram bem-sucedidas nas negociações com o Mundo Árabe. Poderia nos contar um pouco sobre um desses casos e o que outras empresas podem aprender com eles?

Fazer negócios no mundo árabe é um pouco diferente em relação a outras partes do mundo. Vários produtos, como disse, tem de contar com a certificação halal, de produção conforme tradições do islamismo. Mas, muito além disso, os produtos também têm de ter marketing e comunicação alinhadas com a cultura local. Um exemplo de sucesso que detalho no livro é o case do Mc Arábia, um lanche que a cadeia americana de fast food McDonald’s comercializa nos países árabes. O Mc Arábia tem especiarias da culinária árabe. O pão também é diferente, semelhante ao nosso pão sírio. A proteina que vem no lanche tem certificação halal. E até o comercial foi criado especialmente considerando a cultura local. É bastante interessante, você pode encontrá-lo facilmente no YouTube. O comercial mostra uma família comum num restaurante da rede. Nele se vê uma criança ansiosa para provar o lanche. Mas a criança é gentilmente lembrada de que precisa esperar que a pessoa mais velha à mesa comece a comer antes de provar seu lanche, que é uma regra muito importante da interação social nos países árabes. O case é um verdadeiro sucesso, pela sensibilidade da rede em dialogar com o consumidor dentro dos termos da cultura local. E quando empresas vão tratar umas com as outras, as mesmas regras culturais têm de ser observadas. Por exemplo, quando um empresário brasileiro for interagir com um potencial comprador árabe, ele tem de ter em mente que antes de discutir preço, qualidade, quantidade dos produtos envolvidos no negócio, é preciso construir confiança. O árabe só faz negócio com quem confia, com quem se dispõe a estabelecer com ele uma relação de confiança. Então é natural que as negociações levem mais tempo. Mas depois que essa confiança é estabelecida, e o empresário brasileiro, faz jus à confiança conquistada, pode ter certeza de que terá com o seu cliente árabe uma relação de fidelidade. O mesmo vale para interações entre governos. Toda a vez que tivemos ruídos nas relações comerciais, foi fundamental que autoridades brasileiras se reunissem pessoalmente com autoridades árabes para resolver as questões. Com os árabes, “olho no olho” é fundamental. E eu conto vários casos como esses no livro.

5. Você menciona a importância de adequar produtos e processos de marketing à cultura local. Quais são os erros mais comuns cometidos por empresas brasileiras ao lidar com a região e como evitá-los?

As empresas que chegam aos países árabes normalmente já exportam para outros mercados, geralmente Argentina, Estados Unidos ou os países da União Europeia. O erro mais comum é simplesmente transportar essas experiências para os países árabes. Embora nos países árabes haja muitas pessoas com fluência em inglês, muito mais do que em outras países fora do mundo ânglo-saxônico, produtos com embalagens nesse idioma podem não ser corretamente compreendidos, ou até malvistos pelo consumidor árabe. Não só pela compreensão, mas também pelo respeito. As traduções de produtos, catálogos, criações publicitárias, de marketing, peças de merchandising, rótulos, embalagens, manuais de uso, têm de ser bem feitas e, além disso, respeitar princípios culturais. Quem se dispõe a observar essa necessidade vai ter sucesso. Outro erro é achar que os árabes são abertos a negociações de ocasião, as chamadas negociações spot. Isso é particularmente importante. Muitas empresas brasileiras ainda recorrem a mercados externos quando as condições econômicas no Brasil são desfavoráveis, abandonando incursões no exterior assim que as coisas melhoram. Com os árabes, é melhor estar disposto a uma relação perene. As empresas que compreendem isso costumam encontrar nesses países parceiros de negócios muito fiéis. Para evitar esses equívocos, é preciso informação, o que justamente procuro oferecer no livro.

6. Durante o evento de lançamento, haverá um bate-papo com especialistas do setor. Quais são os principais tópicos que você espera abordar sobre o futuro das relações comerciais e diplomáticas entre o Brasil e o Mundo Árabe?

Existem muitas oportunidades no comércio que temos com a região, mas também em outras áreas estratégicas. Os árabes, por exemplo, dispõem de fundos soberanos com muito capital para investir, que estão pelo mundo buscando negócios e que podem ajudar o Brasil a sanar, por exemplo, suas lacunas de infraestrutura. Temos também um imenso potencial no turismo, considerando que o Brasil, nos países árabes, é associado ao respeito à identidade muçulmana. É preciso, no entanto, que nosso país procure compreender o que esse turista busca. Como ele viaja com a família toda, e são famílias grandes, ele vai preferir, por exemplo, hotéis que permitam a conjugação de quartos de forma privativa. É preciso também se preocupar com a comida que é oferecida a ele, as atrações que vamos oferecer a eles, além de preparar as equipes de hotéis e atrações para recebê-los. Essas são algumas das oportunidades que listo no livro.

7. O apoio cultural de instituições como a Casa Árabe e a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira é fundamental para o seu livro. Como essas parcerias ajudaram a enriquecer o conteúdo e a pesquisa da obra?

Assim como elas também tivemos o apoio cultural da International Halal Academy, Fambras Halal, Núcleo de Estudos dos Mercados Árabes e Islâmicos e H2R Insighis & Trends. O apoio deste conjunto de instituições foi fundamental na viabilização do livro. Elas compreendem a importância de difundir informações sobre o mercado árabe, até para avançar no comércio com a região e fortalecer relações culturais, cooperações institucionais e assegurar uma boa reputação do Brasil na região. Essas instituições, todas elas também têm muita experiência no mundo árabe, de modo que são referências para todos que desejam empreender, aprender sobre ou investir na região.

8. Qual é a sua visão sobre o papel do marketing e da diplomacia econômica nas relações comerciais entre o Brasil e os países árabes?

No livro, eu detalho o conceito de Diplomacia Econômica Ampliada, uma diplomacia que se preocupa com o avanço do comércio, mas também com fortalecimento dos demais vínculos entre países, como laços culturais e históricos. Com o mundo árabe, temos profundas ligações. Cerca de 12 milhões de brasileiros, de acordo com pesquisas feitas pelo antigo Ibope Inteligência e pela H2R Insights & Trends nasceram ou têm antepassados nascidos em países árabes. Os árabes também têm uma verdadeira fascinação pela natureza brasileira, pela Amazônia, por nossas praias. Essas conexões são ativos muito importantes da Diplomacia Econômica Ampliada e têm de ser exploradas por empresas que desejarem atuar na região, por instituições e por governos também. No livro eu cito um exemplo esclarecedor de ação baseada no conceito de Diplomacia Econômica Ampliada. Destaco o evento Brazilian Festival, organizado em 2018 pela Câmara Árabe no shopping Yas Mall, na capital emiradense Abu Dhabi. A ação contou com a participação de personagens da Turma da Mônica, levados pela Maurício de Souza Produções, e outras marcas brasileiras. Foi organizada pensando nos detalhes que poderiam refletir na cultura local, para favorecer a estima recíproca entre os povos e para refletir de forma positiva a imagem dos produtos brasileiros. As atrações culturais, como era de se esperar, ganharam a simpatia do público árabe e exposição positiva na mídia local. O saldo final foi altamente favorável, pois as empresas expositoras conseguiram contatos, e houve, inclusive, negócios fechados ainda no evento e que perduram até hoje.

9. Como você espera que o seu livro contribua para o fortalecimento dessas relações e para a educação de profissionais e empresários brasileiros sobre o mercado árabe?

Espero que este livro seja fonte de inspiração para os agentes da relação bilateral Brasil-Mundo Árabe, como governantes, empresários, profissionais e estudantes. Inspiração para traçar caminhos que acelerem e desenvolvam as relações de forma ainda mais sólida e consistente. E também que seja uma espécie de guia sobre como atuar e construir relações consistentes no mundo árabe. Creio que a leitura aumentaria bastante as chances de sucesso de empresários na região através da ampliação do conhecimento sobre a cultura e estilo de vida locais.

10. Por fim, o que os leitores podem esperar de mais na obra, além das discussões sobre negócios e marketing? Existe algo relacionado à cultura ou à história da região que você deseja destacar?

Eu espero que, após o fim da leitura, o leitor compreenda a importância do mundo árabe para o Brasil, não só a econômica, mas também cultural e histórica. Creio que a obra alcança esse objetivo. Desejo uma boa leitura a todos.

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