Entrevista: Sirlene Domingues, farmacêutica e estudante de Medicina

Entrevista: Sirlene Domingues, farmacêutica e estudante de Medicina

1. O e-book é o primeiro de uma série de três. Como surgiu a ideia de registrar sua trajetória de vida dessa forma?

O sonho sempre foi escrever um livro para inspirar mulheres que viveram situações semelhantes à minha — egressas ou encarceradas — a acreditarem que é possível vencer o sistema sem ser aniquiladas por ele. O lançamento do e-book virtual surgiu como uma ferramenta prática para compartilhar minha história, angariar fundos para me ajudar financeiramente enquanto curso Medicina e, ao mesmo tempo, mostrar que, mesmo diante de obstáculos imensos, é possível transformar dor em aprendizado e resistência.

2. Ao revisitar sua história, desde a infância até o cumprimento de pena, qual foi o momento mais desafiador e como você encontrou forças para seguir em frente?

Vivi muitos momentos desafiadores, mas o mais doloroso, que ainda não foi revelado neste primeiro e-book, e está reservado para o segundo, foi lidar com a separação da minha filha dentro do cárcere. Na segunda vez em que estive presa, eu estava gestante, e minha filha nasceu lá. Amamentei por sete meses e precisei entregá-la à minha família. Esse foi o momento mais devastador da minha vida, quando percebi que aquela dor poderia me destruir ou me reconstruir, e eu escolhi me reconstruir. A força para continuar em frente e resistir veio da certeza de que minha filha precisava de mim e de que a história dela precisava ser diferente da minha, eu precisava romper o ciclo e consegui!

3. Como a escrita e a leitura se tornaram ferramentas de cura e resistência durante o período de encarceramento?

A leitura me levou a novos mundos e perspectivas, enquanto a escrita me permitiu expressar emoções complexas, refletir sobre minhas escolhas e registrar minhas vivências de forma consciente. Juntas, tornaram-se uma forma silenciosa de resistência, ajudando-me a manter a mente ativa, a autoestima preservada e a esperança viva.
Em um ambiente onde o ócio e a opressão predominam, ler e escrever tornam-se sinônimos de liberdade.

Abrindo os braços para a liberdade, abrindo os braços com o vento eu voo, pois tenho asas em meus pensamentos e posso sair, ficando onde estou” – refrão de um rap que compus na prisão, em parceria com outras detentas.

4. Qual mensagem você deseja transmitir aos leitores sobre resiliência, fé e superação de adversidades?

Quero mostrar que, mesmo diante de circunstâncias extremas, é possível reconstruir-se e lutar pelo próprio destino. A fé em si mesma, aliada à resiliência, transforma dor em aprendizado e adversidade em força. Nenhum sistema, por mais cruel que seja, é capaz de apagar a dignidade ou a capacidade de uma pessoa de acreditar em sua própria mudança.

5. Hoje, como farmacêutica e estudante de Medicina, como você enxerga a importância da educação na reconstrução de vidas marcadas pela vulnerabilidade social?

A educação é uma das ferramentas mais poderosas de libertação e empoderamento. Ela oferece conhecimento, novas perspectivas e oportunidades, permitindo que pessoas em situação de vulnerabilidade transformem suas histórias e rompam ciclos de exclusão social. Para mim, a educação vai além de um caminho profissional — é uma forma de reconstruir minha identidade e inspirar outras mulheres a acreditarem em seu potencial.

6. Que reflexões você espera provocar sobre o sistema prisional brasileiro e suas consequências na vida das mulheres?

Espero que os leitores compreendam que o sistema prisional muitas vezes perpetua desigualdades, estigmas e a marginalização das mulheres, sobretudo as que vivem em maior vulnerabilidade social. Quero provocar uma reflexão sobre a urgência de políticas públicas mais humanas, que promovam reintegração, oportunidades e respeito à dignidade, em vez de apenas punição e exclusão.

7. A obra aborda questões de racismo estrutural, criminalização da pobreza e violências institucionais. Como você sugere que a sociedade enfrente essas problemáticas?

Acredito que o enfrentamento dessas questões começa pela conscientização coletiva, pela educação e por reformas no sistema de justiça. Precisamos de políticas públicas voltadas à equidade e de uma sociedade disposta a olhar além da punição, reconhecendo as histórias e contextos de cada pessoa. Somente assim poderemos combater as desigualdades que geram vulnerabilidade e construir caminhos reais de inclusão e dignidade.

8. Como conciliar o ato de denúncia social com o relato pessoal, sem perder a sensibilidade e a autenticidade da narrativa?

O segredo está em manter o foco na experiência vivida, com sinceridade e sensibilidade, sem recorrer ao sensacionalismo. É possível denunciar injustiças e revelar as falhas do sistema, ao mesmo tempo em que se compartilha aprendizado, emoção e reflexão. Assim, a narrativa se torna não apenas uma denúncia, mas também uma fonte de inspiração e consciência.

9. De que forma a renda obtida com o e-book contribui para sua autonomia e para o sustento de sua família?

A renda obtida com o e-book me proporciona independência financeira para seguir com minha formação em Medicina, que exige dedicação integral e me impede de exercer um trabalho formal. Sou mãe solo, pago aluguel e não tenho rede de apoio. Essa renda me permite sustentar minha família, continuar estudando e investir em projetos sociais e educacionais que refletem o propósito da minha trajetória.

10. Existe alguma lição ou insight que você espera que leitores em situações difíceis levem consigo após a leitura do e-book?

Espero que compreendam que, mesmo em momentos de extremo desafio, é possível reconstruir a própria vida, aprender com a dor e transformar a adversidade em força. Que encontrem esperança, coragem e a certeza de que cada passo positivo — por menor que pareça — é um passo em direção à liberdade e à dignidade.
Que saibam que ninguém deve ser definido pelo erro que cometeu, e que sempre é possível recomeçar e mudar a rota.

11. Como você pretende continuar utilizando sua experiência para inspirar e apoiar outras mulheres em situações semelhantes?

Pretendo ampliar meus projetos de impacto social, oferecendo orientação, palestras e incentivo à educação e à leitura para mulheres em situação de vulnerabilidade. Também quero continuar escrevendo e compartilhando minha história, criando ferramentas que fortaleçam a autoestima, a resiliência e a capacidade de reconstrução de cada uma delas.

12. Quais são seus próximos projetos acadêmicos, literários ou de impacto social após este lançamento?

No campo acadêmico, pretendo avançar nos estudos de Medicina e me dedicar a áreas que impactem positivamente a saúde de populações vulneráveis.
Na literatura, já estou desenvolvendo os próximos dois volumes da série, aprofundando histórias de resistência e superação.
No campo social, quero expandir minha ONG e os projetos de leitura, alcançando mais pessoas e oferecendo oportunidades reais de transformação pessoal e coletiva.

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