Entrevista: Carlos Carvalho, jornalista e escritor

1. O que o inspirou a criar a história de A Morte da Viúva e os conflitos familiares que permeiam o enredo?

A inspiração é sempre criar histórias policiais que prendam a atenção do leitor. Essa é a base do meu trabalho. Aproveito as histórias para levantar questões sociais, como os conflitos familiares, para instigar a reflexão do(a) leitor(a) sobre os problemas sociais que vivemos.

2. O delegado Luciano acredita que “o ser humano é o bicho mais complicado e perverso”. Como essa visão molda a narrativa e a condução da investigação?

Essa visão vai moldar a narrativa dos meus livros em que o delegado Luciano está presente pois, como ele mesmo diz, o ser humano é um bicho complicado e podemos esperar dele as melhores e piores atitudes. No caso das piores atitudes, esse é o confronto diário que o delegado enfrenta em sua busca por justiça.

3.  A obra aborda temas como ganância e destruição dasrelações familiares. Como você espera que esses elementos ressoem comos leitores?

Eu sempre espero que os temas que abordo em meus livros levem o leitor à pensar sobre nossas atitudes dentro da sociedade. Precisamos refletir sobre o tipo de sociedade que queremos construir e a reflexão sobre temas delicados pode ajudar nessa construção.

4.  O cenário carioca é fundamental para a história? Como a ambientação contribui para o clima de suspense?

R: Ela é fundamental na medida em que eu sou carioca e conheço as localizações que vou inserindo no livro. Isso ajuda a tornar a ambientação a mais realística possível. Quero escrever histórias de ficção, mas que poderiam perfeitamente acontecer em nossa sociedade. Então a ambientação do Rio de Janeiro ajuda nesse sentido.

5.  Existem personagens que foram particularmente desafiadores de desenvolver? Algum deles é seu favorito?

Todo personagem é desafiador pois, assim como as pessoas, os personagens possuem uma vida dentro da história, com suas nuances, seus sentimentos e motivações. É sempre um desafio criar um personagem, imaginando o que aquela pessoa pensa, o que ela sente o que a motiva, fazendo com que a sua história se entrelace com as demais e forme a teia de ação e suspense que você deseja. Meu favorito, com certeza, é o delegado Luciano, pois ele está presente em mais de uma história e, a cada aventura você vai moldando o personagem, trazendo novas características para ele.

6.  Seu fascínio por Agatha Christie é bem conhecido. Como essa influência se manifesta em seus romances policiais, especialmente em A Morte da Viúva?

Acredito que o fascínio por Agatha Christie está presente em todos os meus livros na construção da narrativa. Apresentando o problema para o leitor, no caso a morte de um ou mais de um personagem, mostrando as possibilidades de quem poderia ser o culpado e fazendo o desfecho com a apresentação do resultado. Ela era genial nesse tipo de construção e meu trabalho segue essa linha.

7. Qual foi o maior desafio ao escrever este livro? Houve Algum momento em que precisou revisar completamente alguma parte da história?

Acho que o grande desafio de toda obra que escrevo é construir uma narrativa que prenda o leitor, que faça com que ele não queira largar o livro até descobrir o culpado. Esse é meu grande desafio sempre que começo a escrever um livro. A escrita de ‘A morte da viúva’ até que foi bem linear, sem grandes percalços, o que nem sempre acontece. Para você ter uma ideia, quando escrevi ‘No silêncio da noite’ e ‘Culpado por traição’ modifiquei totalmente o final das histórias. Em cada um dos casos comecei a escrever com um assassino definido e modifiquei totalmente o final na medida em que a construção da história foi avançando. No caso de ‘A morte da viúva’ isso não aconteceu.

8.  A trama tem poucos indícios iniciais para a investigação. Como você construiu o suspense e a tensão a partir desse ponto?

A proposta é exatamente essa. Você apresenta o crime e, a medida que a história avança, você vai inserindo as pistas e possibilidades, buscando criar uma tensão crescente até o desfecho. É como subir uma escada, você vai subindo degrau por degrau até chegar ao topo. Minha narrativa busca trazer novos elementos a medida em que a história avança para aumentar gradativamente o suspense e prender o leitor.

9. A obra mistura o suspense policial com uma reflexão sobre a natureza humana. Como equilibrou esses dois elementos na narrativa?

R: Esse é o equilíbrio que sempre busco em meus livros, abordando a natureza humana em sua pior face, a de quem é capaz de tirar a vida de outro ser humano pelas razões mais variadas, e a busca por justiça de quem acredita que é possível construir uma sociedade melhor.

10.  Você começou a escrever histórias ainda na infância. Como foi o processo de amadurecimento da sua escrita até chegar aos romances policiais?

Acredito que o processo da escrita é uma evolução permanente, que nunca se encerra. Quando comecei a escrever, aos 12 anos, eram histórias simples, com poucos recursos literários e gramaticais. Na medida em que fui crescendo e adquirindo novos conhecimentos, eles foram sendo incorporados à minha escrita. Então, quanto mais escrevo, vou sempre melhorando alguma coisa. É o processo de terminar um trabalho e fazer uma avaliação do que funcionou ou não e ajustar para o próximo trabalho. Outra coisa que procuro fazer é ler o maior número possível de autores de romances policiais, para observar os diferentes estilos de cada um e a forma como eles constroem suas narrativas, isso me ajuda muito.

11.    A Morte da Viúva é seu quarto romance policial. O que mudou no seu processo criativo desde seu primeiro livro no gênero?

No processo criativo não sei se mudou muita coisa, pois parto sempre da mesma premissa para escrever meus livros. Uma ideia básica de uma situação de morte que vou desenvolvendo e ampliando até construir uma história consistente. Acho que o que mudou é a forma de trabalhar, pois como falei acima, quanto mais você escreve, mais você consegue aprimorar a sua escrita. Então hoje tenho mais cuidado em checar informações, observar detalhes, para que a história seja o mais verossímil possível.

12. A literatura policial muitas vezes reflete questões sociais. Como você enxerga o papel desse gênero na crítica e reflexão sobre a sociedade?

Acho que a literatura de forma geral, não só a policial, precisa ter esse papel de colocar questões sociais para a reflexão do leitor. Uma história bem contada pode gerar muitas reflexões e questionamentos. No caso específico do romance policial acho que trabalhamos com o que existe de pior na sociedade que a morte, o assassinato. Uma faceta da sociedade que muitos preferem que fique à margem das discussões. Com certeza muitos leitores preferem um bom romance a uma obra que aborda a violência. Mas a violência faz parte do nosso cotidiano e precisa ser discutida, afinal quem ainda não sofreu algum tipo de violência hoje em dia. Além disso, acho que o romance policial pode abordar outros temas que são presentes em nossa sociedade, mas muitas vezes são ‘varridos para baixo do tapete’, como as relações familiares por interesse, a ganância, as drogas, o alcoolismo, a questão da homossexualidade, da prostituição. Sempre procuro abordar algum desses temas, é uma forma de convidar o leitor à reflexão.

13.  Seus leitores destacam a surpresa nas reviravoltas. Como você trabalha para manter a imprevisibilidade nas suas tramas?

Sempre que estou escrevendo uma história, vou evoluindo a narrativa até que um determinado momento dou uma parada para analisar, como posso terminar essa história da maneira mais surpreendente possível? Faço essa análise e sigo o caminho que acho que vai deixar o leitor mais surpreso. Por isso modifiquei totalmente o final de dois dos meus livros.

13.    O livro tem apenas 98 páginas, o que é incomum para o gênero. Por que escolheu esse formato mais conciso?

Acho que isso vem da profissão, sou jornalista. No jornalismo trabalhamos o tempo inteiro com a concisão do texto. Eu procuro equilibrar a concisão com a quantidade exata de informação. Não me agrada a ideia de ficar colocando conteúdo que nada acrescenta à história e que pode cansar o leitor e fazê-lo desistir da leitura. Mas também quero que o leitor tenha todas as informações que precisa para acompanhar a história.

14.    Quais são seus próximos projetos? Podemos esperar mais histórias do delegado Luciano?

Com certeza podem esperar. Os projetos são muitos, só preciso ver se terei folego para desenvolvê-los. Se tudo der certo, teremos mais histórias do delegado Luciano, pelo menos nos próximos 3 ou 4 anos.

15.    Além de escrever, você também criou um site para divulgar novos talentos. Como vê o papel da internet na democratização da literatura?

A internet tem um papel fundamental, não só na literatura, mas na propagação da comunicação de uma forma geral. No caso da literatura ela permite que muitos autores possam alcançar os leitores de uma forma mais ampla e democrática. Antes da internet você dependia exclusivamente das grandes editoras, hoje você tem autores que só atuam no mundo virtual, de forma autônoma, e alcançam grandes públicos. A única questão que levanto é que precisamos ficar atentos ao que é publicado na internet, tanto na literatura como fora dela. Na era das fake news é preciso muito cuidado e critério com o que se publica e o que se lê.