Entrevista: Fernanda Suplicy, empreendedora

Entrevista: Fernanda Suplicy, empreendedora
  1. O que a motivou a escrever “Mãe Que Conversa”? Como foi o processo de transformar sua experiência pessoal com a maternidade em um livro?

Escrever foi meu jeito de fazer sentido da experiência, de não me sentir só, de construir um caminho para mim e para outras mulheres. Foi também uma forma de resistir a um modelo de maternidade que não fazia sentido pra mim. Mas veio de forma natural e quase sem querer. Através da organização de tudo que estava pulsando em mim, de muita vivencia e muitos estudos e cursos, abri no inicio da pandemia a conta @maequeconversa (e escuta) no instagram e fui iniciar a produção de conteúdo. Quando ia fazer um post, era tanta informação que tinha o desejo de compartilhar que saiam 6 páginas ao invés de um um post e assim fui organizando conteúdo por temas e ia produzindo material para as redes além do que as redes dariam conta. Quando me dei conta, tinha um livro no meu computador. Veio o desejo e o insight da publicação, mas muitas coisas no caminho fizeram com que ele fosse publicado somente agora, no mês das mães, em 2025.

  1. “Mãe Que Conversa” propõe um olhar mais introspectivo sobre a maternidade. De que forma o autoconhecimento se conecta com a construção de um vínculo saudável entre pais e filhos?

Da forma mais direta possível. Na minha visão, é somente através do autoconhecimento que nos tornamos melhores seres humanos e, por consequência, melhores cuidadores. Eu digo que filhos são portais que nos levam para a cura através do que nos mostram e dos convites que são feitos, dos desafios que surgem, dos sentimentos que brotam em nós. Aí cabe a cada um, usufruir desse portal ou ignorá-lo e seguir vivendo no automático e/ou repetindo padrões e crenças de geração para geração.

  1. Você menciona que a maternidade é uma verdadeira transformação. Quais foram as principais mudanças que você percebeu em si mesma desde que se tornou mãe?

Eu quase nem lembro mais quem eu era antes desse mergulho que dei. Brinco que pessoas que me conheciam antes e hoje não tem contato comigo no dia-a-dia, talvez eu tenha me reapresentar rsrs… Dei um salto de desenvolvimento pessoal por ter entendido que a única maneira de educar meu filho, era me reeducar também. Olhei e sigo olhando pra dentro. Os insights são contínuos e sem fim. E posso dizer que nunca gostei tanto de mim como gosto hoje. Minha vida é mais leve, mais fluída. Escolho todos os dias ser feliz — e isso não significa estar sempre sorrindo ou sem problemas, mas ter aprendido a prática de viver o hoje, valorizar o simples, aceitar os fatos e cuidar de mim. Aprendi a viver e vibrar o amor. E isso é transformador. Mas não foi num clique: passei por muitos processos e sigo passando. Sou falha, tenho feridas, mas hoje as olho com autocompaixão.

Um exemplo prático: antes, talvez eu tinha uma reação automática em situações de estresse, mas hoje eu consigo pausar, respirar e escolher como quero agir. Esse é um fruto direto do autoconhecimento.

  1. O livro aborda temas como apego, escuta ativa e inteligência emocional. Qual desses temas você considera mais desafiador para as mães e pais de hoje em dia?

É lento ainda, mas há um movimento muito grande para esse olhar de cuidado maior com as emoções. Isso porque hoje a ciência está comprovando a importância disso. Sobre o que é mais desafiador, depende da história de cada um, do que cada um recebeu na infância, das feridas e da criança interna que cada um carrega. Para alguns por exemplo, escutar o filho sem interromper já é um desafio enorme, porque nunca foram escutados assim. E é por isso que não existe um manual para criação de filhos. 

  1. Em relação ao conceito de “criação com apego”, como você acredita que ele pode ser praticado de forma equilibrada, sem sobrecarregar os pais com exigências irrealistas?

Respeitando o próprio processo e não se comparando a absolutamente ninguém, a não ser a si mesmo. Cada um dá o melhor que pode, com as vivências e ferramentas que possui. Um passo de cada vez. A perfeição não existe. Vamos falhar — e a questão é como agimos diante da falha e o que aprendemos com ela. O foco deveria estar na evolução, no desejo de quebrar ciclos de violência (explícita ou silenciosa), mas cada um dentro de suas possibilidades. Cada pequeno passo deve ser celebrado. Transformações não acontecem do dia para a noite.

Criar com apego, não significa ser disponível 100% do tempo ou abrir mão de si. Significa construir uma relação baseada na confiança, com presença e respeito mútuo.

  1. Como você vê a importância da vulnerabilidade na jornada da maternidade? Em sua opinião, as mães podem ser mais impactadas ao reconhecerem suas próprias fraquezas?

Para mim, o mais difícil é o oposto: não se vulnerabilizar. Quando nos permitimos ser vulneráveis, autorizamos nossos filhos a serem também. Autorizamos o erro, a humanidade. E, se não reconhecermos nossas fraquezas, como vamos melhorar algo que nem sabemos que existe? Algumas vezes, chorei na frente do meu filho e disse: ‘a mamãe tá triste, mas vai ficar bem’. Ele entendeu, me acolheu e não perdeu a referência de segurança.

  1. O prefácio de Marcos Piangers traz uma reflexão sobre a transformação que a paternidade também provoca nos homens. Qual a sua visão sobre a evolução do papel dos pais na criação dos filhos nos dias atuais?

Ainda estou sem acreditar que o prefácio foi feito pelo piangers — sou muito fã dele. E respondendo sua pergunta: é um desafio enorme trazer os homens para perto — ao menos a maioria deles. E eles nem podem ser culpados sozinhos por isso, pois a construção social foi feita para que a carga fosse toda materna. Mas isso precisa mudar. Pela saúde mental das mães, sim, mas também pela oportunidade que a paternidade oferece ao homem de olhar para si, de se conectar com suas emoções, de se curar. Muitos homens foram silenciados emocionalmente. Não é sobre “ajudar” a mãe. É sobre ser pai. É sobre ser humano. É sobre dar o que não recebeu — e, no processo, se transformar. A paternidade também pode curar — se o homem tiver coragem de entrar.

  1. “Mãe Que Conversa” se afasta das fórmulas prontas e oferece caminhos. Quais foram as maiores inspirações práticas que você encontrou ao escrever o livro?

Me afasto das fórmulas prontas porque realmente não acredito que elas existam. Minhas maiores inspirações foram as vivências pessoais — muitas delas contadas no livro — e o mergulho nos estudos e no meu autoconhecimento.

  1. A plataforma @maequeconversa, que você fundou, foi uma forma de criar uma rede de apoio para pais e mães. Como essa troca de experiências influencia a escrita do livro e a maneira como você compartilha seus conhecimentos?

De forma super direta. O conteúdo do instagram são frações do que está no livro — mas no livro ele vem de forma contínua, organizada e mais profunda. Minha escrita é fluída, verdadeira, e mistura vivência, coração e embasamento teórico. E muitas mensagens que recebo por lá me mostram como essas palavras encontram quem precisa. Essa troca me alimenta e também me faz evoluir.

  1. Quais são as principais mensagens que você gostaria que os leitores levassem de “Mãe Que Conversa” ao aplicarem suas abordagens no dia a dia?

Acho importante frisar que tanto o autoritarismo quanto a permissividade são prejudiciais na criação. Acolher não é permitir tudo. Limites são essenciais. Dito isso, gostaria que, após a leitura, o leitor se sentisse convencido de que o amor, o afeto, a escuta e o acolhimento são o caminho para qualquer relação. Que é possível viver com mais leveza e respeito a si e ao outro. E que o primeiro passo para isso é olhar pra dentro — mesmo que isso doe. O resto vem depois. Se a escuta verdadeira for a base, o resto a gente constrói.

  1. Por fim, o livro está sendo lançado próximo ao Dia das Mães. Qual é o seu desejo para as mães que estão começando essa jornada e para aquelas que já estão nela, mas buscam novas formas de se conectar com seus filhos?

Meu desejo é que mães, pais, avós — seres humanos em geral — possam sentir e dar amor. Possam se acolher para acolher o outro. Entendam que entregar amor é também uma forma de amar a si mesmo. Não é fácil criar uma criança — demanda demais, quem tem uma em casa sabe. Eles darão trabalho, farão bagunça, serão intensos — porque são crianças. Não é sobre romantizar. É sobre conscientizar. E sobre entender a força transformadora do afeto.

Meu desejo é que mães, pais, avós, seres humanos em geral possam sentir e dar amor com presença e consciência. Que possam se acolher para então acolher o outro. Entendam que entregar amor ao outro é, muitas vezes, uma forma profunda de dar amor a si mesmo.

Criar uma criança não é simples. Demanda demais. Quem tem uma em casa sabe. Elas vão dar trabalho — e está tudo bem. Elas são crianças, não pequenos adultos.
Não se trata de romantizar a maternidade, mas de conscientizar sobre a importância do afeto para construirmos um mundo mais justo e empático. 

Que cada mãe possa se sentir autorizada a fazer do seu jeito, a recomeçar quantas vezes for preciso, a errar com amor e a viver esse caminho com mais leveza. Porque quando a gente se ama e se cuida, educar deixa de ser um fardo e passa a ser uma relação. E isso muda tudo.

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