Novo livro amplia a discussão sobre divisão sexual do trabalho, precarização e classe social, com base na obra de importantes intelectuais feministas
As autoras Bárbara Machado e Camila Pinheiro fazem, neste recente lançamento, uma sistematização crítica da teoria feminista sobre gênero e trabalho. [Imagem: Divulgação]
É impossível pensar a história do trabalho no Brasil sem considerar os quatro séculos de escravidão de mulheres e homens. Nossa nação se construiu sobre a violência e abuso dos corpos de mulheres negras e indígenas, exploradas sexualmente e usadas como mão de obra escrava. Nos dias de hoje, a precarização das trabalhadoras e a sobrecarga com trabalho doméstico, emocional e relacional ainda efervescem o amargo questionamento: qual o papel da mulher na sociedade de classes? O livro “Relações de gênero e trabalho: história e teoria” faz sistematização crítica da teoria feminista sobre gênero e trabalho, em intrínseco diálogo com questões de raça e classe social, para denunciar os numerosos percalços impostos pelas instituições do patriarcado.
As autoras Bárbara Araújo Machado e Camila Fernandes Pinheiro se apoiam em alguns dos mais relevantes escritos acadêmicos sobre gênero e trabalho, criando um panorama que historiciza esses debates em contextos espaciais e temporais diversos. Heleieth Saffioti, Angela Davis, bell hooks, Audre Lorde, Patricia Hill Collins, Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro são as pensadoras que dão base à obra aqui apresentada, com suas ricas análises críticas sobre temas como estudos de gênero; exploração do trabalho; teoria da reprodução social; divisão sexual do trabalho; feminismos negros; precarização e cuidado – no Brasil e no mundo.
Gênero: conceito e influência na divisão do trabalho
Falar de gênero não significa tratar estritamente de mulheres, mas das relações envolvidas na construção social do gênero; daquilo que se considera socialmente feminino, masculino e de elementos que não se encaixam em tal binômio. A partir da noção de gênero, é possível compreender que a diferença entre os sexos está assentada principalmente em uma construção cultural e histórica.
Não apenas a diferença de gênero, mas também as disparidades de raça e classe social impactam na inserção das mulheres nas dinâmicas de trabalho. “Além do encerramento no âmbito doméstico vivido por mulheres brancas de camadas médias, experiências históricas como a escravização sofrida por mulheres negras e indígenas em contextos coloniais se desdobraram contemporaneamente em uma ocupação significativa de postos mais precarizados de trabalho por estas mulheres”, aponta Dra. Bárbara Araújo Machado. Os movimentos feministas vêm, desde o século XIX, se diversificando e complexificando para lutar contra esse quadro geral. “Através do feminismo, busca-se compreender as especificidades e as dinâmicas entre as diferentes relações sociais que impedem uma vivência equânime do trabalho pelo conjunto das mulheres”, complementa a autora, que pesquisou o movimento de mulheres negras no Brasil em seu doutorado.
Precarização e mão de obra feminina
A precarização contemporânea do trabalho é fruto das mudanças estruturais no capitalismo que desencadearam novas formas de trabalho – onde a desregulação neoliberal e privatizante vem substituindo o modelo regulatório da social-democracia. No capítulo 6, a autora Camila Pinheiro explica que as mulheres foram inseridas em formas precárias de trabalho, como mão de obra barata, em funções de menor qualificação e espaços de informalidade. “Houve uma inserção diferenciada de homens e mulheres no mundo do trabalho, ligada à dificuldade de acesso delas à qualificação para atuarem em ambientes de trabalho nos quais se emprega alta tecnologia, caracterizando um processo de feminização das categorias de trabalho não qualificadas”, escreve, em referência à obra “Dinâmica sexista do capital: feminização do trabalho precário”, de Renata Gonçalves (2003).
O capitalismo também adaptou as desigualdades de gênero à favor de sua reprodução, incidindo na dinâmica da família, da forma com a sociedade lida com atividades de cuidado, como o trabalho doméstico, e mesmo nas relações afetivas. “As mulheres sofrem opressões marcadas por essa tônica, sendo normalmente aquelas que acumulam as maiores cargas de trabalho e ocupam as posições de maior precariedade no mercado de trabalho”, ressalta Dra. Bárbara Machado. Trabalho emocional e trabalho relacional são debates de destaque no sexto capítulo do livro, que atenta para a densa carga de trabalho não remunerado normalizada nos círculos femininos.
As análises propostas em “Relações de gênero e trabalho: história e teoria” amplificam o eco de reflexões necessárias à construção de uma realidade mais justa. Leitura de grande proveito a estudantes e pesquisadoras(es) no campo das Ciências Humanas e às cidadãs e cidadãos que se interessam pelas relações sociais entre gênero e trabalho. Já disponível para compra no site da Livraria Intersaberes.
Ficha técnica
Livro: Relações de gênero e trabalho: história e teoria
Autor: Bárbara Araújo Machado e Camila Pinheiro
Número de páginas: 308
ISBN: 9786555170894
Formato: brochura (paperback)
Dimensões: 1,6 x 14 x 21 cm
Preço: R$123,20
Editora: Intersaberes
Acesse mais informações sobre o livro “Relações de gênero e trabalho: história e teoria”
Sobre as Autoras
Bárbara Araújo Machado é doutora, mestre e graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Trabalha como professora adjunta no Instituto de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). No doutorado, pesquisou o movimento de mulheres negras no Brasil e, no mestrado, a trajetória e a obra da escritora Conceição Evaristo. Tem como principais temas de pesquisa relações de gênero e feminismo, relações raciais e diáspora africana, movimentos sociais, teoria social e educação. Publicou Clássicos da História: Edward Palmer Thompson (2020), pela Editora InterSaberes.
Camila Fernandes Pinheiro é doutoranda, mestre e graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atua como professora na rede municipal em Cachoeiras de Macacu e Guapimirim, no Estado do Rio de Janeiro. Sua pesquisa de mestrado abordou a economia doméstica e a extensão rural como formas de controle do trabalho feminino no campo brasileiro. Integra o Núcleo de Pesquisas sobre Estado e Poder no Brasil, da UFF, e atua na área de história do Brasil republicano, com ênfase em história agrária e relações de gênero no campo.