Entrevista: Prof. Doutor Luís Henrique Andia, empresário e CFO do Instituto Pecege

Entrevista: Prof. Doutor Luís Henrique Andia, empresário e CFO do Instituto Pecege


1. Como surgiu a ideia de unir os princípios do estoicismo com educação financeira?

Eu trabalho há 20 anos com plano de negócios, controle de estoque, enfim, tudo aquilo que qualquer gestor financeiro faz, com técnicas e metodologia. Mas, ao longo do tempo, comecei a me deparar com situações não apenas do CNPJ, do lado corporativo, e sim com as pessoas. Percebi que muitas delas, mesmo estando no ambiente corporativo, enfrentam problemas financeiros pessoais e esses problemas impactam diretamente na produtividade, no bem-estar e no desempenho.

Cheguei à conclusão de que um dos grandes fatores que impedem uma pessoa de produzir de forma adequada é justamente a falta de equilíbrio financeiro. Vi várias situações em que alguém recebia aumento de carga ou de salário e, mesmo assim, continuava com o mesmo problema. Porque, quanto mais se ganha, mais se gasta.

Tenho uma empresa de contabilidade em Santa Bárbara d’Oeste, que existe há 35 anos. Há cerca de 10 anos, percebi essa questão e decidi dar um treinamento de finanças pessoais para o pessoal da empresa. Foi a primeira vez que fiz isso, e na época foquei bastante na parte técnica, ensinar como controlar gastos, planilhas, orçamentos etc. Depois de um tempo, percebi que isso não adiantava muito. Não adianta atuar só na técnica, porque se a pessoa não mudar o comportamento e a forma de pensar, não vai chegar a lugar nenhum.

Deixei o projeto em pausa por um tempo. Mas, no começo de 2025, a equipe do Pecege me convidou para ministrar um treinamento de finanças pessoais para os colaboradores. Foi então que a ideia renasceu.

Eu gosto muito de filosofia — todas as filosofias, na verdade — e também de psicanálise. É um prazer pessoal, gosto de estudar e ler sobre o tema. Alguns anos atrás comecei a ler sobre o estoicismo e percebi que eu já era, por natureza, um estoico. Sempre me comportei de forma estoica, só não sabia que tinha esse nome. A partir daí, comecei a fazer conexões: o estoico é aquele que entende que precisa guardar dinheiro, ter disciplina, controlar impulsos. E isso tem tudo a ver com finanças.

Foi então que surgiu o livro,  primeiro veio o treinamento e depois o livro. A primeira vez que apliquei esse modelo foi  no Pecege: um treinamento em finanças com base nos princípios do estoicismo. Ficou muito bacana, porque consegui juntar as duas coisas — a técnica e a filosofia — justamente porque percebi que, para mudar de fato, é preciso mudar o comportamento, não apenas aprender planilhas de Excel.

2.   Qual é a principal mensagem que você deseja transmitir aos leitores com Finanças para Estoicos?

Todo mundo tem um orçamento limitado. O ponto não é quanto você ganha, mas como administra o que tem. É preciso ter sabedoria para fazer essa gestão, e isso envolve mudança de comportamento. Por isso, o livro traz essa bagagem filosófica, mas de forma leve, nada daquele estilo pesado dos livros acadêmicos. Faço amarrações práticas, mostrando como filosofia e finanças se conectam no dia a dia.

Meu foco principal é o público mais jovem, de 20 a 35 anos, porque, nessa fase, a emoção ainda fala mais alto que a razão — até por questões hormonais. Vivemos um tempo muito acelerado: as pessoas fazem muito e refletem pouco. E quando não se pensa, outros pensam por você. Você vê um post, uma ideia, e simplesmente aceita, sem refletir se concorda ou não. Há muito conteúdo superficial, e é preciso desenvolver pensamento crítico.

3.  O livro propõe equilíbrio entre razão e emoção. Como esse conceito se aplica às decisões financeiras do dia a dia?

A verdade é que somos movidos pela emoção. Ninguém é movido apenas pela razão. E o mercado sabe disso. Veja a Black Friday, por exemplo: cartazes piscando, outdoors, propagandas dizendo “Compre agora!”. A pessoa acredita que está mais barato — mas, muitas vezes, não está. As empresas aumentam o preço em setembro para depois “dar desconto” em novembro.

E o consumidor, movido pela emoção, gasta mais do que pode. Não pensa que em dezembro vem o 13º, as férias, os presentes de fim de ano. A falta de racionalidade nas decisões financeiras é o que mais observo, tanto em empresas quanto em pessoas.

Por isso, o livro fala muito sobre equilibrar razão e emoção. A ideia é que, com esse equilíbrio, a pessoa consiga encontrar felicidade — e entenda que a felicidade está onde ela está agora. Isso é filosofia. O estoicismo ensina que 100% dos seus problemas, na verdade, estão dentro de você.

Dou um exemplo simples: alguém diz “Ah, fui pro bar, tinha R$200 na conta, me diverti, mas agora acabou o dinheiro e não consigo abastecer o carro”. Ou seja, o problema foi criado por ela mesma. Faltou pensar, planejar. Esses hábitos precisam ser desenvolvidos ao longo da vida.

Tenho um filho e sempre tento passar esses ensinamentos para ele. Quando terminei o livro, entreguei e disse: “Está tudo o que seu pai sabe aqui dentro. Leia, releia. Se seguir 80% do que está aqui, você vai ser feliz.”

4. Que hábitos financeiros você considera mais importantes para desenvolver uma relação saudável com o dinheiro?

A mensagem é simples: você pode mudar de carro, viajar, comprar coisas, e tudo isso te dá alegria — mas a verdadeira felicidade vem de aceitar o momento presente e ter domínio sobre si mesmo. É isso que o estoicismo ensina, e é isso que busco transmitir no meu trabalho com finanças pessoais.

Então, é assim: a busca do ser humano sempre foi pela felicidade. Na minha geração, eu queria ser feliz. Já na geração atual, parece que as pessoas acham que têm o direito de ser felizes. Essa ideia do “direito à felicidade” complicou, porque acaba levando muita gente a fazer um monte de insensatez em nome desse direito.

Na minha época, eu dizia: “eu quero ser feliz”, ou “eu estou feliz”. Agora virou um negócio impositivo. A pessoa olha uma foto no Instagram — alguém num restaurante em São Paulo — e pensa: “nossa, olha que lugar incrível, essa pessoa é muito mais feliz do que eu”. Mas não é. Muitas vezes, a pessoa que postou está infeliz, e só quer mostrar uma imagem.

As pessoas precisam entender mais de filosofia — nem tanto de psicologia, porque todas as psicologias vieram da filosofia. A filosofia é a base de tudo. Freud veio muito depois desses pensadores antigos.

A felicidade, na verdade, é diretamente proporcional às expectativas que a gente cria. Quanto mais expectativa você tem, menos feliz você é. É simples: dose suas expectativas. Use a razão para equilibrar a emoção.

Os filósofos antigos eram gênios. Perto deles, Freud é um menino. Eles pensavam sobre a vida em uma época em que não existia praticamente nada do que temos hoje — nem tecnologia —, mas havia reflexão. Hoje parece que ninguém pensa mais. Está todo mundo no automático. Ninguém discute nada, ninguém debate, ninguém para meia hora para refletir.

Esses aprendizados filosóficos são milenares e continuam atuais. Alguém lê um texto de 2.000 anos atrás e diz: “nossa, parece que foi escrito hoje”. Claro que parece! Isso é filosofia. A filosofia é eterna — como Mozart ou Beethoven — daqui mil anos ainda estarão sendo tocados.

Por isso achei tão interessante o gancho do livro: juntar teoria e técnica financeira com uma filosofia antiga. Essa combinação dá fluidez e atualidade ao conteúdo. O livro fica moderno porque é atemporal.

Daqui 15 ou 20 anos, meu filho pode reler e ainda vai fazer sentido. A ideia é essa — que o leitor possa aplicar o ensinamento na prática.

6. Você menciona que o livro não é um manual, mas sim um aprendizado. Como o leitor pode aplicar os ensinamentos de forma prática?

No final do livro, tem alguns bônus. Um deles é uma planilha,  pode ser feita até em papel de pão. A ideia é que a pessoa anote “como está hoje” e “o que pretende mudar”. Pode colar na geladeira, igual a uma dieta. É para olhar todo dia, refletir, ajustar.

Mas, claro, eu não posso estar com cada leitor o instigando para saber se ele está sendo sincero. Por isso, o livro inteiro, com 21 capítulos, conduz a essa reflexão.

Falo sobre reserva financeira, gratidão no trabalho, empenho, propósito, e sobre o dinheiro como consequência do trabalho, não como fim.

Meu filho, por exemplo, os amigos dele dizem que vão fazer medicina “porque dá dinheiro”. Eu sempre respondo: está enganado. Tenho vários clientes médicos endividados. Dinheiro é consequência de fazer algo com amor. Se você faz o que gosta, dificilmente deixará de ganhar dinheiro. Agora, se faz algo só pelo dinheiro, vai perder a motivação rápido.

Falo muito disso no livro: a sabedoria e a serenidade vêm com o tempo de vida, com as experiências. Quanto mais velho, mais sábio você deveria ser — em tese, pelo menos.

Falo também sobre propósito. Seu propósito pode mudar com o tempo

Como ensina o estoicismo, a gente nasce sozinho e morre sozinho. Então vale refletir: o que você quer da sua vida?

As empresas são parecidas com as pessoas nesse sentido. Às vezes, gastam, investem, arriscam sem propósito, só no impulso. É o mesmo erro.

Vivemos numa era da ostentação. Na minha época, ostentar era ter um pós-doutorado, estudar, conhecer, evoluir como ser humano. Hoje, ostentar é mostrar o que comprou.

8.  O lançamento contou com a participação de acadêmicos e sociedade civil. Qual foi a recepção e feedback que você recebeu nesse evento?

O lançamento do livro foi muito especial — uma festa bonita, com música boa, comida boa, bebida boa e pessoas interessantes. Depois, comecei a receber retornos incríveis. Gente,  dizendo que o livro os fez refletir sobre a vida, sobre a relação com Deus, sobre gratidão. É uma leitura leve, rápida, acessível, mas que provoca reflexão.

O material ficou bonito — capa dura, papel de qualidade —, mas o que mais importa é o conteúdo. Como eu disse no lançamento, podia estar escrito num papel de pão, o que vale é a mensagem.

Uma das experiências mais marcantes da minha vida foi na Grécia, numa antiga escola de Aristóteles. Havia uma pedra grande onde o professor se sentava e várias pedras pequenas para os alunos. Tirei uma foto sentado numa dessas pedras. Ali entendi que a gente está eternamente aprendendo.

O que importa não é o cenário, mas a troca de conhecimento. E isso está desaparecendo. A ideia é resgatar essa troca, fazer as pessoas pensarem de novo.

Quem gosta de ensinar vai entender bem o que estou fazendo. Infelizmente, o professor é um dos profissionais mais desvalorizados no Brasil.

9.   Todo o valor arrecadado com o livro será destinado às ações de Responsabilidade Social do Pecege. Qual importância desse gesto para você?

Eu estudei a vida toda com bolsas — desde o ginásio até o doutorado. Tudo o que tenho, devo à educação pública e às pessoas de bom coração.

Por isso, sempre fiz muita ação social. Organizei o setor social do Pecege, criamos programas de bolsas, campanhas, projetos… Porque, quando você pensa em legado, percebe que dinheiro é o que menos importa.

Meu objetivo com o livro não é lucro. Quero divulgar, espalhar conhecimento, distribuir cópias, doar. Porque ensinar algo é a forma mais bonita de deixar um legado.

A editora embarcou na ideia — queremos tornar o livro acessível, talvez com versões mais simples, capa mole, papel comum, para um custo menor. Sou meio resistente ao e-book, porque quero que as pessoas peguem o livro na mão, leiam, reflitam.

10.   Como você vê a educação financeira no Brasil atualmente, diante do interesse crescente identificado pela Febraban?

Acho incrível que hoje algumas escolas estejam começando a ensinar educação financeira. Mas ainda é muito pouco. Os jovens estão perdidos. A educação financeira começa em casa, com o exemplo dos pais — o “não pode” bem explicado, o “vamos planejar”. Hoje, isso se perdeu.

E com a escola enfraquecida, surgem os “gurus” vendendo promessas falsas. A pessoa compra achando que vai resolver a vida, e só piora. Falta senso crítico.

Meu livro é simples de ler, incluindo jovens a partir dos 15 anos. Talvez não compreenda tudo de primeira, mas já vai refletir.

A educação financeira no Brasil é fraca,  tanto das pessoas quanto das empresas. Há teoria, mas pouca prática. E também falta motivação nos professores.

11.  Para profissionais e educadores que buscam unir prosperidade e serenidade, qual recomendação você daria a partir de sua experiência?

O livro fala sobre isso: prosperidade, serenidade e propósito.

Você não precisa ser rico para ser sereno. Serenidade vem de dentro. E a prosperidade verdadeira nasce da doação de si mesmo — se doar à família, ao trabalho, às pessoas.

Quem se doa de verdade prospera, porque faz com amor.

E a serenidade vem antes da prosperidade, porque sem paz interior você não evolui.

Prosperidade, serenidade e propósito — essas três palavras se completam.

Os jovens de hoje têm dificuldade em definir propósito porque têm informação demais. Mudam de ideia o tempo todo. Falta foco.

Se o seu propósito é ajudar pessoas, siga isso. Transforme em ação.

12.   Quais são os próximos projetos ou desdobramentos que você pretende realizar relacionados à educação financeira e bem-estar?

Agora quero começar um novo projeto: “Empreendedores Estoicos”, voltado ao ambiente corporativo. Um treinamento mais filosófico, mostrando como aplicar os princípios estoicos na gestão de negócios.

A ideia é levar esse conteúdo também às escolas, gratuitamente. Fazer palestras, rodas de conversa, imersões.

Quero divulgar não só o livro, mas a ideia. Se eu vender a ideia, o livro é consequência. Já estou produzindo trechos, vídeos e posts para espalhar as mensagens principais.

O livro tem tudo para chegar longe, mas mais do que isso, tem potencial para transformar mentalidades.

marramaqueadmin