Com atuação, direção e dramaturgismo de Vanessa Bruno, peça criada a partir de obra de Clarice Lispector retrata a jornada de uma mulher que aprende o prazer de existir
Em Águas do Mundo, uma mulher precisa desaprender a vergonha de ter prazer. Foto: Bob Sousa
Algumas situações míticas envolvendo figuras femininas em pleno Rio de Janeiro? Clarice Lispector trouxe esse universo ao escrever o controverso “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, publicado em 1969. Uma atualização cênica desse romance ganhará os palcos entre os dias 03 de março e 05 de abril em vários teatros da cidade de São Paulo (confira a programação completa abaixo). É o espetáculo Águas do Mundo – a partir da obra de Clarice Lispector, do VULCÃO [criação e pesquisa cênica] com direção de Vanessa Bruno. Haverá sessões em libras.
As apresentações são gratuitas, basta retirar o ingresso com uma hora de antecedência. A ideia do trabalho é ampliar o debate sobre os estereótipos de gênero e promover reflexões a respeito dos projetos de representatividade, reconhecimento, validação e espaço social da mulher.
No romance, Clarice Lispector transporta narrativas clássicas para o ambiente doméstico, como o mito de Eros e Psiqué (que trata da superação de obstáculos ao amor) e a história da Odisséia, de Homero. A questão central é que os papéis estão invertidos. Por exemplo, no livro, não é Ulisses, um homem, quem parte em busca de autoconhecimento e sim, uma mulher, Lori, que faz sua travessia, enquanto ele a espera.
O capítulo central do romance clariceano foi publicado no Jornal do Brasil com o título Águas do Mundo. que dá nome à peça. A montagem mantém a poética narração em terceira pessoa, e também, os fluxos de pensamento dessa protagonista, que ora conversa com um interlocutor ao telefone, ora se dirige diretamente ao público.
A atualização cênica
No espetáculo, durante uma ocorrência trivial (banhar-se no mar) uma mulher se vê revelada em uma realidade mais profunda: é quando ela descobre o prazer de viver e de amar.
O trabalho também reverte o mito bíblico do pecado original. Ao comer a maçã, a mulher garante a sua entrada no paraíso. Por isso, a Lori de Vanessa Bruno vê no mar seu encontro com a liberdade. Sua grande luta é desaprender a vergonha e a proibição do prazer.
“Esse texto fala sobre aprender a existir sem a necessidade de um outro. Ninguém nos ensina a estar sozinhos. Se você é mulher, parece que deve estar sempre em busca de alguém que te complete, normalmente um homem”, comenta Vanessa Bruno.
O cenário e os figurinos de Anne Cerrutti apostam na mistura de elementos clássicos e modernos, para marcar essa atualização do romance. Portanto, há palavras em vídeo, imagens renascentistas da Gênesis e objetos como maçãs, colar de pérolas, sapatos tipicamente femininos, microfone, guitarra e smartphone.
Levando grandes escritoras para o palco
O VULCÃO [criação e pesquisa cênica] tem a proposta de encenar grande autoras e aproximá-las do público. Águas do Mundo encerra a trilogia de solos, pensada para discutir as construções sociais das mulheres do nosso tempo.
A propositora, atriz e diretora do projeto, Vanessa Bruno, entende o deslocamento da literatura para o palco como uma espécie de tradução intersemiótica e, sua pesquisa tem como motor central e determinante o trabalho do intérprete. Sua investigação alia os procedimentos aprendidos na sua experiência pregressa de 16 anos junto ao CPT com o diretor Antunes Filho, a obras de grandes autoras em um trabalho que tem como princípio ser processual, no qual interpretação e dramaturgismo estão intrinsecamente relacionados e são elaborados na sala de ensaio. A atuação é entendida como catalizadora do discurso que tem como responsabilidade criativa uma resposta íntima e social. Desse modo, a narrativa do espetáculo se compõe pelo menos por duas camadas: uma que busca dar corporalidade para o enredo dos trechos escolhidos de Lispector e, outra que opera como depoimento da artista-cidadã contemporânea alinhada a questões urgentes de seu tempo. Assim, cria-se um tempo-espaço de ficção como emanação de um testemunho da atriz-cidadã de hoje através de fragmentos textuais de Clarice.
A peça constrói um espaço de encontro entre uma poética literária e uma poética teatral, ambas com a intenção de possibilitar uma verticalização feminista. Para ampliar esse diálogo, ao final de todas as apresentações está prevista uma conversa com pensadoras e professores capazes de aprofundar os temas tratados pelo texto.
O projeto foi contemplado pela 15ª edição do Prêmio Zé Renato que inclui a circulação também da temporada gratuita da peça infanto-juvenil Brincar de Pensar – contos de Clarice Lispector no palco para pessoas grandes ou pequenas, nos teatros municipais de SP entre os dias 04 de março e 05 de abril.
Sinopse
Águas do Mundo – a partir da obra de Clarice Lispector – conta a trajetória de uma mulher que descobre o prazer de viver e de amar. A protagonista busca desaprender a vergonha e a proibição do prazer. Durante uma ocorrência trivial (banhar-se no mar) ela se vê revelada em uma realidade mais profunda.
Atuação, direção e dramaturgismo
Propositora do VULCÃO [criação e pesquisa cênica], atriz e diretora teatral, Vanessa Bruno é bacharel em Cinema pela FAAP e Mestre em Artes Cênicas pela Universidade São Paulo (ECA-USP). Recentemente dirigiu Gesto no Centro de Pesquisa Teatral (CPT), espaço que era coordenado por Antunes Filho e, que desde 2004, estava envolvida. Sob direção de Antunes, atuou em (2008) Prét-à-Porter 9 (Projeto ganhador do Prêmio Shell – categoria especial) e (2006) A Pedra do Reino (melhor espetáculo nos prêmios Bravo!Prime, APCA e Contigo!), participou ativamente das reuniões teóricas e filosóficas e ministrou, desde 2010, aulas de retórica, teoria para atores no curso Introdução ao Método do Ator (CPTzinho).
Como atriz podemos destacar: (2004) Memórias do Mar Aberto – Medéia Conta sua História de Consuelo de Castro com Leona Cavalli direção Regina Galdino; (2003) Orgia de Pier Paolo Pasolini com Cássio Scapin e Inês Aranha, direção Roberto Lage. E em teatro infantil: Enjoy! com o Teatro da Gioconda – Prêmio Cultural Inglesa – melhor espetáculo 2009.
Dirigiu em teatro adulto (2010) O Ovo e A Galinha de Clarice Lispector e o infanto-juvenil (2014) Brincar de Pensar – contos de Clarice Lispector no palco para pessoas grandes ou pequenas. A partir dos espetáculos com literatura de Lispector desenvolveu na ECA/USP pesquisa prática e acadêmica descrevendo procedimentos para o intérprete trabalhar com literatura no palco. Com esta investigação, realizou vários workshops, entre eles, “Experimento Literatura na Cena” na Universidade da Costa Ricca.
Com o VULCÃO [criação e pesquisa cênica] também fez a direção dos solos (2016) Pulso a partir da vida e da obra de Sylvia Plath, (2016) A Dor a partir de La Douleur de Marguerite Duras e, Rosa Choque (2021) poema cênico musical virtual da dramaturga Dione Carlos.
Realizou “As Cartas de Agnès” cine-ensaio a partir da obra da cineasta Agnès Varda, apresentado no Festival CASA em Londres (2019). e, no último mês estava em cartaz com o espetáculo Humilhação direção Lucas Mayor e Marcos Gomes.
Sobre o VULCÃO [criação e pesquisa cênica]
Com o objetivo de colocar para fora o que lhes ferve por dentro, o VULCÃO [criação e pesquisa cênica] deseja aproximar diferentes linguagens, unindo dança ao teatro, literatura e vídeo e vê como motor catalisador – principal e determinante – o trabalho da/o intérprete. O VULCÃO tem desenvolvido projetos de investigação teatral a partir do deslocamento da literatura para a cena e da dramaturgia contemporânea de mulheres. Debruçando sobre o tema do espaço social da mulher, realizou obras a partir da obra de grandes autoras do século XX, como Clarice Lispector, Sylvia Plath, Marguerite Duras e Virginia Woolf. Esteve como residente artístico do Programa Obras em Construção da Casa das Caldeiras, promoveu treinamento para artistas e desenvolveu ações reflexivas como o jantar-pensamento R U M I N A R. Os espetáculos criados fizeram diversas temporadas na cidade de São Paulo e em São Caetano do Sul, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro. Festivais presenciais e on-line permitiram extrapolar fronteiras mais distantes. Desde 2018, o VULCÃO [criação e pesquisa cênica] tem parceria com a produtora CORPO RASTREADO.
Ficha Técnica
ÁGUAS DO MUNDO
Proposição, dramaturgismo, interpretação e direção: Vanessa Bruno
Assistente de direção: Luiz Felipe Bianchini
Preparação vocal: Paula Mihran
Preparação musical: Zeca Loureiro
Cenário, adereços e figurinos: Anne Cerrutti
Cenotécnica: Diego Dac
Trilha sonora: Edson Secco
Iluminação: Fernanda Guedella
Vídeos: Gabriela Rocha
Fotos: Bob Sousa
Voz gravada: Fabrício Licursi
Produção: Corpo Rastreado | Lud Picosque e Anderson Vieira
Apoio: Casa das Caldeiras e Jarro
Realização: VULCÃO [criação e pesquisa cênica]
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto Comunicação | Márcia Marques
Serviço
Águas do Mundo – a partir da obra de Clarice Lispector
Duração: 50 minutos
Classificação etária indicativa: 12 anos
TEATRO ALFREDO MESQUITA
3 a 5 de março, sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 19h
* 4 de março haverá tradução em libras
Endereço: Av. Santos Dumont, 1770 – Santana
Ingresso: gratuito – retirar na bilheteria uma hora antes do espetáculo
*Logo após as apresentações, estão programados debates com a mediadora e professora Gisa Picosque (3 de março), e dramaturgue e performe Cy Andrade (4 de março) e a escritora Aline Bei (5 de março)
TEATRO PAULO EIRÓ
10 a 12 de março, sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 19h
* 12 de março haverá tradução em libras
Endereço: Av. Adolfo Pinheiro, 765, Santo Amaro
Ingresso: gratuito – retirar na bilheteria uma hora antes do espetáculo
*Logo após as apresentações, estão programados debates com a professora e encenadora Verônica Veloso (10 de março), a atriz, diretora, roteirista e dramaturga Michelle Ferreira (11 de março) e a atriz e encenadora Mariana Nunes (12 de março)
CENTRO CULTURAL DA DIVERSIDADE
17 a 19 de março, sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h
* 18 de março haverá tradução em libras
Endereço: R. Lopes Neto, 206, Itaim Bibi
Ingresso: gratuito – retirar na bilheteria uma hora antes do espetáculo
*Logo após as apresentações, estão programados debates com a jornalista e dramaturga Silvia Gomez (17 de março), a jornalista e escritora especializada na cobertura de violência contra a mulher Cris Fibe (18 de março) e a mestre e doutora em Letras Eliane Fittipaldi (19 de março)
CENTRO CULTURAL SÃO PAULO – Espaço Cênico Ademar Guerra
24 a 26 de março, sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h
* 25 de março haverá tradução em libras
Endereço: Rua Vergueiro, 1000, Paraíso
Ingresso: gratuito – retirar na bilheteria uma hora antes do espetáculo
*Logo após as apresentações, estão programados debates com o bibliotecário e Dramaurgo Uelitom Santos (24 de março) e a artista e desenhista Vitória Lopes (25 de março)
TEATRO FLÁVIO IMPÉRIO
29 de março e 05 de abril, quartas, às 19h
* 29 de março haverá tradução em libras
Endereço: R. Prof. Alves Pedroso, 600, Cangaíba
Ingresso: gratuito – retirar na bilheteria uma hora antes do espetáculo
*Logo após as apresentações, estão programados debates com a atriz e influencer Tarcila Tanhãs (29 de março) e com um convidado a confirmar no dia 5 de abril