Entrevista: Tania Celidonio, escritora
1.Tania, o tema da sexualidade na velhice é frequentemente negligenciado. O que a inspirou a realizar essa pesquisa e escrever este livro?
O que me inspirou inicialmente foi a curiosidade: como estaria a minha geração, que foi jovem nos anos 70, vivendo a sua sexualidade durante o processo de envelhecimento? E de que forma as experiências afetivas e sexuais daquela época influenciaram essa caminhada durante a vida adulta e no envelhecimento.
2.Em sua pesquisa, você coletou 250 depoimentos de homens e mulheres com mais de 60 anos sobre sexo e envelhecimento. Quais foram as descobertas mais surpreendentes que você fez?
Acho que a mais surpreendente é que não existe consenso (rs). Entre os depoimentos que recebi há homens e mulheres – héteros ou homoafetivos – que fazem sexo agora, depois de velhos, e outros tantos que não têm mais vida sexual a dois. Não chega a ser surpreendente, mas eu diria que é reconfortante constatar que envelhecer não é fácil pra ninguém.
3.Como a sociedade lida com a sexualidade das pessoas idosas? Existe um estigma em torno desse assunto?
Acho que nos últimos anos há muito mais gente investigando e discutindo esse tema, e isso é muito bom. Jornalistas, escritores, cineastas e dramaturgos ajudam a tirar o assunto da invisibilidade. Mas a sexualidade na velhice ainda é cercada de muito preconceito. Ainda mais numa sociedade que, mais do que nunca, preza pelos corpos eternamente jovens e malhados. As rugas e a flacidez geram desconfiança e até desprezo (rs).
4.Você mencionou que o livro também se baseou em textos para uma peça teatral. Como a arte pode ajudar a abordar questões de desejo na velhice de forma mais aberta?
Fiz a pesquisa porque queria algumas respostas sobre envelhecimento, afeto e sexualidade. Primeiro publiquei só a pesquisa no livro digital “Mistérios da Libido na Velhice”, em 2018. No ano seguinte os depoimentos foram se transformando em textos – monólogos e diálogos – que escrevi pensando numa peça teatral. Em 2020, em plena pandemia, estreamos a peça online “Só Acaba Quando Termina – Crônicas do desejo na velhice”, dirigida pelo Marcos França, com os atores Roberto Frota, Anja Bittencourt e Vanja Freitas. Foi uma experiência incrível fazer e assistir à peça na plataforma Zoom. Houve uma interação muito legal com a plateia virtual.
5.Quando discutimos a sexualidade na velhice, muitas vezes ouvimos opiniões de especialistas. Como os próprios idosos se sentem em relação a esse tema? Quais são as suas perspectivas?
Penso que os especialistas são uma referência importante. Mas não é fácil discutir ou falar sobre a própria sexualidade na sala de um consultório. Nos anos 70, na nossa bolha libertária de classe média, discutíamos a sexualidade, o casamento e muitos outros temas relacionados ao desejo. Creio que ao envelhecer talvez nos tornemos mais reservados. Ou talvez não, quem sabe? Eu, particularmente, me exponho menos com 70 anos do que aos 30, com certeza (rs). Não por vergonha, mas para me preservar. Com 20 e 30 anos eu pensava mais na afirmação e menos na preservação.
6.O livro trata não apenas da sexualidade, mas também das relações afetivas na terceira idade. Pode nos contar mais sobre as histórias de amor que você encontrou em sua pesquisa?
Na pesquisa há muitas histórias individuais. Pessoas que falam sobre amores, decepções, conquistas e desafios. O que foi muito legal é que essas histórias são as responsáveis pelos textos que criei para a peça. Textos que abordam o medo de envelhecer, o contato direto com a finitude, as memórias do passado, as alegrias do presente, os arrependimentos e a ousadia de continuar a sonhar com relações mais livres e transparentes.
7.Os lançamentos do livro incluirão rodas de conversa. Quem são os convidados e qual é a importância de promover discussões abertas sobre esse assunto?
Em São Paulo lanço o livro no dia 11 de novembro. Na roda de conversa vamos ter a psicanalista e jornalista Maria Rita Kehl, o professor e psiquiatra Alfredo Simonetti e as escritoras Isabel Dias e Blanche de Bonneval. No Rio, nosso encontro vai ser no dia 25 de novembro, com a presença da jornalista Maya Santana (site 50emais) e da atriz Anja Bittencourt, que trabalhou na peça online “Só Acaba Quando Termina”.
Em tempos tão virtuais como o que vivemos, promover bate papos presenciais é uma oportunidade de olhar e escutar o outro, entender o que significa esse processo complexo que é o envelhecer.
8.Como a mídia em geral aborda a sexualidade na velhice? Há espaço para histórias reais e experiências pessoais nesse contexto?
Acho que a mídia abriu mais espaço para analisar e debater temas relacionados a velhice. E a sexualidade é um desses temas. A preocupação maior com a saúde depois dos 60 é um dos motivos para essa abertura. E dentro desse leque da saúde, a sexualidade pegou uma carona importante. Temos mais gente escrevendo sobre envelhecer e mais experiências audiovisuais, como documentários que mostram que existe vida sexual na velhice. Meu único senão é que ao mostrar pessoas felizes com suas vidas sexuais – sejam elas solteiras ou casadas – esses documentários deixem de mostrar também o lado B, ou seja, os muitos desafios que acompanham todo o processo de envelhecimento – sexo, físico e emocional.
9.Você lançou anteriormente o livro digital “Mistérios da Libido na Velhice”. Quais foram as principais mudanças ou adições que você fez para este novo livro?
Sim, lancei o primeiro “Mistérios” em 2018 só com a pesquisa. Neste novo “Mistérios e Aflições da Sexualidade na Velhice” decidi incluir os textos que escrevi depois de concluída a pesquisa. Entre eles estão os monólogos, diálogos e o roteiro da peça online. Também acrescentei novos textos e espero que eles façam parte do roteiro da peça presencial que estamos batalhando para montar. Queremos levar a experiência para o palco dos teatros.
10.Para encerrar, o que você espera que os leitores tirem desta obra? Qual é a mensagem principal que você deseja transmitir sobre a sexualidade na velhice?
Há alguns anos fiz essa pesquisa para tentar descobrir o que aconteceu com a minha geração, que batalhou por mais liberdade política e sexual nos anos 1970 e 1980. Mas a pesquisa foi parar em outros grupos, tomou um rumo muito interessante, e o resultado foi uma mistura de histórias vividas também por pessoas de outros setores da nossa sociedade. É essa diversidade do desejo – inclusive da falta dele – que quero mostrar para o leitor. Uma diversidade que existe na juventude e também na velhice.
11.Tania, os idosos ainda têm desejo sexual?
A resposta pode ser sim, os mais velhos têm desejo sexual. Também pode ser que os mais velhos têm menos desejo sexual. Ou então que existe desejo, mas muitas vezes a solidão é maior e cria a impossibilidade do encontro. E ainda, que a velhice pode não ter sexo a dois, mas o tesão pode ser administrado de forma muito individual por quem quer manter viva a sua sexualidade.
12.O que é mais importante na vida: amor ou sexo na velhice?
Não sei o que outras pessoas responderiam, mas a essa altura do campeonato eu diria que o amor e o afeto, amizades incluídas, são mais importantes que o sexo na velhice. E isso não quer dizer que a sexualidade tenha desaparecido. Ela talvez seja menos fundamental do que o carinho e a cumplicidade.
13.É possível que as pessoas com mais de 60 anos encontrem o amor verdadeiro?
Entendo que tudo seja possível. Tenho um grande amigo que ficou viúvo aos 60 e há dez anos encontrou um novo amor e está muito feliz. Também tenho uma amiga querida que se separou pouco antes dos 60 e hoje curte muito a vida de solteira, com e sem sexo. Eu encontrei um novo companheiro depois dos 40 anos. E acho que esse encontro foi decisivo para a minha maturidade sexual e emocional.
14.Alguns argumentam que a sexualidade na velhice não é um tema que deva ser discutido publicamente. O que você diria a essas pessoas?
Eu diria que não é nada fácil discutir a sexualidade em qualquer etapa da vida. Tem gente que se expõe muito mais, sempre foi assim. E isso acontece na juventude, na vida adulta e na velhice. Mas acho que os jovens, principalmente, podem se beneficiar muito dessa abertura para discutir a sexualidade dos mais velhos. Entender que estamos numa caminhada que pode ser mais feliz – e sexy – para alguns e bastante pesada para outros tantos. Faz parte. Então o melhor é botarmos pra fora o que é gostoso e o que não é agradável quando falamos de sexualidade na velhice. Se isso incomoda, fazer o quê? O melhor é não dar bola e continuar falando.
15.Como a religião influencia a sexualidade das pessoas idosas?
Não sei dar uma resposta concreta a essa pergunta. Não sou uma pessoa religiosa e não abordei esse aspecto na pesquisa que fiz. Mas algumas religiões são muito repressoras, principalmente no que diz respeito a sexualidade das mulheres, não é mesmo? Ainda bem que não tive que lidar com isso na minha juventude. Mas hoje em dia eu diria que a espiritualidade é uma grande conquista do processo de envelhecimento. E sentir-se espiritualizado não é necessariamente ser religioso, concorda?
16.Alguns críticos afirmam que os idosos deveriam se concentrar em questões mais “sérias” em vez de falar sobre sexo. O que você pensa sobre isso?
Penso que sexo é uma questão muito séria, principalmente para as mulheres, que ainda sofrem abusos e assédio sexual dentro de casa e fora dela. De que forma essas agressões influenciam a sexualidade dessas pessoas. Sem falar nos meninos que também são abusados e agredidos. Tudo isso tem consequências seríssimas na vida sexual das pessoas, seja na juventude, na vida adulta ou na velhice. Discutir essas questões e também o simples desejo sexual faz parte de nossa existência. Espero que os velhos do futuro possam se abrir cada vez mais.