Entrevista: Quel, cantora e compositora
1. Quel, seu primeiro álbum, “Quem Dirá”, mergulha profundamente na ancestralidade. Pode nos contar o que a inspirou a explorar esse tema?
A gente só pode ser o que é porque aqueles que vieram antes abriram caminho. Então, achei importante reverenciar essa força que me sustenta pra seguir em frente.
2. Como foi trabalhar com artistas renomados como Laila Garin, Maíra Freitas, Jonathan Ferr e Coral Canta Piá em seu álbum? O que eles trouxeram para o projeto?
Fiquei muito feliz de poder trabalhar com artistas que admiro tanto. Acho que cada um imprime seu estilo e personalidade nas faixas em que participam. Isso traz pluralidade e dinâmica pro álbum.
3. O álbum “Quem Dirá” combina referências ancestrais e contemporâneas da brasilidade. Como você equilibrou esses elementos na sua música?
Acho que o ancestral também é contemporâneo, porque ele não deixa de viver na gente. Então, escolhi misturar ritmos da cultura popular com uma sonoridade atual, pela combinação de ritmos diferentes numa mesma faixa ou pela escolha dos timbres na mixagem, por exemplo. A orientação da Érica de Paula, diretora musical do álbum, foi essencial pra costura desses elementos.
4. Você mencionou que a música é uma ferramenta de transformação social. Como você acredita que “Quem Dirá” contribui para essa transformação?
Eu vejo a música como um meio de comunicação potente. Em Quem Dirá, abordo questões do mundo a partir da minha vivência pessoal. Ter o mundo contado a partir da vivência de uma mulher negra é transformador. Uma pessoa ouvir o que eu falo, se identificar e pensar sobre, é transformador.
5. Quais são algumas das influências musicais que moldaram o som e o estilo de “Quem Dirá”?
Tive como referência trabalhos de outras artistas pretas que têm movimentado a cena da nova MPB, como Luedji Luna e Xênia França. Também me inspiro muito na Elza Soares, especialmente nos últimos álbuns, como “Mulher do Fim do Mundo” e “Deus É Mulher”.
6. Além da música, você também é atriz e compositora. Como a sua experiência nas diversas formas de arte influenciou a criação deste álbum?
Acho que as diferentes facetas da arte vão se complementando e contribuindo pra criação. A música que dá nome ao álbum, “Quem Dirá”, por exemplo, surgiu a partir de uma vivência com o grupo de teatro Cine Em Canto. A gente fez uma trabalho de aprofundamento durante a pandemia, que me inspirou e acabei compondo essa música a partir dele. Então, foi o teatro colaborando pra composição e pro canto.
7. Você escreveu a primeira música, “Mensagem”, em 2019, e as outras ao longo do processo. Como foi a evolução da sua escrita e composição durante esse período?
Eu compus Mensagem em um momento de muitas mudanças na minha vida. Comecei a repensar várias coisas e tomei decisões importantes nesse período. A pandemia chegou logo depois, o que deu ênfase nessa fase reflexiva. Então, diante de todo o caos do mundo, eu me perguntava o que seria importante dizer. As composições foram surgindo dos pequenos respiros que encontrei nesse período.
8. Lançar seu primeiro álbum é um grande marco na carreira de qualquer artista. Como você se sente neste momento, com o lançamento de “Quem Dirá”?
Tô muito feliz e aliviada! É como se eu tivesse um monte de assunto entalado na garganta e finalmente consegui botar pra fora. Também rola uma ansiedade pra saber como o trabalho vai chegar nas pessoas. Mas o nervoso faz parte da magia da coisa!
9. No álbum, você busca abordar temas importantes para você. Pode compartilhar conosco alguns desses temas e por que são significativos para você?
No álbum falo sobre temas como ancestralidade, amor, racismo e consciência ambiental. Acho que todos esses eixos se relacionam com o lugar que eu ocupo no mundo e o que observo daqui. É uma forma de compartilhar o que vejo e sinto com pessoas de vivências parecidas ou não com a minha.
10. Por fim, Quel, o que você espera que as pessoas sintam e experimentem ao ouvir “Quem Dirá”?
Espero que elas se sintam identificadas, cada pessoa do seu jeito. Eu faço música pra tentar chegar no íntimo das pessoas. A música tá aí pra dizer o que a gente muitas vezes não consegue sozinho.
11. Se você pudesse escolher uma comida para representar seu álbum, qual seria e por quê?
Acho que bobó de camarão! Primeiro, porque eu amo! Também porque é um prato bem brasileiro e gostoso. E, assim como o álbum, leva dendê!
12. Qual é a sua cor favorita e ela tem alguma relação com o álbum?
Minha cor favorita é roxo, mas confesso que não vejo muita relação com o álbum. “Quem Dirá” tá mais pra vermelho e branco!
13. Se você tivesse que descrever “Quem Dirá” em uma palavra, qual seria e por quê?
“Pedaço”, porque “Quem Dirá” foi construído a partir do conceito de uma colcha de retalhos. Pegamos vários pedaços de mim e costuramos no álbum de forma que fizesse sentido.
14. Como você lida com críticas negativas e o que diria para aqueles que não entendem a profundidade de sua música?
Olha, não existe nada que agrade todo mundo. Estou sempre aberta a críticas, mas meu principal objetivo é que o trabalho chegue nas pessoas. Críticas negativas significam que a música foi ouvida e estão pensando sobre ela, o que é importante pra mim e pro trabalho.
15. Em um mundo onde a indústria musical muitas vezes prioriza o comercial, como você acredita que seu álbum se destaca e ressoa com um público mais amplo?
É importante ter o comercial em mente e reconheço que o meu trabalho pode ser reconhecido como pertencente a um nicho específico. Mas acredito que grandes cantores e cantoras começaram em nichos e que esse fator foi diferencial na construção de carreira a longo prazo. Então, acho que meu trabalho tem o potencial de alcançar um público mais amplo ao longo do tempo.
16. Algumas pessoas argumentam que a arte não deve ser política. Como você responde a essa perspectiva, especialmente considerando a mensagem social presente em suas músicas?
Eu, particularmente, não entendo como a arte pode não ser política, especialmente a arte brasileira. A nossa música carrega uma história de muita resistência, então fazer música brasileira já é um ato político. Além disso, pra mim, colocar uma obra artística no mundo é tomar uma posição, que é sempre política. Inclusive, se colocar de forma isenta também é uma decisão política, mesmo que o artista não queira que seja.