Entrevista: Pedro Quental, cantor e compositor

Entrevista: Pedro Quental, cantor e compositor

1. Pedro, seu novo álbum “Acontecimento” é uma mistura de influências da MPB, soul music e blues. Como você conseguiu fundir esses estilos de forma tão única? 

Na verdade, pra mim soa como algo muito natural, o que se convencionou chamar de Soul Brasil, ou Brazilian Soul, na linhagem musical de Tim Maia, Cassiano, Sandra de Sá, Cláudio Zóli, Ed Motta e tantos outros, sempre fundiu esses elementos. Talvez no meu caso haja um acento Blues um pouco mais pronunciado, pela minha história mesmo.

2. Você participou ativamente do Monobloco por muitos anos. Como foi a transição de fazer parte de um grupo para embarcar em sua carreira solo? 

Na verdade, ainda participo, e no Monobloco todos tem suas carreiras individuais, há um espaço de convivência e uma coisa acaba realimentando a outra. Como somos muitos e já trabalhamos há muitos anos, a forma de conciliar é bem ágil e por enquanto tem sido possível e fácil.

3. “Acontecimento” traz uma faixa chamada “Sonar” produzida pelo DJ Marcelinho Da Lua. Como foi colaborar com ele nessa música e qual é a mensagem por trás dela? 

Sonar é uma canção que compús no início de 2001, após uma chuvosa temporada com o Blues Etc em Ilha Bela, durante alguns anos era apenas um tema instrumental, em 2003 fiz a letra. 

A letra é um poema que fala muito de mar, de água, sol, céu, navegação, portos… Poderia se chamar Solar por ter essa pegada.

Sobre trabalhar com Marcelinho, é um grande amigo e parceiro de toda a vida, aliás como grande parte dos músicos que participam do álbum. Nos conhecemos ainda na escola, e nos reencontramos no estúdio Albatroz na época da produção do meu primeiro EP Balneário(97). Dalí em diante, fizemos muitos projetos juntos, a se destacar o Batucada Groove, que tinha no line up vocal, Eu, Marcelo D2, B Negão, Itamara Koorax, Marcelinho como DJ e Marcelo Salazar nas percussõs,  lideravam o projeto que tinha um time sensacional de músicos como Carlos Pontual, Tomás Improta, Paulinho Black, Guilherme Dias Gomes entre outros.

Sem dúvida os pontos mais altos de nossa parceria são a gravação da música “Sem Compromisso” de Geraldo Pereira no álbum “Social”(Deckdisc) do Marcelo e agora essa produção sensacional dele.

4. Durante a pandemia, você se propôs a criar um novo trabalho autoral. Como a situação global afetou sua criatividade e processo de produção? 

O processo de produção do álbum foi quase que totalmente remoto mesmo, já que começamos no segundo semestre de 2020, e a situação ainda era bem crítica. A evolução da tecnologia nos proporcionou realizar esse projeto. Quando liguei pro Cambraia que produziu as outras 6 faixas, a idéia era: “Quero lançar várias músicas que estão na gaveta há anos e que com a correria de shows e tournées com o Monobloco, não consegui. Agora é A hora!” 

Chegamos ao consenso de que o time que gravaria teria que ter estúdio próprio, já que não teríamos como nos reunir em uma sala. E fomos escolhendo amigos que se encaixavam no som e nessa “premissa”. 

Além das músicas gravadas, Gabriel Moura me mandou Vamos Nos Amar Então e com ela e nossas conversas veio a idéia de produzirmos outras juntos do zero. Mandei pra ele pelo zap a melodia de Ligação Ancestral e ele me devolveu a letra pronta e ampliada.

Assim foram se construindo as canções, eu no meu estúdio em Botafogo, Cambraia no Recreio dos Bandeirantes, e cada músico em suas casas, SP, Goiania e RJ. 

O legal é que soa como se estivéssemos todos na mesma sala, como adoramos estar. Fazendo música.

A música, a cultura, nos salvou em muitos momentos na pandemia, não só à nós músicos, como à muita gente.

5. O álbum inclui uma releitura da canção “Acontecimento” de Hyldon. Qual é a importância dessa música na sua carreira e no conceito do álbum? 

Quem me apresentou essa música foi o Rodrigo de Castro Lopes, que produziu junto com Carlos Pontual o EP Balneário (97) e o CD Produto Refinado (2002). Ele me deu o CD do Hyldon com Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda, e falou: “Ouve Acontecimento, acho tua cara e caberia no disco”. Eu ouvi, amei de cara o disco todo, mas acabei escolhendo regravar “Pra Aquietar” do Luís Melodia e não caberia outra versão no álbum. Mas Acontecimento ficou esse tempo todo no meu “radar”.

Eu fiz uma versão dela sozinho no meu estúdio, gravei tudo e depois tirei a voz e o violão da mix pra poder tocar nas  lives do começo da pandemia, interagindo com a base. Vi que a aceitação da música era boa. 

Quando começamos a produzir o álbum foi logo de cara a primeira a ser gravada, pois como eu já havia feito a pré, tudo ficava mais rápido.

Cambraia sugeriu Pupillo pra bateria, eu falei Waltinho Villaça e Pedro Augusto pra guitarras e teclados e estava ali o time que gravou tb Não Volte Aqui. 

A partir daí o “conceito sonoro” do disco estava delineado.

6. Você lançou três singles de destaque antes do álbum completo. Como essas músicas representam o que os ouvintes podem esperar de “Acontecimento”? 

A estratégia de lançamento foi traçada em conjunto com o pessoal da ONERPM que é a distribuidora do projeto. Sonar ainda estava sendo produzida, ficou pronta quase na hora de lançarmos. Então naquele momento de definição tínhamos 6 músicas e pensamos em lançar 3 singles pra começar a decolagem. As escolhidas representavam cada uma do seu jeito o conceito geral do álbum e como se fosse um set list, foram num crescendo e seguem sendo bastante ouvidas nas plataformas.

7. Seu trabalho tem uma mensagem de amor e inclusão. Como você espera que as músicas desse álbum afetem seus fãs e a sociedade em geral? 

Todas poderiam ser singles e ao mesmo tempo tem uma unidade que é justamente essa temática do amor como forma de cura. Conversei muito sobre isso com o Gabriel Moura. E sempre pensando num amor universal, sem barreiras, sem preconceitos. Pra mim sempre que há amor, há uma possibilidade de felicidade. Não me importa em qual “configuração” esse amor se manifeste. Vivemos numa era onde os ódios são muito expostos o tempo todo. As redes se manifestam muito com o “fígado”. Manifestar-se pelo coração virou uma necessidade imperiosa.

8. Você mencionou planos de uma turnê pelas capitais do país. Quais são suas expectativas para essa turnê e o que os fãs podem esperar dos shows ao vivo? 

O primeiro show será dia 16/11 no Blue Note Rio e a partir daí quero muito levar esse “Acontecimento” ao Brasil todo. Cantarei as 7 do álbum, mas não esquecerei de várias referências que compõe minha identidade musical. E sempre acaba tudo em baile.

9. Quais são os artistas ou músicos que mais influenciaram você ao longo de sua carreira e como essa influência se reflete em “Acontecimento”? 

Ray Charles, sobre quem dediquei um DVD/Álbum inteiro sempre foi a minha maior influência vocal. Tim Maia, Caetano, Gil, os Tins e Bens e Tais, sempre me atravessaram. As vozes femininas tb. Tudo é bagagem, tudo se funde em mim e no retrato desse momento que é o álbum em si.

10. No cenário da música brasileira, qual é a mensagem que você mais deseja transmitir com seu novo álbum? 

Gosto muito da música, o cenário é muito diverso, o streaming gerou essa pulverização enorme, onde milhares de canções são lançadas todos os dias. E os estilos se multiplicam e se fundem a todo momento. A música brasileira em especial é riquíssima, vai muito além do que aparece mais na mídia tradicional e tem espaço pra todo mundo.

Meu pedaço seria definido pelo cantar. Penso que a voz é o mais poderoso dos instrumentos, o mais primordial, o mais ancestral e o único que não depende de nada pra existir. Mas penso que deve ser MUITO trabalhada, tem que estudar, tem que fazer técnica, tem q fazer fono, tem que cuidar. 

Muitas vezes se aposta em fórmulas pré concebidas para atingir o sucesso. Eu penso em música, música, música. Se o reconhecimento e o sucesso vierem, melhor.

11. Se você pudesse escolher qualquer lugar do mundo para fazer um show secreto, onde seria? 

Na praia da Urca, em frente ao antigo Casino.

12. Se você fosse um instrumento musical, qual você seria e por quê? 

VOZ sempre.

13. Se você tivesse que criar uma música sobre comida, qual seria o título dela e qual seria o refrão?  

Queijo. 

O refrão poderia ser:

Parmigiano Regiano

Brie, Gorgonzola e Canastra

Minas, Prato e Padrão

Gouda, Prima Donna.

Kkkkkk

14. Você acredita que a música brasileira contemporânea está perdendo suas raízes culturais em busca de uma sonoridade mais global? 

Nunca perde. O problema é sempre a monocultura, na escola aprende-se que  “a monocultura estraga a terra“. Quanto mais diversa a música for, mais amplitude terá, ao mesmo tempo, quanto mais se fala da sua aldeia, mais se é universal.

Estou viajando desde o dia 18 de setembro pela Europa e ouço muita coisa parecida com a música urbana que se faz no Brasil por aqui tb. O funk e o Trap feitos no Brasil estão em sincronia com o que se faz globalmente. Mas nossa identidade musical é extremamente forte e viva. 

15. Como artista, como você lida com críticas negativas ou controvérsias em torno de suas músicas ou carreira? 

Já são 36 anos de carreira, comecei bem cedo, e lidar com isso é sempre difícil, mas encaro naturalmente. Ninguém agrada à todos. Nesse momento, estou lidando com uma situação super complicada, pois ontem de manhã tentaram criar um perfil Fake meu no Instagram, denunciei e foi desativado. No fim da noite, clonaram meu whatsApp, e mandaram vídeos bizarros pra todos os meus contatos. Publiquei um vídeo ao vivo no Instagram avisando e todos estão denunciando , uma onda de solidariedade muito massa. Eu aqui na Europa, sem zap, sem conseguir acesso aos meus contatos. E justamente no dia do lançamento do álbum. Foi um desespero, mas vejo que a controvérsia gerada pode até de alguma forma ajudar… 

16. A inclusão de elementos de soul music e blues em sua música pode ser vista como uma apropriação cultural. Como você responde a essa crítica? 

Sou a favor da antropofagia cultural. Somos todos humanos, se a música feita no Japão te emocionar, FAÇA. Explore, mergulhe fundo. Se o Blues e o Soul te emocionarem, RASGUE! E na verdade, são elementos tão presentes em nossa música há décadas, não estou inventando nada. Se ouvirmos a fase soul de Roberto Carlos com a canção Não Vou Ficar do Tim Maia, se ouvirmos Como 2 e 2 do Caetano, os blues do Cazuza, o acento soul do Melodia. Todos são brasileiríssimos e universais. Assim como o amor, quanto mais universal melhor. A Bossa Nova, bebeu do Jazz, que bebeu da Bossa Nova, que bebeu do samba, que bebeu da mãe Africa e também da Europa. Como disse certa vez o polêmico Lobão : “Sou músico, não sou engenheiro, Sou popular, não sou erudito, sou brasileiro, não sou inglês, portanto o que faço é Música Popular Brasileira”. Com todo respeito.

marramaqueadmin