Entrevista: Marcelo Lavrador, violonista

1. O que te inspirou a criar o álbum “Violão Nordestino Instrumental”?
No período de pandemia surgiu a ideia de criar o projeto “Violão Nordestino Instrumental”. Era um projeto de apresentação no formato “live”, de música instrumental com influências, melodias e ritmos da música nordestina, como o baião, xaxado, xote, rastapé, côco etc… Eu já tinha algumas composições como “Baião de Dois da Adenir”, “Violeiro na Porta da Igreja” e compus outras no período da pandemia, como “Exu”, “Ariana Armorial”, “Esperando Nara”. Esta última foi para minha filha Nara, enquanto morava no ventre de minha esposa. Foi um período em que eu e minha esposa ficamos grávidos. Este projeto foi selecionado para alguns editais emergenciais da pandemia, como o ProAC Lab.
Em 2022, elaborei um projeto para a gravação do álbum “Violão Nordestino Instrumental”, incluindo as músicas autorias e um arranjo da música “Qui Nem Jiló” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. O projeto foi aprovado no edital de gravação do PROAC 2022, e o sonho deste álbum foi concretizado.
2. Como foi o processo de produção deste álbum com Ricardo Vignini?
Conheço o Ricardo Vignini a uns 30 anos, morávamos em bairros próximos na adolescência, começamos a tocar juntos. Ficávamos na calçada tocando violão, tirando músicas do Metallica, Iron Maiden, blues, rock and roll no geral rsrs. Ficava uma galera com a gente.
Ele seguiu uma trajetória como produtor e violeiro. Hoje é uma referência da viola caipira, e o Moda de Rock, dele e Zé Helder é um projeto sólido, além do Matuto Moderno que é histórico.
Em 2022 gravei o álbum “Sem Pátria, Sem Mátria” com a produção de Ricardo Vignini, é um álbum que tem 9 canções e duas instrumentais. Começamos antes da pandemia e por conta da interrupção das atividades nesse período, o álbum só ficou pronto em 2022.
No show de lançamento deste álbum no CCSP, no mesmo ano, eu disse para o Ricardo que o projeto de gravação do álbum “Violão Nordestino Instrumental” havia sido aprovado, que ele seria novamente o produtor de mais um álbum meu.
3. Pode nos falar sobre a importância das colaborações no seu álbum?
Começamos a gravar em janeiro de 2023, já tinha alguns nomes dos músicos e amigos que me acompanham a alguns anos, como o percussionista Thiago Fermino, o baixista Renan Dias, além do André Rass que já tinha gravado no álbum anterior.
As participações foram acontecendo, assim como as ideias de arranjo. Os primeiros nomes que surgiram foram Marcos Suzano e Toninho Ferragutti. Encontrei o flautista Júnior Kaboclo se apresentando no carnaval do SESC Vila Mariana, em São Paulo, então o convidei para gravar flautas e pífanos na música “Mata Cavalo”.
Pensei que Badi Assad poderia participar em uma música que fiz totalmente inspirado nela, com as técnicas de percussão vocal e corporal. Eu já a havia convidado em álbuns anteriores, mas as agendas nunca batiam, desta vez para minha alegria, ela aceitou o convite.
Eu havia feito um poema para abrir a música “Violeiro na Porta da Igreja” e pensamos na Socorro Lira declamando e o resultado foi excelente.
Na música “Recado” sugeri que o próprio Ricardo Vignini gravasse as violas, como ele havia feito no álbum anterior. Por fim, surgiu a ideia de gravar rabeca em algumas músicas, o Vignini chamou o Bruno Menegatti. O entrosamento com o Bruno foi tão bom que ele está comigo na turnê de lançamento do álbum.
4. Qual foi o maior desafio que você enfrentou durante a gravação?
Eu precisava conciliar agendas de todos os músicos participantes e a agenda do próprio Ricardo Vignini que já tinha viagens marcadas e ficaríamos alguns meses sem gravar. Começamos em janeiro e acabamos as gravações em março.
A liberação dos direitos autorais da música “Qui nem jiló” demorou para sair, já estava gravada pronta, e se não saísse ela não poderia constar no álbum, mas saiu a tempo de fechá-lo, ufa!! Risos!!
Um dos desafios maiores para mim mesmo, era a minha execução. Algumas gravações não me agradaram e decidi refazê-las.
5. Como você escolheu as músicas que fazem parte deste álbum?
As músicas autorais já tinham sido escolhidas nos projetos de “live” no período da pandemia. Surgiu apenas a ideia de fazer um arranjo instrumental para a música “Qui nem jiló” que é um clássico da música brasileira.
6. O que o público pode esperar ao ouvir “Violão Nordestino Instrumental”?
Vai ouvir música brasileira instrumental com toda a influência da música nordestina, um trabalho feito com muita dedicação e com a somatória de talentos incríveis. O resultado para mim, foi uma surpresa incrível.
7. Qual a história por trás da música “Mata Cavalo”?
Sou filho de um baiano de Jacobina e de uma cearense de Monsenhor Tabosa. Meu saudoso pai que nos deixou em dezembro de 2023, contava algumas histórias da sua infância em um sítio no Anjico que tinham lugares de difícil acesso onde os cavalos encontravam muita dificuldade para chegar, então iam de jegue ou a pé durante léguas. Lembrei também do livro O Coronel e o Lobisomen de José Cândido de Carvalho que tinha um sítio chamado Mata Cavalo. Foi com essas histórias que resolvi batizar a música.
Ela tem influência de jazz, da música instrumental brasileira, tem convenções e pausas, alguns músicos que me acompanham falaram que ela deveria se chamar Mata Músico rsrs.
8. Como foi trabalhar com artistas como Badi Assad e Toninho Ferragutti?
Conhecia o trabalho de Toninho Ferragutti um instrumentista incrível, histórico. Mas não o conhecia pessoalmente, isso foi durante a gravação. Ele é um craque, brinca com o instrumento, as notas saem do seu acordeom de forma mágica.
Badi Assad merece um capítulo à parte.
A primeira vez que vi Badi se apresentar foi em 1994, representou um marco na minha vida. A partir deste dia, horizontes na música se abriram. Já havia visto shows de grandes violonistas, Raphael Rabello, Baden Powel, Sebastião Tapajós, Paco de Lucia, mas nunca tinha visto uma artista tão completa, tão incrível como Badi Assad.
Ela na minha obra, é uma das influências mais importantes. Hoje é uma amiga, minha eterna mestra, eterna Bruxa. Ainda hoje quando vejo seus shows, saio impressionado, encantado. É como passar a vida olhando o sol nascer, olhando o sol se por, e mesmo assim se encantar com o espetáculo que o astro proporciona.
9. De que forma suas raízes nordestinas influenciam sua música?
A influência nordestina das famílias de meu pai baiano e de minha mãe cearense, foram sempre muito fortes. Na cultura como um todo, no que minha família ouvia desde minha infância, nas falas, nas histórias. Minha formação e influências musicais são as mais diversas, mas para este trabalho especialmente, as raízes nordestinas, este atavismo telúrico gritou nas veias.
10. Qual a importância da música nordestina na sua carreira?
Sempre ouvi Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Elomar, Hermeto Pascoal, Xangai, Vital Farias, Alceu Valença, além da própria influência de família. Tenho um tio Tarcísio Fialho, irmão caçula do meu pai que é músico de Jacobina e a décadas faz shows pelo Nordeste, e pelo Brasil. Além da minha bisa avó que lembro, foi uma das primeiras violonistas que vi tocar aos seus 94 anos quando eu ainda era um menino de 5 anos de idade, nas minhas vagas lembranças.
11. Você acha que a música instrumental é subestimada no Brasil?
Já foi pior, vejo um movimento do choro crescer, muita gente nova, estudante adolescente tocando choro o que é muito importante para sua renovação. Assim como a música instrumental brasileira. Porém, ainda é uma música tratada como um gueto, como algo restrito, mesmo para as pessoas amantes da chamada MPB. Muita coisa pode ser ampliada, a importância de talentos incríveis, que vieram de uma geração que hoje estão próximos dos 40 anos de idade, como Yamandu Costa, Hamilton de Holanda, Ricardo Herz, abriu muitas portas para a música instrumental brasileira. Mas muito ainda, há de se melhorar.
12. Como você vê a atual indústria musical brasileira?
Eu a vejo como qualquer indústria, num sistema capitalista. O lucro em primeiro lugar, concentração de renda nas mãos de poucos. Um reflexo de um dos países mais desiguais do mundo, mas também um reflexo de uma lógica do sistema capitalista. Veja quem detém os meios de produção, vejam as músicas e artistas ligados a este meio e vejam quem concentra a renda. Quem vende trator, quem vende boi, quem vende soja, quem vende cerveja, quem vende bíblia? Vejam os artistas ligados as essas indústrias e achamos a resposta para esta pergunta.
13. Existe alguma crítica ao seu trabalho que você considera injusta?
Ainda não rsrs.
14. Como a sua formação no CLAM influenciou sua trajetória musical?
No CLAM conheci muito da música instrumental brasileira e do jazz. O próprio Zimbo Trio que eram os donos da escola, André Gereissatti, conheci Arismar do Espírito Santo por influência do CLAM e muitos outros artistas, uma lista imensa. Mas para mim, foi importantíssimo conhecer Conrado Paulino, violonista e guitarrista que foi meu professor, que também é um grande amigo e meu eterno mestre. Às vezes puxava minhas orelhas, falava que eu era muito vagal nos estudos rsrs.
15. Quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira?
As premiações de festivais, foram importantes, foram uma escola para ampliação das possibilidades de composição, tanto para canções como para músicas instrumentais. Cursar a faculdade de licenciatura em música na UNESP, abriu caminhos como educador musical.
Todas as gravações e fechamentos de álbuns, desde o álbum “Casa das Bruxas” o meu primeiro, foram momentos marcantes.
16. Quais são os seus planos futuros na música?
Quero fazer muito mais shows de divulgação dos meus álbuns, para este “Violão Nordestino Instrumental” estou tentando abrir as portas de alguns SESCs em São Paulo e fazer alguns shows pelo nordeste brasileiro.