Entrevista: Lorena Ribeiro, escritora, poetisa e professora

1. Como surgiu a inspiração para criar o projeto “Lendo a Bahia: contemporaneidade negra e indígena na literatura jovem”?

O projeto é um recorte de ações já existentes no Passos entre Linhas, iniciativa de incentivo à leitura que administro desde 2016. Em 2019 iniciamos um clube de leitura, que passou a ter o título de Lendo a Bahia, com foco exclusivo nas produções baianas; isso a partir de 2021. Pensando em abranger essas divulgações e promover as leituras de lançamentos recentes de autores negres e indígenas do estado, foi criado o “Lendo a Bahia: contemporaneidade negra e indígena na literatura jovem”.

2. Quais são os principais objetivos desse projeto em relação à literatura baiana contemporânea?

Além de reforçar as divulgações dos livros selecionados na intenção de que diversas pessoas possam ter conhecimento sobre eles, é objetivo do projeto também facilitar o acesso de jovens oriundos de bairros periféricos e frequentadores de instituições públicas e comunitárias a essas obras; isso, por meio das doações dos exemplares dos livros. Com as divulgações de obras online gratuitas, também é desejado que mais pessoas possam conhecer e ler as diferentes produções artísticas da Bahia de modo acessível e fácil.

3. Pode nos falar mais sobre o Clube de Leitura Lendo a Bahia e como ele se relaciona com esse projeto?

Eu acredito ter me adiantado e contado um pouco sobre ele na primeira resposta (risos). 

4. Quais são os temas e elementos comuns que os jovens podem esperar encontrar nas obras representadas nos vídeos-resenha?

Os jovens e todo o público interessado terão acesso a resenhas de livros que versam sobre ancestralidade, saberes ancestrais, boa relação com a natureza. Essas são temáticas centrais de todos os seis livros escolhidos. 

5. Como você acredita que a divulgação dessas obras pode influenciar a juventude no que diz respeito ao pertencimento e à ancestralidade?

Acredito que ter contato com HQs que têm super-heróis negres vá empolgar demais essa galerinha. Eu, já adulta, me empolguei… imagino eles (risos). Creio que essa divulgação será importante para todas as pessoas, sobretudo para negras e indígenas que poderão reconhecer traços cotidianos e memórias contadas por seus mais velhos enquanto curtem boas e gostosas leituras. 

6. Pode compartilhar mais detalhes sobre as atividades realizadas nas lives de sprints de leitura?

Os sprints de leitura são “eventos” inspirados no método pomodoro: nós focamos por trinta minutos na leitura de um texto, depois conversamos sobre a experiência. Já tivemos uma live no dia 16/10, e o texto sorteado para leitura foi “A despedida do Super Futuro”, do autor Anderson Shon, que estava na plateia e topou acessar a live para contar curiosidades e também interagir com quem estava assistindo. É previsto que essas trocas aconteçam em outros momentos: além das leituras coletivas, a participação de artistas dispostos a resenhar ao vivo.

7. Como são selecionadas as obras que serão discutidas nas lives, e como o público participa desse processo?

As obras foram pré-selecionadas por mim. Eu separo três desses textos e publico no story (no Instagram @passosenttrelinhas) a sinopse e capa de cada um. Depois deixo que o público vote no texto que mais quiser ler naquele dia. Esse texto é revelado no início da live (no canal do YouTube) e o link disponibilizado para acesso e leitura.

8. Qual é o impacto que você espera alcançar ao incentivar o consumo da literatura baiana contemporânea entre os jovens?

Quero que todes, sobretudo os jovens, percebam que há uma vasta produção literária em nosso estado (além de diversa em temáticas e gêneros), e que eles podem ter acesso não somente aos textos como também aos artistas que produzem esses materiais. É muito bacana quando leitores e escritores podem trocar experiências; além de instigar ainda mais a leitura, há a valorização de quem produz e inspiração pra quem lê. Espero que esses jovens percebam que se eles quiserem, também podem ser autores.

9. Conte-nos mais sobre a iniciativa de compartilhar links das resenhas em grupos educativos e doar livros para escolas e bibliotecas públicas.

Sou também educadora e sei que os acessos a livros mais recentes são mais difíceis nas escolas, por isso, pensei em realizar as doações: para que estudantes e frequentadores desses espaços possam ler HQs e livros publicados recentemente, criações de escritores também jovens e ativos nas redes sociais. Além de instituições da capital baiana, creio ser muito importante também realizar o envio dos livros para regiões do interior do estado, que infelizmente têm ainda menos acesso a tais produções. 

10. Como o projeto foi financiado e qual é o papel da Fundação Cultural do Estado da Bahia nesse contexto?

O projeto foi aprovado no edital Diálogos Artísticos – Bicentenário da Independência na Bahia, que foi um edital voltado para apoiar projetos que promovessem a produção artística e difusão das artes na Bahia. Essa foi uma iniciativa da FUNCEB, que está vinculada a Secretaria de Cultura do estado.

11. Qual é a cor da capa do livro mais recente?

Do meu livro? Laranja: “O divertido glossário da Jana”, versão bilíngue. Caso pergunte do livro mais recente entre os seis que estão sendo resenhados no projeto: preta com detalhes em verde e laranja: “Estados Unidos da África”.

12. Qual é a sua comida favorita para comer enquanto lê?

Eu prefiro não comer, porque sou desastrada e posso acabar sujando os livros (risos). Mas se fosse para escolher algo, optaria por um bom café.

13. Você acredita que a literatura pode mudar o mundo?

Com toda certeza que sim. Na verdade, acredito que ela já vem mudando o mundo há algum tempo.

14. Você acha que a literatura escrita por autores negros e indígenas é subestimada pela sociedade?

Infelizmente, sim. Uma grande parcela da sociedade acredita que bons textos escritos por negres e indígenas são aqueles que falam sobre dores e sofrimentos, então sempre nos colocam nesse lugar. Entretanto, há tantas outras coisas para se falar em nossos textos e nossas palestras: nossas culturas, amores, alegrias… podemos escrever sobre diferentes temas, e muito bem, por sinal. Existem infinitas produções que ainda precisam ser conhecidas e valorizadas.

15. Qual é a sua opinião sobre a representação da cultura afro-brasileira na literatura nacional?

Eu creio que estamos tendo mais visibilidade e oportunidades, mas que precisamos seguir firmes para muitas melhorias ainda necessárias no mercado editorial brasileiro. Sobre representação de personagens nos livros: percebo que há muito mais consciência e respeito às culturas afrobrasileiras, há inclusive serviços de revisão que visam evitar a propagação de preconceitos, o que é um avanço considerável.

16. Como você lida com críticas que afirmam que projetos como esse podem criar divisões culturais em vez de união?

Por discordar dessa ideia, deixo explícito que ter projetos como esse é necessário justamente porque ainda precisamos gritar para nos lerem, caso contrário, continuaríamos deixados de lado. Se você entrar numa grande livraria hoje, encontrará muito facilmente livros de autores internacionais, possivelmente brancos e homens cisgêneros. Para encontrar livros de autoras negras e indígenas baianas você vai precisar buscar muito mais ou nem encontrará, a depender de em qual espaço você esteja. Ainda é necessário produzir conteúdos com foco em produções negras e indígenas da Bahia para que haja inclusão de nossas produções em livrarias, espaços culturais, eventos etc; para que possam conhecer a diversidade artística dessas pessoas e saiam da bolha que é criada constantemente com os holofotes virados para o que vem de fora.