Entrevista: João Silveira, doutor em educação

Entrevista: João Silveira, doutor em educação
  1. João, você tem um currículo bastante diverso, com experiências em áreas como a dança, farmácia, educação e inovação. Qual foi o momento em sua vida em que percebeu que poderia conectar essas diferentes áreas e que “tudo faz sentido”?

A conexão entre todas essas áreas começou a fazer sentido quando percebi que, na verdade, elas nunca estiveram desconectadas. Acredito que o ponto de virada foi durante meu mestrado, quando me envolvi em um projeto que unia dança e ciência. Naquele momento, percebi que o que eu via como uma vida dividida em compartimentos, na verdade, era uma sinfonia transdisciplinar que poderia ser harmonizada. Foi como se eu tivesse encontrado a peça que faltava para completar o quebra-cabeça da minha vida. A transdisciplinaridade, que inicialmente parecia uma fraqueza, se revelou a minha maior força.

  1. Em “Tudo Faz Sentido”, você fala sobre a importância da fusão entre arte e ciência. O que você acredita que os cientistas podem aprender com os artistas, e vice-versa, para enfrentar os desafios contemporâneos?

Muitas pessoas pensam que a ciência é feita somente com protocolos e esquecem que a ciência depende também da capacidade de ter pensamento abstrato e da criatividade. Por isso, acredito que os cientistas podem aprender com os artistas a liberdade de explorar o desconhecido, uma vez que a arte nos ensina a valorizar o processo criativo, a intuição, e a capacidade de ver o mundo por diferentes perspectivas. Por outro lado, os artistas podem aprender com os cientistas a importância do rigor, da análise crítica e da metodologia. Ambos os campos se beneficiam enormemente dessa troca, pois os desafios contemporâneos exigem soluções que vão além das fronteiras convencionais do conhecimento.

  1. Você menciona exemplos como Leonardo Da Vinci, Einstein e Chico Buarque, que tinham interesses em múltiplas áreas. Quem foram suas maiores inspirações ao longo da sua carreira e como elas influenciaram sua visão interdisciplinar?

Eu prefiro usar a palavra “transdisciplinar” porque ela se refere a uma verdadeira fusão entre as disciplinas. Minha primeira e grande inspiradora foi a Denise Lannes, renomada pesquisadora em educação, por ter sido a pessoa que me abriu os olhos e mais me estimulou a ver e compreender as conexões que estão por todos os lados. Depois dela tive a chance de aprender e me inspirar com outros mestres que encontrei nesse caminho, como Roger Malina, um astrofísico que trabalhou para a Nasa e é editor da mais importante publicação acadêmica nessa área; David Edwards, que além de ser professor em Harvard é um inventor e escritor com reconhecimento de academias de ciências em diversos países; Tania Araújo-Jorge, uma renomada pesquisadora brasileira que luta até hoje para integrar a arte na educação e comunicação científica. Eles todos me influenciaram por terem visões de mundo privilegiadas e por mostrarem com suas realizações, que essa integração é possível. 

  1. O livro aborda a digitalização acelerada durante a pandemia e o impacto da inteligência artificial, especialmente na educação. Quais são os maiores desafios e oportunidades que você vê na integração dessas tecnologias com o ensino de disciplinas artísticas e científicas?

A digitalização e a inteligência artificial trazem consigo tanto desafios quanto oportunidades. Um dos maiores desafios é garantir que essas tecnologias sejam usadas para complementar, e não substituir, a experiência humana única que a arte e a ciência oferecem. A oportunidade, por outro lado, reside na capacidade dessas tecnologias de expandir o acesso ao conhecimento, criar novas formas de expressão artística e científica, e permitir uma personalização do ensino que atenda às necessidades individuais dos alunos. O segredo está em encontrar um equilíbrio que valorize a tecnologia sem perder de vista a importância do toque humano.

  1. Durante a pesquisa para o livro, você visitou universidades, laboratórios e centros de arte ao redor do mundo. Qual foi o projeto interdisciplinar mais inspirador que você encontrou e por quê?

Um dos projetos mais inspiradores que encontrei foi uma residência artística no CERN, localizado na fronteira entre a Suíça e a França, onde artistas e cientistas trabalham lado a lado para explorar as fronteiras do universo. Ver como os artistas trabalham com as complexas teorias científicas, colaboram com as descobertas e as transformam em algo tangível e acessível foi uma experiência reveladora. Esse tipo de colaboração exemplifica perfeitamente como a união de diferentes disciplinas pode resultar em novas formas de pensar e ver o mundo, algo que acredito ser essencial para enfrentar os desafios do futuro.

  1. Como doutor em educação, como você acredita que as instituições de ensino deveriam reformular seus currículos para fomentar essa integração entre diferentes áreas do conhecimento?

As instituições de ensino precisam romper com o modelo tradicional e compartimentado que ainda predomina. Devemos adotar currículos mais flexíveis que incentivem a interdisciplinaridade e a colaboração entre diferentes campos. Isso inclui integrar a arte nas ciências e vice-versa, promover projetos baseados em problemas reais e contextualizar o conhecimento de maneira que faça sentido para os alunos. É fundamental que o aprendizado seja ativo, estimulando a curiosidade natural dos estudantes e preparando-os para pensar de forma crítica e criativa.

  1. Como tem sido a recepção do público ao livro? Alguma história ou feedback dos leitores te surpreendeu?

A recepção ao livro tem sido extremamente positiva, e o que mais me surpreendeu foi a quantidade de leitores que se identificaram com a ideia de que suas vidas e carreiras não precisam ser limitadas a uma única paixão. Recebi mensagens de médicos que também são músicos, engenheiros que pintam nas horas vagas, e todos relataram como o livro os ajudou a ver suas múltiplas habilidades como um ativo, e não como uma dispersão de energia. Esse tipo de feedback é profundamente gratificante, pois confirma a relevância da mensagem que busquei transmitir.

  1. Como você vê o Brasil no contexto global de inovação interdisciplinar? Existem iniciativas brasileiras que poderiam servir de exemplo para o mundo?

O Brasil, apesar dos desafios que enfrentou com a falta de incentivo à ciência e às artes recentemente, tem mostrado um potencial incrível na área de inovação transdisciplinar. Iniciativas como a Fiocruz, que integra ciência e saúde com projetos culturais e educacionais, são exemplos do que podemos alcançar. No que se refere a inovação, os Media Labs espalhados pelo Brasil têm um papel importante. No entanto, é preciso lembrar que o Brasil é um país extremamente inovador em diferentes campos e, mesmo sem mencionar diretamente a integração entre as disciplinas, praticamente toda grande inovação relevante é complexa e mistura muitas disciplinas. Em outras palavras, Inovação = Arte + Ciência. 

  1. Que conselhos você daria para jovens que, assim como você, têm múltiplos interesses e não querem se limitar a uma única área de atuação?

O meu conselho seria: não tenha medo de explorar todas as suas paixões. Não se deixe limitar pela ideia de que você precisa escolher apenas uma carreira ou um caminho. Cada interesse seu pode enriquecer o outro e, juntos, eles podem criar algo único e poderoso. A chave é encontrar maneiras de integrar esses interesses de maneira que eles se complementem, em vez de competir entre si. Seja curioso, esteja aberto a novas experiências, e lembre-se de que a inovação frequentemente surge nas interseções entre diferentes disciplinas.

  1. Por fim, após o lançamento de “Tudo Faz Sentido”, quais são seus próximos projetos? Podemos esperar mais obras explorando a integração entre arte, ciência e outros campos?

Com certeza! A integração entre arte, ciência, educação e inovação é uma paixão e tenho a sorte de poder trabalhar com isso todos os dias. Eu trabalho em um instituto de pesquisas aqui na França em dois departamentos. Em um, eu sou responsável por criar cursos para formação continua para engenheiros e cientistas e no outro eu trabalho com formação de professores e dando cursos de inovação. Em ambos eu conecto arte e ciência o tempo todo e tenho certeza de que, entre todos os projetos que fazemos aqui, certamente alguns irão  inspirar as pessoas a verem o valor nas suas múltiplas habilidades e a usá-las para criar um impacto positivo no mundo.

marramaqueadmin