Entrevista: Igor Pires, escritor

1. Seu novo livro, Este é um corpo que cai mas continua dançando, já está entre os mais vendidos na Bienal do Livro. Como você se sente ao ver essa recepção tão calorosa do público?

Eu me sinto feliz de as pessoas estarem abraçando o projeto e realizado com a possibilidade de atrair novos leitores. Este livro é bastante pessoal para mim, fala de lugares importantes e de experiências desafiadoras, então perceber que não apenas os fãs, como também o público em geral, abraçou a ideia, faz com que o meu trabalho ganhe ainda mais sentido.

2. Você descreve o livro como uma “carta de amor” à transição da adolescência para a fase adulta. O que te inspirou a escrever sobre esse momento tão delicado da vida?

⁠As sessões de terapia. Durante o processo terapêutico, tenho tentado olhar com mais carinho para esta última década de vida, abraçando todas as nuances que me compõem. Eu sou alguém que se cobra muito, então o livro surge dentro do contexto de que preciso parar um pouco, olhar para o que conquistei, ficar em paz com as coisas que não deram certo. Penso que é o momento em que, de fato, parei para analisar todo o meu percurso de vida  até aqui. E honrá-lo com amor e gratidão.

3. ⁠A obra é dividida em três partes: corpo, queda e dança. Pode nos contar um pouco mais sobre o significado dessas divisões e como elas refletem suas experiências pessoais?

Quando o livro começou a ser gerido, eu sabia que gostaria de abordar a experiência conflituosa que tenho com o meu corpo. Eu havia recém-descoberto uma doença autoimune e isso modificou a minha relação comigo mesmo. No processo de escrita dos textos, os assuntos foram ganhando temas em comum, e pude observar três caminhos com os quais trabalhar: textos sobre ausência de autoestima, conflitos externos, conflitos sociais e emocionais; textos relacionados ao fim de um relacionamento; textos sobre se reencontrar e voltar para si. Em uma viagem ao Sul de Minas Gerais, fiz uma trilha na qual precisava passar no meio de um bando de abelhas. Por alguns segundos observei o seu voo, e se formos analisar bem, toda borboleta que voa também é um corpo que cai. Elas alçam voo, caem lentamente, sobem uma vez mais. Daí veio o insight para o nome do livro.

4. A fase ‘corpo’ fala sobre temas como autoestima, saúde mental e sua experiência com a Doença de Crohn. Como foi para você expor essas questões pessoais em sua escrita?

⁠Foi muito natural, visto que escrevo sempre em primeira pessoa. Costumo dizer que produzo a literatura do “eu”, obra quase autobiográfica, portanto livre de qualquer medo ou vergonha de que me vejam com maior profundidade. Acredito que falar sobre a doença de crohn também é materializar no imaginário coletivo a importância do diagnóstico, de procurar ajuda, de ir ao médico. Afinal, autocuidado também é sobre isso.

5. ⁠ Você sempre teve uma abordagem muito íntima e sensível em seus textos. Como lida com a vulnerabilidade de compartilhar tanto de si mesmo com o público?

Passei anos na terapia conversando justamente sobre isso. No começo da minha carreira, algumas pessoas chegavam até mim perguntando se eu não estava compartilhando demais. Pessoas com quem me relacionava me paravam para questionar por qual razão eu escrevia sobre elas. E sempre fui bastante objetivo quanto a isso, pois escrever é mais sobre quem eu sou do que sobre quem eles são. Sempre fui assim, expressivo, sensível. O caminho natural foi que a minha escrita também caminhasse para essa direção. Certa vez, depois de ter lançado um livro no qual eu falava de temas sensíveis e, até então, íntimos, de conhecimento apenas meu e de poucas pessoas, minha mãe me mandou uma mensagem dizendo: “Estou com ciúmes porque agora as pessoas vão saber de uma parte sua que ninguém sabia”. Eu ri. Eu estava cumprindo o meu objetivo de vida, afinal.

6. ⁠ O que você espera que os leitores levem consigo após lerem Este é um corpo que cai mas continua dançando?

Que eles nutram uma relação mais bonita com o próprio corpo, se perdoem pelas coisas que não deram certo, se acolham pelas vezes em que tudo ao redor começar a ruir. É difícil perseverar em busca do sonho quando se é adolescente e há tantas perguntas e poucas respostas. Mas a vida melhora. Ela sempre melhora.

7. ⁠Você menciona que o livro também fala sobre a importância de encontrar equilíbrio e força interior. Que conselhos daria para jovens que estão passando por momentos desafiadores em suas vidas?

Meu conselho é: corram atrás daquilo que vibra o peito, que faz o corpo sentir por qual razão está vivo. Que banquem os sonhos mais impossíveis, o coração sensível e o desejo por um mundo melhor. Nada é tão difícil que não resista a uma manhã de sol erguendo os braços e dizendo: há aqui uma nova oportunidade para você tentar outra vez.

8. Como criador do projeto Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente, você conseguiu construir uma grande comunidade de leitores. Como vê o impacto da poesia e da literatura nas redes sociais?

⁠Temos visto a poesia ganhar cada vez mais espaço nos eventos e na mente dos leitores. A literatura YA (Young and Adult) tem crescido exponencialmente e os autores que nasceram na internet têm solidificado sua base de leitores com o passar dos anos. Isso diz muitas coisas, mas talvez a principal delas seja a de que os leitores mais jovens estão muito interessados na poesia e na literatura como forma de se encontrarem, descobrirem o que são. Geralmente, meus livros servem como porta de entrada para que leiam outros gêneros, então me alegro em ser um meio para que acessem literatura e adentrem ainda mais o universo dos livros.

9. ⁠No livro, você aborda temas como saúde mental, ciclos de vida e até mesmo a representatividade LGBTQIAPN+. Como esses tópicos influenciam seu processo criativo e sua visão sobre o papel da literatura?

Veja bem, estou cada vez mais inclinado a pensar que precisamos falar sobre tais tópicos dentro da literatura YA. Porque estamos formando leitores que precisam de respostas, e muitas vezes os livros adquirem esta condição, de serem guias, manuais ou simplesmente a resposta de que tanto procuram. Falar sobre saúde mental para o adolescente que está no auge da ansiedade, preocupado com o futuro, é algo que sempre esteve intrínseco ao meu trabalho, afinal, já fui adolescente e continuo experienciando novas fases da vida adulta. É inerente à minha escrita e a quem sou falar dessas questões, além de abordar relacionamentos homoafetivos, uma vez que estou sempre escrevendo sobre meninos que amam meninos. Esses tópicos influenciam o meu trabalho porque eles me formam como pessoa no mundo, como cidadão, como leitor e como alguém que quer continuar sendo referência para aqueles que enxergam em mim possibilidades de vida e representatividade.

11.Como você enxerga a evolução da sua escrita desde os primeiros textos até este sexto livro?

Acho que me tornei mais maduro, mais consciente das coisas que quero, do que devo aceitar ou não. Tenho criado um espaço seguro para o meu existir inteiro, e a minha escrita é apenas um pilar – importante – de tamanha construção. Ultimamente, tenho escrito não para me salvar, mas para me ver com mais carinho e beleza. E isso muda tudo.

12.  Com mais de 1 milhão de exemplares vendidos, você já conquistou um grande público. O que mais te motiva a continuar escrevendo e publicando novos trabalhos?

O que me motiva a continuar escrevendo é a descoberta de mim mesmo. É sempre o que posso fazer de diferente, de que forma, outra, posso dizer sobre os mesmos sentimentos, como posso me desafiar a melhorar e a evoluir como escritor.

13. O que os leitores podem esperar do futuro de Igor Pires? Já há planos para novos projetos?

Os leitores podem esperar livros novos, com histórias diferentes, formatos que nunca pensei escrever e que estou adorando. Quero muito ir para o audiovisual também, então seria bacana conseguir navegar por esses mares.