Entrevista: Gui Silveiras, cantor e compositor

1. Gui, como surgiu a ideia para o single “Assalto à Baião Armado” e o que você quer transmitir com essa música?

A escolha para o single “Assalto à Baião armado” é bem especial! Foi a primeira composição onde comecei a desenvolver uma linguagem mais violonística, voltada para a música popular e que me levou para um estúdio profissional pela primeira vez. No ano de 2008 fiz essa parceria com o compositor e letrista Zeca Barreto, que me convidou a arranjar e gravar essa música em seu primeiro álbum. “Assalto à Baião Armado” me leva de volta ao começo, e esse processo de “retorno” é um dos princípios e da essência que me fez desenvolver o álbum “OroborO”.
Uma música que me abriu muitas portas e que tem um significado muito especial em minha jornada quanto compositor e instrumentista.

2. Quais foram as principais influências musicais que moldaram o seu novo álbum “OroborO”?

As influências são diversas. As músicas que compõem esse trabalho são frutos de anos de estudo e pesquisa do violão e da música popular brasileira em suas diversas matizes. Revisitei composições de minha autoria ao longo das últimas décadas com forte influência de Guinga, João Bosco, Rosinha de Valença, Garoto, Villa Lobos e tantos outros grandes nomes da nossa música popular brasileira.

3. Pode nos contar um pouco sobre a parceria com Zeca Barreto na composição de “Assalto à Baião Armado”?

Como contei, essa música surge em 2008 e me lembro bem do dia em que compus. Na época dava aulas de canto em Botucatu e num intervalo entre uma aula e outra peguei o violão e me veio uma primeira ideia melódica. Como não tinha muito tempo liguei o gravador e sai tocando, ela veio praticamente do começo ao fim de forma bem espontânea. O maior trabalho foi escutar a gravação e tirar de ouvido o que tinha criado intuitivamente… Apresentei a música para o Zeca que logo me enviou a letra com o título “Assalto à Baião Armado” e assim nasce a primeira de muitas parceiras que surgiriam ao longo dos anos.

4. Como você descreveria a experiência de gravar e produzir esse single?

Foi uma experiência incrível! Gravei esse single no estúdio Conexão em São Paulo em um violão Di Giorgio de 1964 com uma sonoridade maravilhosa.
Um dia antes de entrar no estúdio meu violão quebrou e a minha sorte é que o proprietário do estúdio, o Ricardo Cassis, é um violonista exímio e amante do instrumento. Ele me ajudou muito, tanto oferecendo uma série de violões para que eu escolhesse com qual gostaria de gravar, além de proporcionar um ambiente aconchegante e acolhedor para o registro desse trabalho.

5. O que o público pode esperar do videoclipe de “Assalto à Baião Armado”, que será lançado em 13 de julho?

O videoclipe é uma experiência real, gravado ao vivo no estúdio e sem cortes. Me propus a fazer a gravação do áudio ao mesmo tempo em que a filmava o clipe, foi um grande desafio. Além do cuidado com a execução pensei na questão estética levando para o estúdio um pouco da natureza, algo que me conecto bastante. Gerando um cenário onde o concreto se confunde com o natural através do olhar sensível e atento do meu parceiro de produção Renan Mansur, que assina a direção desse trabalho audiovisual.

6. De que forma o álbum “OroborO” se diferencia dos seus trabalhos anteriores?

O álbum “OroborO” nasce como um resgate, um revisitar de minha obra quanto compositor e instrumentista. Surge do movimento do “eterno retorno” e apresenta minhas canções antes canção, ou seja, a música antes da letra.
Meus trabalhos anteriores sempre exploraram a poética literária aliada ao colorido harmônico em uma sonoridade cancioneira onde a letra estava em evidência tanto quanto a musica. Já em “OroborO” o fio condutor é o violão instrumental, onde a poética se encontra nas melodias, nos ritmos e harmonias, e que expressam a busca incessante por me aproximar de minhas influências musicais.

7. Como o seu background como educador musical influenciou o processo de criação deste álbum?

Acredito que através da organização. Entender e desenvolver cada processo de forma objetiva e com clareza. A troca é a base para desenvolvermos o conhecimento assim como para transmiti-lo, quanto educador acredito muito na troca de saberes e experiências. Busquei aplicar isso no processo de elaboração desse trabalho, trocando bastante com amigos e parceiros, em especial com Nando Vicencio que assina a direçnao musical do álbum. Pedindo opiniões, pedindo apontamentos, sempre na busca de desenvolver um trabalho de qualidade e que dialogasse com minha essência.

8. O violão é um instrumento central no seu novo trabalho. O que o torna tão especial para você?

O violão é meu companheiro de infância e com ele vivi e vivo experiências fantásticas e desafiadoras em diversos âmbitos. É para o violão que corro quando estou alegre assim como é ele quem me ajuda nos momentos difíceis, recorro sempre ao instrumento para encontrar respostas da vida e do dia a dia. Ele me instiga, me provoca e desafia constantemente, o violão me impulsiona ao movimento constante e na busca incansável ao infinito.

9. Pode compartilhar algumas histórias ou momentos marcantes durante a produção de “OroborO”?

Foram diversos momentos marcantes, desde a aprovação do projeto e a possibilidade de cristalizar sonhos, ao violão quebrar 12 horas antes das gravações e nesse caminho muita coisa bonita aconteceu.

Gravei com instrumentos maravilhosos, me desafiei ao me propor a gravar um disco solo e instrumental, algo que ainda não havia feito e sobretudo o encontro musical com pessoas muito queridas. Tivemos a participação especial da violinista, multinstrumentista e compositora Carol Panesi que fez um arranjo fantástico para música “OroborO”, gravando diversas linhas de violino e trazendo um toque muito sensível para esse trabalho, além da participação do grande mestre Filó Machado que fez um arranjo em tempo real ali no estúdio para uma composição que fiz em homenagem a ele, foi surreal!

10. Qual é a mensagem principal que você espera que os ouvintes levem do seu novo álbum?

Acredito que a mensagem venha de forma subjetiva através dos simbolismos que envolvem o conceito de “OroborO”, símbolo ancestral que faz parte de diversas culturas e que trás em si diversos princípios existenciais. Pelo fato de ser um trabalho instrumental acho que a mensagem fica nas entrelinhas das cordas de um violão de pinho e os sentimentos que a harmonia podem levar a cada ouvinte.

11. Se você pudesse ser qualquer instrumento musical por um dia, qual seria e por quê?

Ótima pergunta… Acho que seria um violão! Por ser um instrumento popular, de fácil acesso e que transmite sentimentos diversos em diversas roupagens e contextos.

12. Qual é a coisa mais engraçada que já aconteceu com você durante um show?

Em uma de minhas apresentações em festival o pedestal do microfone estava frouxo e começou a cair durante a apresentação. Eu sem ter o que fazer, não podia parar a música no meio pra arrumar o pedestal senão com certeza seria desclassificado, comecei a abaixar junto com o pedestal e acabei a música quase que agachado …. depois o pessoal que assistiu falou: “adorei sua performance com o pedestal”.
Ah se eles soubessem o sufoco que eu estava passado naqueles minutos!

13. Se “Assalto à Baião Armado” fosse a trilha sonora de um filme, que tipo de filme seria?

Seria um drama, filme nacional filmado no sertão brasileiro.

14. Como você vê a relação entre a música instrumental e o mainstream musical no Brasil hoje?

O Brasil é um celeiro de grandes instrumentistas e fazer música instrumental por aqui é um sinônimo de resistência. Apesar de termos grandes nomes ainda falta muito espaço no mainstream para dar vasão a grande quantidade de trabalhos musicais fantásticos e que muitas vezes acabam ficando “apagados” por falta de acesso do grande público a essa expressão musical. Acredito que tem muito a ver com as intenções do mercado da música e tudo que isso envolve mercadologicamente.

15. Há quem diga que a música instrumental é menos acessível ao grande público. Qual a sua opinião sobre isso?

Acredito que sim, infelizmente o acesso muitas vezes se torna elitista, por diversos fatores, sociais, econômicos e estruturais. A falta de espaços acessíveis a um público economicamente restrito, os olhares mercadológicos da mídia com relação aos sistemas de consumo. Diversos fatores estruturais distanciam as pessoas da possibilidade a apreciar a música em outros contextos além do que é de alguma forma “imposta” pela “indústria da música”.

16. Em tempos de streaming, qual é a sua visão sobre a sustentabilidade financeira para músicos independentes?

Os músicos, artistas de forma geral, precisam se reinventar constantemente sobretudo hoje na era da informação. A cada segundo surge uma “novidade” e cada vez mais a relação com a tecnologia tem nos distanciado do apreciar e nos levado ao consumo, consumo cultural, consumo musical, enfim … Ao mesmo tempo em que os streamings abrem possibilidades para que novos artistas apareçam no mercado, pensando de forma monetária nos distancia de um retorno financeiro efetivo. Os valores são muito baixos para “artistas emergentes” sendo substancial de fato apenas para uma camada ínfima da classe artística. Por isso precisamos estar em movimento constante para termos combustível e continuar a semeadura do que acreditamos em nossas expressões artísticas individuais e coletivas.

17. Qual foi o momento mais desafiador da sua carreira até agora?

Acho que não consigo eleger um momento mais desafiador. Acredito que os desafios são constantes e em diversos espectros. Ora no campo pessoal, ora no campo profissional, no campo das relações… fazer musica autoral no brasil é um grande desafio, sempre.   

18. Você tem algum conselho para jovens músicos que estão começando agora?

Sigo um lema pessoal: “Insistência, persistência e resistência”
Insistir no propósito de um sonho, mesmo que todo o sistema queira, ou espere outra coisa de você.
Persistir, a cada dificuldade, a cada desafio buscar forças para continuar sua jornada.
Resistir, as intempéries que nos impulsionam a nos desviar do caminho da realização pessoal.

E estudar, buscar conhecimento, desenvolver experiências, acreditar em suas potencialidades e desenvolve-las ao máximo.

19. Pode nos contar sobre a experiência de tocar com grandes nomes da música brasileira como Nelson Sargento e Monica Salmaso?

Tive a felicidade de dividir palco com grandes mestras e mestres.
É sempre uma grande responsabilidade ao mesmo tempo que um sentimento de gratidão pelo presente em compartilhar momentos com pessoas especiais e que nos são referência. Sinto como se recebesse uma benção e uma confirmação de estar trilhando o caminho certo, faz todas as dificuldades e desafios valerem a pena e que é possível ser feliz com a música que nos propomos a fazer.