Entrevista: Fernando Cardoso, diretor da peça Quem Vai Ficar Com Juca

1. Para começar, conte-nos um pouco sobre a trama do espetáculo “Quem Vai Ficar Com Juca?” e como ele aborda os relacionamentos modernos.

Um casal em crise, às portas da separação, e a briga pela guarda do cachorro vira-lata é a trama central. Acho que a peça aborda várias questões sobre os relacionamentos modernos, mas principalmente a dificuldade de comunicação. Ninguém mais ouve o outro e também não sabe se ouvir. Não é à toa que o Juca, o vira-lata do casal diz: “Falar pra não ser ouvido? Vocês humanos fazem isso o tempo todo.”

2. A peça tem um elenco incrível, com Ellen Rocche, Guilherme Chelucci e André Kirmayr. Como foi a escolha desses atores para os papéis principais e o que eles trazem de especial para os personagens?

A Guta, personagem da Ellen, foi, de certa maneira, escrita pra ela. Ela sempre esteve na minha cabeça, desde a ideia original até a realização do projeto. O Guilherme chegou, indiretamente, através da Ellen e foi um acerto. Além de serem um casal de verdade, eles têm muita química em cena. O André seria assistente de direção, mas ele batalhou pelo papel. Fez uma leitura, arrasou. Ele é o Juca!

3. No centro da história está Juca, o vira-lata caramelo. Como surgiu a ideia de dar voz a esse simpático personagem canino e como foi a preparação do ator André Kirmayr para interpretá-lo?

Eu acho que os animais, especialmente os cachorros, se comunicam com a gente. Eles têm uma linguagem própria, uma compreensão da vida… são sábios e podem nos ensinar muito. Eu, como um dos autores, abri espaço em mim para que os cachorros “falassem” através de mim. A Nicole Puzzi (atriz, escritora e ativista dos direitos dos animais) e o jornalista Danilo Thomaz, meus parceiros de dramaturgia, também se permitiram “ouvir” os cachorros, especialmente a Nicole que tem vários. Acho que nós três somos tradutores do latidos, das orelhas, do focinho e do rabos dos cachorros. O Juca diz: “Você acha que rabo, focinha e orelha servem pra quê, feijoada?!”

O André ama cachorros. Tem a Pedrita que foi a inspiração dele, a professora. Como todo o bom ator, o André é muito observador. Tivemos um preparador de corpo, Leonardo Bertholini, que nos ajudou muito também. Eu acho que foi um processo muito intuitivo. Não tenho formação teatral. Mas vi tanto teatro que fui absorvendo pela pele. Eu trabalho com intuição e… Na minha opinião, deu certo! A única preocupação que eu tinha é que não fosse teatro infantil. Que o André não imitasse um cachorro. Eu queria que ele fosse um cachorro. E, em cena, ele É. 

4. Você, além de diretor, também é autor do texto. Pode nos contar um pouco sobre a inspiração por trás dessa história e como ela reflete questões essenciais da vida moderna?

São duas inspirações. Uma fala que ouvi pessoalmente de duas pessoas muito importantes: a atriz Cleyde Yáconis e a escritora Lygia Fagundes Telles. Ambas, em ocasiões diferentes me disseram mais ou menos isso: “Eu poderia até perdoar que meu marido tivesse um caso com outra mulher, mas que ela passeasse com o meu cachorro?! Jamais!”E a outra, a minha convivência com Lolita, a cachorrinha do meu sócio, Roberto Monteiro. Ela me ensinou muito. E ainda me ensina. É um anjo. Eu melhorei muito como pessoa depois que comecei a conviver com ela.

5. A peça aborda a dificuldade de comunicação entre as pessoas e a importância dos pets em nossas vidas. Como vocês esperam que o público se identifique com esses temas?

Acho que é impossível não se identificar se você tem um pet. Ou mesmo não tendo. Em certos aspectos é similar com ter um filho, guardada as devidas proporções. Na verdade, ninguém original e as vidas são parecidas, as dificuldades, as alegrais, as tristezas… A peça é sobre amor. O amor de um casal. O amor deles pelo cachorro. E, principalmente sobre o amor do cachorro por eles. O Juca diz: “Nós cachorros amamos sem saber porque…”

6. Qual foi o momento mais engraçado ou inusitado durante os ensaios ou apresentações do espetáculo?

São tantos momentos engraçados durante a peça. E, em todas as apresentações o público reage muito bem. A peça tem várias surpresas e o Juca vai se transformando durante a peça. É impossível imaginar o que acontece nessa comédia. Um cachorro que fala é o mínimo perto do que o Juca é capaz.

7. Sabemos que Juca é um personagem muito carismático. Como o público reage à sua participação e suas tentativas de reconciliar o casal?

O público se apaixona pelo Juca muito rapidamente. Ele é simpático, alegre, gaiato, divertido, amoroso, profundo, sábio… O público embarca totalmente na história, na trama, nas maluquices que o Juca prepara para unir o casal de novo.

8. Como é trabalhar com um elenco tão talentoso e experiente como Ellen Rocche, Guilherme Chelucci e André Kirmayr? Alguma história engraçada dos bastidores que possa compartilhar?

É um prazer imenso! São atores criativos, generosos, inteligentes, sensíveis… e os três são lindos! Só tenho recordações boas dos nossos ensaios e a gente se divertiu bastante. Mas não saberia eleger um momento único.

9. A peça aborda o tema da separação de um casal. Vocês acreditam que existem situações em que é melhor para as pessoas se separarem, mesmo que haja amor envolvido?

Eu acredito que o amor nem sempre é saudável. E quando ele não é, o melhor é a separação. Talvez separados o ex-casal consiga preservar algo de bom da relação que deixou de ser boa e manter uma amizade, por exemplo.

10. No espetáculo, Juca tenta unir Augusta e Otávio novamente. Isso levanta a questão: os pets têm o poder de influenciar nossas decisões importantes na vida?

Acho que sim Um pet é uma vida que depende de você. Quando vc adota um pet, vc se responsabiliza por aquela vida. Numa separação o que for melhor para todos os envolvidos deve ser elaborado com cuidado. Não dá pra ser inconsequente e não levar isso em consideração.