1. EMY, qual foi a inspiração principal por trás do single “rei coroado”?
Eu curto bastante a abordagem, estética e teórica, do que foi produzido artisticamente no Brasil logo após o golpe militar de 1964 até um pouco antes da chegada dos anos de chumbo. É um período curto – menos de 4 anos – onde a repressão parece ter acordado, finalmente, uma necessidade de colocar no holofote a instabilidade racial e o classismo entranhado na estrutura social do país, que também se refletia no fazer artístico. Zé Keti, João do Vale, Augusto Boal, Glauber Rocha, Nelson Pereira do Santos e Edu Lobo são artistas que certamente inspiraram muito essa faixa e a minha carreira também.
2. Você mencionou que “rei coroado” versa sobre o triunfo negro. Pode nos falar mais sobre essa temática e como ela se reflete na música?
Ao compor essa faixa, uma certeza eu tinha era a necessidade de imprimir uma alegria, alegria da vitória, sabe? Não queria que fosse uma música trágica sobre malezas e ponto final. O refrão ser festivo daquele jeito diz muito sobre essa minha vontade. Na música, eu não concluo a narrativa da história e não apresento um final fechado. A luta nunca termina, né? Mas as vitórias precisam ser festejadas.
3. Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou ao produzir e lançar “rei coroado”?
Rapaz! O cenário mudou depois, meu último disco – com a Fábrica – saiu em 2013, eram outros tempos. O mercado está ainda mais cruel, quase tudo é pago e custa muito, muito caro. Ainda precisamos gerir as redes sociais, produzir conteúdo para engajar, audiovisual e etc. Acho que o cenário da finada “Era dos Blogs” era um pouco mais gentil para com os artistas independentes não-herdeiros. haha E estar sempre presente nas redes para não ser esquecido é muito difícil. Eu sou meio eremita recluso, botar a cara é sempre um desafio.
4. Como foi a experiência de gravar o clipe numa sala escura e claustrofóbica?
Um colega me disse que quando assistiu o clipe sentiu uma vibe pesada e achou que a qualquer momento eu fosse tomar um socão do nada, no meio de um dos closes no meu rosto. Achei uma definição bastante precisa de tudo que pensei em transmitir com o clipe haha
5. Quais foram as influências musicais que moldaram o som de “rei coroado”?
Kanye West, Madonna, Edu Lobo, JPEGMAFIA, Curtis Mayfield e mais uma pá de coisas.
6. Pode nos contar um pouco sobre a escolha dos elementos visuais no clipe, como as intervenções de luz azul e vermelho neon?
O neon especificamente me atrai bastante, cria uma onda cyberpunk suburbana. As luzes azul e vermelha piscando remetem diretamente a certos agentes do Estado e a faixa narra um cerco e uma violência iminente. Acho infelizmente que não preciso explicar mais nada, né?
7. O que significa para você invocar figuras históricas como Ganga Zumba em sua música?
Como diz parte da peça MACACOS escrita, dirigida e protagonizada por Clayton Nascimento, o brasileiro não conhece sua própria história. Claro que existe todo um aparato estrutural para impedir nosso acesso, mas temos que mudar isso.
8. Como foi o processo de composição e produção de “rei coroado”?
Longo e cansativo. Fiz umas 60 versões dessa música ao longo de quase um ano. É sério! haha
9. Qual a importância de misturar festa e luta na sua música?
Depois de vencer uma luta, aquela cervejinha pra comemorar é fundamental.
10. Você pode compartilhar alguma história ou memória marcante durante a gravação do single ou do clipe?
Num momento de maior empolgação durante a gravação do clipe, a luminária da sala simplesmente explodiu e quebrou em mil pedaços. Tomamos um susto gigantesco! O clima estava tão pesado que a luminária não aguentou e sucumbiu! haha
11. Como a sua trajetória até agora influenciou a criação do seu primeiro álbum solo?
Acho que quase tudo que fiz anteriormente me fez seguir um caminho oposto agora.
12. Como você vê a evolução da sua carreira desde suas primeiras bandas até este momento solo?
Acho que a situação mais curiosa é em relação a minha voz. No início, por muitos anos, eu só compunha e achava que jamais conseguiria cantar minhas músicas. Hoje estou aqui citando Curtis Mayfield, dono das vozes mais lindas da história, como influência no meu canto.
13. Quais são as colaborações que mais marcaram sua carreira até agora?
Guardo com muito carinho os trabalhos que fiz com Igor Ferreira (um dos melhores produtores e profissionais de áudio do país), da turnê que fiz com Juçara Marçal e Cadu Tenório para o disco Anganga, os discos que produzi/mixei para o Lucas Vasconcellos e claro, ter trabalhado com a Letrux na mixagem do clássico álbum Letrux em Noite de Climão (acho já pode chamar de clássico, né? haha).
14. Você já enfrentou críticas ou desafios por misturar elementos tradicionais com modernos na sua música?
As pessoas costumam chamar de experimental qualquer fagulha de imaginação inserida nas músicas. Me divirto com isso.
15. Como você se vê daqui a cinco anos, tanto pessoalmente quanto profissionalmente?
Vivendo dignamente da minha arte, assim espero.
16. Qual é a sua comida favorita para comer depois de um show?
Fico exausto depois de qualquer show, na real só penso em deitar e dormir.
17. Se você pudesse ser qualquer animal por um dia, qual seria e por quê?
Baleia Cachalote. Bicho bonito da porra.
18. Qual é a primeira coisa que você faz quando acorda de manhã?
Agarro minhas três cachorrinhas até desenvolverem um ódio mortal por mim.
19. Você acha que a indústria musical brasileira dá o devido valor à música negra?
Falar sobre música brasileira e música negra é quase um contrassenso, a música brasileira é a música negra. A ideologia dominante impõe um apagamento do negro na indústria fonográfica. Por que as cantoras baianas de axé mais famosas do país são mulheres brancas?
20. Como você enxerga a relação entre arte e política no Brasil atualmente?
Em períodos de crise a indústria da cultura absorve o que for necessário para obter lucro, nisso, enxergou um mercado consumidor ávido por representatividade de grupos minoritários. E o capitalismo fez o que sabe melhor que é transformar tudo em produto, inclusive pautas importantes e necessárias. Hoje temos um cenário de certa forma inédito onde é possível encontrar uma drag queen na lista de artistas mais lucrativos do mercado. Não podemos nos levar pela ilusão do mercado e acreditar que o cenário está mudando devido, tornando realmente mais inclusivo através da conciliação, o único caminho possível para uma real mudança política é o caminho da revolução.
21. Você já enfrentou algum tipo de preconceito ou discriminação na sua carreira musical? Como lidou com isso?
Preconceito está presente em todas as esferas da vida de qualquer pessoa negra e o tempo me ensinou a ser cada vez mais combativo e reativo, o silêncio não é a resposta.