Entrevista: Edivan Guajajara, cineasta indígena

Entrevista: Edivan Guajajara, cineasta indígena

1. Parabéns pelos prêmios que “Somos Guardiões” conquistou. Como você se sente após esse sucesso inesperado em tão pouco tempo? 

Primeiramente, agradeço imensamente pelo reconhecimento e pelos elogios aos prêmios que “Somos Guardiões” conquistou. É uma honra compartilhar um pouco da nossa jornada e do significado profundo por trás desse filme. Me chamo Edivan Guajajara, pertenço ao povo Guajajara no estado do Maranhão, especificamente ao território indígena Arariboia, na aldeia Zutiwa. Quanto à pergunta sobre como me sinto após o inesperado sucesso do filme em tão pouco tempo, a emoção é indescritível. “Somos Guardiões” não é apenas um registro cinematográfico, é um testemunho da resistência e da luta incansável dos guardiões da floresta, das lideranças que defendem seus territórios e lutam pela preservação da vida e da floresta. 

Participar desse projeto foi uma experiência incrível e, como indígena, integrar uma equipe diversificada para criar uma obra de tamanha relevância é motivo de imensa satisfação. Contar a realidade cotidiana de nossos territórios, mostrar as batalhas diárias pela proteção territorial, foi uma missão que abraçamos com paixão. 

O sucesso alcançado, representado por participações em renomados festivais internacionais e brasileiros, bem como os prêmios recebidos, ultrapassou minhas expectativas. Essa trajetória, embora rápida no reconhecimento público, foi fruto de um processo complexo e dedicado. Produzir um filme como este não se resume a registrar momentos, depoimentos ou paisagens. Queríamos transmitir a essência de cada território, a realidade das lideranças indígenas e a importância vital de suas ações na proteção territorial. 

Portanto, é extremamente gratificante ver a mensagem do filme ecoar em diversos lugares e sensibilizar as pessoas para a importância crucial de defender nossas terras e modos de vida. Estou emocionado por contribuir para esse movimento e agradeço a todos que possibilitaram essa oportunidade de compartilhar nossa história com o mundo. 

2. “Somos Guardiões” aborda a luta dos indígenas contra o desmatamento da Amazônia. Como surgiu a inspiração para criar esse documentário? 

Certamente, agradeço pela pergunta sobre a origem da inspiração para a criação de “Somos Guardiões”, um documentário que aborda a luta incansável dos indígenas contra o desmatamento na Amazônia. É verdade que os povos indígenas têm uma conexão intrínseca com a preservação da floresta, sendo defensores incansáveis de seus territórios. 

Minha motivação para este projeto é profundamente pessoal, pois sou indígena e, ao estar imerso em meu próprio território, senti a responsabilidade e a oportunidade de compartilhar a realidade das lutas que os povos indígenas enfrentam na defesa de suas terras. A inspiração brota da necessidade de oferecer uma visão autêntica e impactante das vidas e desafios enfrentados diariamente dentro das terras indígenas. 

Participar dessa equipe de produção foi mais do que uma escolha profissional, foi uma resposta à convocação interior para dar voz às comunidades que muitas vezes têm suas vidas sacrificadas na árdua batalha contra as ilegalidades que assolam os territórios indígenas. Como indígena, sinto-me compelido a destacar a importância vital dos esforços de preservação, proporcionando ao público uma visão mais profunda da riqueza cultural e da dedicação intrínseca dos indígenas na proteção de seus modos de vida e do meio ambiente. 

Portanto, minha inspiração reside na vontade de amplificar as vozes dos indígenas e destacar a relevância global de suas batalhas, na esperança de sensibilizar as pessoas para a necessidade urgente de preservar a Amazônia e apoiar as comunidades que a protegem incansavelmente. 

3. O filme recebeu o prêmio do público de melhor documentário brasileiro em São Paulo. Como acredita que esse reconhecimento impactará a causa dos guardiões da floresta? 

É extremamente gratificante receber o prêmio do público de melhor documentário brasileiro em São Paulo, e acreditamos que esse reconhecimento terá um impacto significativo na causa dos guardiões da floresta. Desde sempre, mantivemos a convicção de que esses guardiões, dedicados à preservação da vida e da floresta, desempenham um papel crucial que transcende o âmbito pessoal e familiar. Eles atuam como defensores de toda a humanidade, enfrentando diariamente os desafios de confrontos diretos com madeireiros e invasores ilegais em seus territórios. 

O monitoramento constante realizado pelos guardiões não apenas protege suas comunidades, mas também beneficia globalmente. A defesa incansável da floresta é, essencialmente, uma ação em prol de todos, uma vez que todos dependemos da preservação ambiental para a nossa própria existência. A floresta em pé é vital para a qualidade do ar que todos respiramos. 

O reconhecimento do documentário em São Paulo é de suma importância, especialmente para os guardiões. Ele não apenas valida o valor essencial de suas ações, mas também serve como uma motivação adicional. Essa conquista reforça a mensagem de que estão no caminho certo ao protegerem seus lares e territórios. Proteger a casa e o lugar onde se vive não é apenas correto, mas é uma responsabilidade que todos compartilhamos. 

Esperamos que esse reconhecimento inspire não apenas os guardiões da floresta, mas também o público em geral, para reconhecer a importância crítica de preservar nossos ambientes naturais e apoiar aqueles que estão na linha de frente dessa batalha. O festival de São Paulo desempenhou um papel crucial ao destacar essa causa, e estamos profundamente agradecidos por essa oportunidade. 

4. Você é um dos diretores do documentário e também um guardião da floresta. Como essa experiência pessoal influenciou a produção do filme? 

Como indígena, minha participação na produção do documentário, mesmo trabalhando ao lado de renomados produtores estrangeiros, desempenhou um papel crucial e impactante. Inicialmente, minha entrada no projeto não foi como diretor, mas como um membro da comunidade, oferecendo suporte à equipe em termos de deslocamento para a aldeia e facilitação do diálogo, aproveitando minha fluência na língua Guajajara Tupi. 

Minha presença foi fundamental para assegurar que a visão apresentada no filme refletisse com precisão nessa perspectiva. Não queríamos simplesmente ser objetos de filmagem, era crucial ter a participação direta de um indígena no processo de produção. Ao longo do processo, minha função evoluiu, e comecei a contribuir ativamente com ideias e opiniões. Não apenas me limitando a ajudar a equipe, comecei a oferecer sugestões, influenciando o curso da produção com base na riqueza da minha experiência como guardião da floresta. 

Durante as filmagens, fui capaz de fornecer insights valiosos, propondo abordagens que enriqueceram a narrativa e deram ao filme uma dimensão que talvez não tivesse sido alcançada de outra forma. A minha participação trouxe uma perspectiva autêntica e local ao projeto, garantindo que o documentário não apenas representasse, mas também respeitasse a vida e a cultura dos povos indígenas. 

O sucesso do filme, em grande parte, é atribuído à colaboração eficaz entre a equipe de produção e a minha contribuição direta. Ver o impacto positivo do filme e sua recepção bem-sucedida valida a importância de incluir as vozes indígenas nas narrativas que os envolvem. Essa experiência reforçou a ideia de que a diversidade de perspectivas enriquece significativamente o resultado final de qualquer empreendimento cinematográfico. 

5. Os prêmios incluem um montante de 10 mil dólares para os ativistas envolvidos no filme. Como planeja utilizar esses recursos para apoiar a causa dos guardiões da floresta? 

O prêmio será integralmente dado aos guardiões da floresta das aldeias Tembé e Guajajara, e à Mídia Indígena, para a compra de câmeras, drones e tecnologia adicional para documentar e fazer denúncias sobre a proteção da floresta nos territórios. A comunicação é uma ferramenta de luta poderosa.

6. Quais são os planos futuros para “Somos Guardiões”? Pretende levá-lo a mais festivais ou disponibilizá-lo ao público em geral? 

“Somos Guardiões” tem, sem dúvida, planos empolgantes para o futuro. Atualmente, estamos participando de concursos em festivais internacionais e nacionais, buscando ampliar ainda mais a visibilidade do filme. Além disso, estamos considerando a possibilidade de disponibilizar o documentário em plataformas online, embora os detalhes específicos ainda estejam em discussão. 

Vale ressaltar que nosso compromisso vai além da exibição do filme. Temos uma campanha de impacto em andamento, a qual visa gerar resultados positivos para os territórios, especialmente para os Guardiões. Essa iniciativa envolve uma equipe dedicada, focada em estabelecer parcerias com aqueles que desejam apoiar a causa indígena e contribuir para a proteção territorial dos Guardiões. Acreditamos que essa campanha é uma extensão valiosa do filme, promovendo a conscientização e incentivando a ação concreta em prol da preservação ambiental e da vida indígena. 

Portanto, há muitos planos emocionantes no horizonte. O filme é apenas um ponto de partida, e estamos comprometidos em continuar ampliando o impacto positivo, conscientizando o público e catalisando esforços colaborativos para a proteção dos territórios e da cultura indígena. A jornada não termina com o filme; é uma chamada à ação constante. 

7. Como diretor indígena, você acredita que há mais oportunidades para cineastas indígenas no cenário cinematográfico brasileiro após esse sucesso? 

Como diretor indígena de “Somos Guardiões”, acredito fervorosamente que este filme tem o poder de transformar as perspectivas das pessoas não indígenas em relação ao talento e às capacidades dos cineastas indígenas. Este projeto não é apenas uma conquista pessoal, mas também uma prova de que nós, indígenas, somos plenamente capazes de participar e contribuir para grandes produções cinematográficas em qualquer cenário. 

Eu, Edivan Guajajara, originário do território indígena do Araribóia, sou uma testemunha viva desse potencial. Acredito, sinceramente, que este filme abrirá portas para futuros cineastas indígenas, proporcionando oportunidades para que expressem seus talentos em diversas plataformas. O sucesso de “Somos Guardiões” não é apenas um triunfo pessoal, mas uma vitória coletiva que, espero, mudará a percepção sobre cineastas indígenas. 

Estou comprometido não apenas em abrir caminhos para mim mesmo, mas também em criar oportunidades para outros talentos indígenas que estão à espera de uma chance para mostrar o que são capazes de fazer. Este é um esforço coletivo para desvendar o potencial criativo e narrativo presente nas comunidades indígenas, oferecendo espaço para que brilhem e inspirem outros. Acredito firmemente que, por meio deste filme, as pessoas começarão a olhar para os cineastas indígenas com uma perspectiva renovada, reconhecendo e valorizando a diversidade e a riqueza de suas contribuições para o cenário cinematográfico brasileiro e além. 

8. Conte-nos sobre os desafios enfrentados durante a produção do filme e como vocês os superaram. 

Certamente, a produção de um filme sempre vem acompanhada de desafios, e “Somos Guardiões” não foi exceção. Não se trata apenas de entrar no projeto e presumir que tudo ocorrerá conforme planejado. Cada etapa apresenta obstáculos, e enfrentamos diversos desafios ao longo do caminho. 

Um dos maiores desafios que enfrentei, embora todos tenham sido exigentes, foi a imersão nos territórios para acompanhar de perto a fiscalização dos guardiões. Essa experiência foi especialmente desafiadora devido à natureza única do filme, que não se baseia em ficção, mas sim na vida real e nas histórias autênticas de cada guardião na floresta. Não tivemos a liberdade de criar situações ou cenários fictícios; tudo o que vivenciamos foi genuíno e impactante. 

O desafio mais significativo se manifestou durante os monitoramentos territoriais, nos quais nos unimos aos guardiões. A incerteza constante sobre o que poderíamos encontrar, especialmente na possibilidade de um encontro com invasores, trouxe uma complexidade intensa ao projeto. Manter a autenticidade do filme exigiu coragem e respeito pelas comunidades locais, e superar esse desafio implicou equilibrar a necessidade de documentar a realidade crua enfrentada pelos guardiões com a responsabilidade de preservar a segurança e a integridade de todos os envolvidos. Foi uma jornada desafiadora, mas vital para transmitir fielmente a mensagem do filme. 

9. Há críticos que argumentam que os guardiões da floresta podem ser prejudiciais ao desenvolvimento da região. Como você responde a essas críticas? 

Entendo que existam críticas quanto à atuação dos guardiões da floresta, mas acredito que tais argumentos refletem uma perspectiva equivocada, muitas vezes associada àqueles que promovem o desmatamento. Quando alguém sugere que os guardiões não contribuem para o desenvolvimento da região, é importante considerar que essa visão está em desacordo com a preservação ambiental e a proteção da vida. 

Os guardiões são, em essência, protetores da natureza. Sua dedicação à preservação não se limita apenas à sua região imediata, ela reverbera globalmente, beneficiando o planeta como um todo. Contrariamente à noção de que a preservação indígena não promove desenvolvimento, é fundamental compreender que uma floresta em pé desempenha um papel crucial na sustentabilidade ambiental, beneficiando não apenas os indígenas locais, mas toda a humanidade. 

É compreensível que algumas pessoas possam não reconhecer plenamente a importância de manter as florestas em seu estado natural. Os guardiões, ao realizar suas atividades, muitas vezes enfrentam riscos e confrontos diretos, sacrificando suas vidas em nome da defesa de seus territórios. A crítica proveniente daqueles que desejam explorar ilegalmente essas áreas não deve obscurecer o papel fundamental dos indígenas na preservação das florestas tropicais. 

Em vez de serem considerados um obstáculo para o desenvolvimento, os indígenas são, na verdade, os maiores defensores da floresta tropical no mundo. A conscientização sobre essa realidade é essencial para que possamos reconhecer e valorizar o impacto positivo das ações dos guardiões em prol do meio ambiente global. Agradeço por abordar esse ponto. 

10. “Somos Guardiões” é uma colaboração entre diversos cineastas. Como foi a experiência de trabalhar com uma equipe diversificada e renomada na indústria cinematográfica? 

A colaboração em “Somos Guardiões” com cineastas dos Estados Unidos, Chelsea e Robb, ambos diretores renomados, foi uma experiência única e enriquecedora. Trabalhar com uma equipe tão diversificada na indústria cinematográfica, especialmente considerando as diferenças culturais e linguísticas, apresentou desafios e oportunidades intrigantes. 

Minha participação nesse projeto foi marcada por uma fluidez surpreendente, apesar das barreiras linguísticas. Como brasileiro que fala Tupi, o idioma do meu povo, e português, a comunicação com americanos que não dominavam o português exigiu um processo de entendimento mais demorado. No entanto, essa barreira linguística não se revelou como um obstáculo insuperável, mas sim como uma oportunidade para desenvolver uma linguagem única e compartilhada entre a equipe. 

Acredito que a força dessa colaboração reside na nossa capacidade de pensar de maneira alinhada, mesmo que não fosse necessário verbalizar cada detalhe. Houve uma sincronia palpável em nossas abordagens e objetivos, o que muitas vezes eliminava a necessidade constante de diálogo explícito. Essa sintonia permitiu que nos comunicássemos intuitivamente, focando nas ações e nas aspirações compartilhadas para o filme. 

A experiência de trabalhar com uma equipe tão diversificada e renomada na indústria cinematográfica foi, portanto, um testemunho da eficácia da colaboração global, onde a compreensão mútua transcendeu barreiras linguísticas e culturais, resultando em uma obra cinematográfica que reflete a riqueza da diversidade de perspectivas. 

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